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Presidência
da República |
EM
Nº 00456/MRE.
Em 31 de dezembro de 2002
Excelentíssimo
Senhor Presidente da República,
Tenho
a honra de submeter à elevada consideração de Vossa Excelência projeto de
lei que modifica o art.68 da Lei nº 7.501, de 26 de junho de 1986, que cria o
Serviço Exterior Brasileiro (SEB). A criação do SEB configurou decisão
estratégica do Estado brasileiro no sentido de estabelecer nos quadros do
Ministério das Relações Exteriores um corpo de funcionários permanentes,
capacitados profissionalmente como agentes do Itamaraty, no Brasil e no
exterior, e composto pela Carreira de Diplomata e pela categoria funcional de
Oficial de Chancelaria. Em 22 de dezembro de 1993, foi publicada a Lei nº
8.829, que instituiu, no Serviço Exterior Brasileiro, as Carreiras de Oficial e
de Assistente de Chancelaria. Para a Carreira de Oficial de Chancelaria foram
transpostos todos os funcionários da então existente categoria funcional de
Oficial de Chancelaria. Na Carreira de Assistente de Chancelaria foram
enquadrados, mediante transformação de seus cargos, os servidores integrantes
de categorias funcionais de nível médio com atribuições correlatas, que, no
momento da publicação da lei, já tivessem cumprido missão no exterior, de
acordo com o artigo 33, da Lei n° 8.829/93.
2.
Ao criar e estruturar
esse corpo funcional, aqueles diplomas legais estabeleceram que apenas seriam
removidos para servir nos postos no exterior os seus integrantes, isto é, os
Diplomatas, Oficiais e Assistentes de Chancelaria. No entanto, para resguardar
eventuais expectativas de direito desses servidores, que tinham por longos anos
prestado relevantes serviços à Casa de Rio Branco, a Lei n°
7.501/86 havia contemplado uma exceção à regra geral: a de que os servidores
admitidos antes de sua vigência, dentro de condições e critérios específicos,
poderiam ser removidos para o exterior por um período de quatro anos improrrogáveis
(art. 68).Tratava-se, neste caso, de uma situação especial que o legislador
entendeu ser necessária também para assegurar uma transição serena para a
nova configuração organizacional de Serviço Exterior Brasileiro que então se
adotava, sem prejudicar o funcionamento das Missões diplomáticas e Repartições
consulares. Isto porque não seria possível restringir imediatamente a lotação
dos postos apenas aos Diplomatas e Oficiais de Chancelaria, pois não haveria
servidores daquelas carreiras em número suficiente para lotar toda a rede de
postos. Assim, a situação descrita deveria perdurar por alguns anos, tempo
suficiente para o Ministério lotar adequadamente o quadro de Oficiais de
Chancelaria.
3. Como dito anteriormente, contudo, por força do disposto na Lei n° 8.829/93, integrantes de diversas categorias funcionais, independentemente da época de seu ingresso no Ministério, foram incorporados ao Serviço Exterior. Além disso, aquele instrumento normativo estendeu o prazo de permanência em missão no exterior dos Assistentes e Oficias de Chancelaria para dez anos (prorrogáveis por mais dois em determinada situação).
4. Por uma dessas vicissitudes da organização estatal, não foi possível aproveitar no SEB um grupo de servidores que, apesar de serem depositários das tradições administrativas, do espírito de missão e de disciplina funcional característicos do Itamaraty, não se enquadravam na categoria funcional de Oficial de Chancelaria. Como resultado, uma parcela de servidores (pouco mais de quatrocentos) continuou com um regime de serviço no exterior mais limitado. Posteriormente, foi-se criando um grupo ainda menor - cerca de duas centenas - de servidores redistribuídos para o MRE aos quais, em função da combinação dos dispositivos das duas leis já citadas, é vedado o exercício no exterior.
5.
Não resta dúvida de que esse grupo é composto por servidores que têm
uma folha de excepcionais serviços prestados ao Itamaraty e que merecem o
respeito e a gratidão da instituição. Também é certo que a grande maioria
desses servidores são antigos colaboradores da Casa com vários anos de bons
serviços, tanto no Brasil, quanto no exterior, onde muitos até mesmo
desenvolveram funções por vezes correlatas às dos Oficiais e Assistentes de
Chancelaria. Nesse sentido, é compreensível que, no plano pessoal, a distinção
de regimes de exercício no exterior tenha para esses servidores impacto
negativo sobre a sua identificação como servidores do Itamaraty - instituição
à qual sempre se orgulharam de pertencer - com evidentes repercussões sobre
sua motivação e a coesão e o clima organizacionais, já que o exercício no
exterior é o traço distintivo da instituição.
6.
Do ponto de vista da instituição, é claro que a operação de regimes
diferenciados de exercício no exterior torna mais complexa a implementação de
uma política de pessoal e a torna mais onerosa em termos administrativos. A
experiência vem demonstrando que essa circunstância tem impedido, por outro
lado, a Administração de lançar mão com maior liberdade de ação da experiência
acumulada desse contingente de servidores no exercício no exterior, como forma
de melhorar o perfil de lotação de certos postos ou de adequar a
disponibilidade de recursos humanos às exigências criadas pelo volume e o tipo
de trabalho de certas Missões diplomáticas e Repartições consulares.
7.
A proposta em tela proíbe novas redistribuições de servidores para o
Ministério das Relações Exteriores, com o objetivo de evitar que se venha, no
futuro, reproduzir situação semelhante à atual. Estabelece, ainda, norma
vedando nos postos no exterior o exercício provisório de
que trata o parágrafo segundo do art. 84 da Lei n°
8.112, com a redação dada pela Lei n°
9.527, de 10 de dezembro de 1997, uma vez que esse instituto não se coaduna,
nem com a idéia do Serviço Exterior Brasileiro, nem com o objetivo que norteou
a sua criação. Com grande freqüência, o Itamaraty é defrontado com solicitações
do gênero, muitas oriundas de outros Poderes ou outras entidades da Federação
e vê-se na desgastante contingência de invariavelmente negar tais pretensões.
8.
A lei n° 8.112 é clara ao estabelecer a faculdade da Administração pública
de aceitar ou negar o exercício provisório de funcionário público de outro
órgão: o órgão receptor tem a prerrogativa de ser seletivo em função de
suas necessidades de serviço, e a faculdade de decidir, em cada caso, sobre o
eventual consentimento em relação aos pedidos que lhes são dirigidos, não
havendo, portanto, obrigatoriedade no consentimento quanto ao exercício provisório.
Porém, é preciso levar em conta que a formação dos funcionários do Serviço
Exterior Brasileiro é específica, não só pelas exigências do concurso de
admissão e pelo treinamento realizado no Ministério, mas pela própria experiência
que adquirem na Secretaria de Estado. A cultura organizacional do Itamaraty é
bastante peculiar, pois inclui, de forma muito significativa, considerações
relacionadas a princípios protocolares e de hierarquia, compreensão e respeito
dos privilégios e imunidades garantidas aos membros de missões diplomáticas e
repartições consulares, bem como de adesão a um tipo de disciplina, que não
são, necessariamente, compartilhados por servidores de outros órgãos. Esse
fato, por si só, já dificulta a adaptação à rotina e ao funcionamento de
nossas repartições no exterior, mas é preciso, igualmente, levar em conta os
aspectos de natureza emocional ou psicológica envolvidos no trabalho longe do
país e da família e em unidades de dimensões reduzidas. Servidores em exercício
provisório, contudo, não terão passado por essa etapa de treinamento e de
conscientização de elementos ligados à interculturalidade. Em vista dessas
razões e para preservar o bom funcionamento do serviço no exterior, creio
justificada a preocupação de registrar em norma legal a vedação do exercício
provisório nas unidades administrativas do Itamaraty no exterior.
9.
O projeto que trago ao exame de Vossa Excelência não provoca aumento de
despesa, na medida em que apenas possibilita à Administração uma maior
escolha no momento do preenchimento das vagas já existentes no quadro de lotação
dos postos. Trata-se apenas de uma adequação das atuais regras de remoção às
necessidades da Administração. Acredito que essa alteração, que seria
seguida de um amplo programa de capacitação desse grupo de servidores, dá
prosseguimento ao processo de renovação e aprimoramento da instituição na área
de formação, treinamento e especialização de recursos humanos que tem
caracterizado os dois mandatos de Vossa Excelência e proporciona ao Itamaraty a
adequada agilidade operacional e as condições necessárias para manter nos
postos um quadro moderno de servidores especialmente preparados para o exercício
no exterior em consonância com o padrão tradicional de desempenho na vertente
externa de suas responsabilidades institucionais.
10. Tendo em vista a urgência com a
qual o Ministério das Relações Exteriores necessita iniciar processo de seleção
e capacitação de servidores para o exercício no exterior, de modo a adequar o
quadro de lotação das Missões diplomáticas e Repartições consulares às
atuais necessidades de serviço e demandas vigentes, sugiro a Vossa Excelência
a transformação do projeto de lei que modifica o art.68 da Lei nº 7.501, de
26 de junho de 1986 em Medida Provisória.
Respeitosamente,
CELSO LAFER |
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Ministro
de Estado das Relações Exteriores |
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