Presidência da República
Casa Civil
Subchefia para Assuntos Jurídicos

DESPACHO DO PRESIDENTE DA REPÚBLICA

ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO

PROCESSO N° 00400.002301/2016-31
INTERESSADO: ADVOCACIA-GERAL  DA UNIÃO

ASSUNTO: Desconto dos dias parados em razão de greve de servidor  público.

Parecer nº GMF - 02 (*)

Adoto, para os fins do art. 41 da Lei Complementar   73, de  10 de fevereiro de 1993, o anexo PARECER Nº  004/2016/CGU/AGU  e submeto-o ao EXCELENTÍSSIMO SENHOR PRESIDENTE DA REPÚBLICA, para os efeitos do art. 40 da referida Lei Complementar, tendo em vista a relevância da matéria versada.

Em 12 de dezembro de 2016

 GRACE MARIA FERNANDES DES MENDONÇA
Advogada-Geral da União

___________
(*) A respeito deste Parecer o Excelentíssimo Senhor Presidente da República exarou o seguinte despacho. "
Aprovo. Em 12-XII-2016"
 

PARECER N. 004/2016/CGU/AGU 

PROCESSO: 00400.002301/2016-31

INTERESSADO: GABINETE DA ADVOGADA-GERAL DA UNIÃO

 

I. A Administração Pública Federal deve proceder ao desconto dos dias de paralisação decorrentes do exercício do direito de greve pelos servidores públicos, em virtude da suspensão do vínculo funcional que dela decorre.

II. O desconto apenas não deve ser feito se ficar demonstrado que a greve foi provocada por conduta ilícita da Administração Pública Federal, e constatada situação de abusividade pelo Poder Judiciário.

III. O corte de ponto é um dever, e não uma opção, da Administração Pública Federal, que não pode simplesmente ficar inerte ante situação de greve.

IV. A Administração Pública Federal possui a faculdade de firmar acordo para, em vez de realizar desconto, permitir a compensação das horas não trabalhadas pelos servidores.

Exma. Sra. Advogada-Geral da União,

I. RELATÓRIO

1. Em sessão do dia 27 de outubro de 2016, o Plenário do Supremo Tribunal Federal concluiu o julgamento do Recurso Extraordinário n. 693.456/RJ, com repercussão geral reconhecida, em que foi enfrentada questão referente à constitucionalidade do desconto dos dias parados em razão de greve de servidor público. Na oportunidade, o Tribunal decidiu que a Administração Pública deve fazer o corte do ponto dos servidores grevistas, sendo possível a compensação dos dias parados, mediante acordo. Deixou-se consignado, não obstante, que o desconto não poderá ser feito caso o movimento grevista tenha sido motivado por conduta ilícita do próprio Poder Público(1). Em adesão à proposta formulada pelo Ministro Roberto Barroso, a Corte aprovou a seguinte tese:

“A administração pública deve proceder ao desconto dos dias de paralisação decorrentes do exercício do direito de greve pelos servidores públicos, em virtude da suspensão do vínculo funcional que dela decorre, permitida a compensação em caso de acordo. O desconto será, contudo, incabível se ficar demonstrado que a greve foi provocada por conduta ilícita do Poder Público”.

 2. O Relator, Ministro Dias Toffoli, votou no sentido de que, embora a paralisação seja possível, o desconto dos dias de paralisação é ônus inerente à greve, assim como a paralisação parcial dos serviços públicos imposta à sociedade é consequência natural do movimento. Assim, o desconto não tem o efeito disciplinar punitivo. Os grevistas assumem os riscos da empreitada e de um “afastamento” não remunerado do servidor, na medida em que, embora autorizado pela Constituição, o exercício da greve não implica o pagamento integral da remuneração durante o período grevista.

3. A decisão, até o presente momento, não foi publicada, mas, em razão da relevância da matéria, e de risco de recalcitrância de órgãos da Administração Pública Federal em adotar o entendimento fixado pelo Supremo Tribunal para situações que envolvam greve no serviço público, urge fixar a orientação jurídica para a atuação dos órgãos públicos.

4. A manifestação jurídica ora elaborada, com base nos artigos 40 e 41 da Lei Complementar n. 73, de 1993(2), a ser submetida à aprovação do Exmo. Sr. Presidente da República, tem o objetivo de demonstrar a importância e a necessidade de que todos os órgãos da Administração Pública Federal observem, respeitem e efetivamente apliquem a tese consolidada pelo STF no RE n. 778.889/PE.

II. O DEVER DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA DE OBSERVAR AS DECISÕES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, A REPERCUSSÃO GERAL DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO E O DECRETO 2.346/1997.

5. As decisões do Supremo Tribunal Federal devem ser observadas e respeitadas por todos os atores políticos e autoridades públicas que atuam no âmbito dos Estados Democráticos de Direito. As razões de decidir (ratio decidendi) que normalmente compõem os pronunciamentos judiciais desses tribunais estão qualificadas não apenas como razões substantivas, que contêm os elementos de justificação e de correção material da tese fixada, mas igualmente como razões de autoridade, as quais se impõem como normas de observância e de cumprimento geral(3). A argumentação jurídica produzida por uma Corte Constitucional, portanto, se caracteriza também pelo argumento de autoridade(4) que se forma por razões que se justificam independentemente de seu conteúdo substancial(5), e que não se constitui necessariamente de aspectos persuasivos, mas de uma autoridade vinculante(6).

6. A forma e o modo como os enunciados judiciais das Cortes assumem suas feições autoritativas e assim são reconhecidos, respeitados e aplicados possuem variações correspondentes aos sistemas, estruturas e organizações diversificadas em cada sociedade. A experiência dos Estados Unidos da América representa um exemplo eloquente de como o desenvolvimento histórico das instituições políticas daquele país foi capaz de construir uma cultura institucional em torno de precedentes judiciais e moldar todo um sistema de observância e acatamento dos pronunciamentos de sua Suprema Corte. O denominado princípio do stare decisis influencia e condiciona toda a atuação política e judicial das instituições norte-americanas e, desse modo, ainda que sob diferentes perspectivas(7), constitui um elemento básico de coerência e estabilidade do sistema jurídico do common law, indispensável para a segurança jurídica como princípio fundamental do Estado de Direito (Rule of Law).

7. No Brasil, a construção inicial de nosso sistema de controle de constitucionalidade de normas não foi acompanhada, em um primeiro momento, pela institucionalização de um princípio de stare decisis ou de qualquer mecanismo dotado de semelhantes funções.  Em nosso país, o controle jurisdicional de constitucionalidade corresponde a uma tradição republicana iniciado com a Constituição de 1891(8). Por influência do sistema existente nos Estados Unidos, foi primeiramente adotado apenas um modelo difuso e concreto (via incidental) (9). Assim, o modelo introduzido no Brasil encontrou aqui um grave obstáculo inexistente no direito norte-americano, onde vigora a doutrina do stare decisis e as decisões tomadas em casos concretos julgados pela Suprema Corte vinculam os outros órgãos do Judiciário. No modelo adotado pela Constituição de 1891, as decisões tomadas pelo Supremo alcançavam apenas o caso concreto solucionado.

8. Posteriormente, a Constituição de 1934 criou um instrumento para amenizar esse problema: a competência do Senado para suspender a eficácia de leis declaradas inconstitucionais, sendo então conferido, pelo Legislativo, efeito erga omnes às decisões do Supremo Tribunal Federal(10). O instituto sobreviveu aos percalços da história constitucional brasileira(11) e, renovado no atual art. 52, X, da Constituição de 1988, sempre se caracterizou por conferir à Casa Legislativa poderes exclusivos e eminentemente discricionários, próprios dos atos políticos, que estão imunes a qualquer tipo de controle externo e que assim se subtraem ao crivo dos demais Poderes(12).

9. O sistema brasileiro de controle jurisdicional de constitucionalidade só viria a sofrer “inovação radical com a Emenda Constitucional n. 16, de 26 de novembro de 1965, na vigên­cia ainda da Constituição de 1946, mas já sob o regime militar(13)”, quando finalmente foi introduzido um mecanismo semelhante ao já existente nas cortes constitucionais da Europa continental: a “representação contra inconstitu­cionalidade” de lei ou ato de natureza normativa, federal ou estadual, proposta pelo Procurador-Geral da República(14). Com esse mecanismo, finalmente, o Supremo Tribunal Federal passava a ter competência para declarar a inconstitucionalidade de lei por intermédio de uma ação direta.  O sistema misto foi mantido na Constituição de 1967 e na Emenda n° 1, de 17 de outubro de 1969 (também conhecida como Constituição de 1969).

10. Esse modelo de controle de constitucionalidade foi nitidamente aperfeiçoado pela atual Constituição. O desenvolvimento paulatino do controle concentrado e em abstrato de constitucionalidade de normas – sobretudo a partir da Constituição de 1988 e do advento das Leis 9.868 e 9.882, ambas de 1999 – inseriu no sistema institutos processuais e técnicas de decisão que, ao possibilitarem a eficácia vinculante e os efeitos erga omnes das declarações de inconstitucionalidade, fortaleceram o caráter autoritativo dos pronunciamentos do Supremo Tribunal Federal, especialmente em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública em geral.

11. Além disso, os institutos criados pela Reforma do Poder Judiciário estabelecida pela Emenda Constitucional n. 45/2004, a Repercussão Geral e a Súmula Vinculante, tornaram-se mecanismos cruciais para a afirmação e consolidação da jurisprudência do STF em relação aos demais juízes e tribunais, o que foi igualmente reforçado pelo pleno e profícuo desenvolvimento da Reclamação como ação constitucional cada vez mais vocacionada ao resguardo da competência e da autoridade das decisões da Corte(15).

12. Apesar das significativas inovações, o sistema brasileiro de jurisdição constitucional se caracteriza por permanecer despido de um mecanismo processual explícito e amplamente aceito que atribua formalmente efeitos gerais à decisão do STF em sede de controle difuso de constitucionalidade. É o Senado Federal que, em razão da plena vigência e normatividade do art. 52, X, da Constituição, permanece com a atribuição exclusiva de conferir os efeitos erga omnes à declaração de inconstitucionalidade em concreto emanada do STF(16). Mesmo nas decisões proferidas em sede de recurso extraordinário submetido à sistemática da repercussão geral, os efeitos produzidos em relação aos juízes e tribunais, tendo em vista a necessidade de adoção da tese fixada em casos semelhantes e repetitivos, não necessariamente implicam eficácia geral e vinculante e, portanto, não obrigam os órgãos da Administração Pública a impreterivelmente observar a declaração de inconstitucionalidade.

13. É nessa conjuntura que se renova a importância do Decreto n. 2.346, de 10 de outubro de 1997, o qual consolida normas de procedimentos a serem observados pela Administração Pública Federal em razão de decisões judiciais do STF, que permanecem vigentes até os dias atuais. Editado em uma época na qual ainda não existiam os institutos da repercussão geral e da súmula vinculante, e sequer havia as Leis n. 9.868 e n. 9.882, ambas do ano de 1999, suas normas visam precipuamente implementar, no âmbito da Administração Pública Federal, uma cultura jurídica em torno do dever funcional de observar, respeitar e fazer aplicar as decisões do Supremo Tribunal Federal. Por isso, em seu art. 1º, deixa-se explícito que:

Art. 1º. As decisões do Supremo Tribunal Federal que fixem, de forma inequívoca e definitiva, interpretação do texto constitucional deverão ser uniformemente observadas pela Administração Pública Federal direta e indireta, obedecidos os procedimentos estabelecidos neste Decreto”.

14. No § 1º do art. 1º, o Decreto traz disposição relacionada às decisões proferidas pelo STF em sede de controle abstrato de constitucionalidade, determinando o seguinte:

“Art. 1º. (...) § 1º. Transitada em julgado decisão do Supremo Tribunal Federal que declare a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, em ação direta, a decisão, dotada de eficácia ex tunc, produzirá efeitos desde a entrada em vigor da norma declarada inconstitucional, salvo se o ato praticado com base na lei ou ato normativo inconstitucional não mais for suscetível de revisão administrativa ou judicial”.

15. Referido dispositivo se desatualizou, ainda que parcialmente, em virtude do advento das Leis n. 9868 e n. 9.882, de 1999, assim como em face de suas posteriores modificações, que atualmente permitem ao STF modular os efeitos de sua declaração de inconstitucionalidade e conferir eficácia pro futuro à decisão, mitigando os efeitos da nulidade da lei inconstitucional. De toda forma, em se tratando do controle abstrato de constitucionalidade, a Administração Pública Federal ficará submetida aos efeitos erga omnes e à eficácia vinculante inerente aos provimentos jurisdicionais emanados do STF nas ações específicas desse controle (ADI, ADC, ADO e ADPF), de modo que todos os seus órgãos deverão observar a interpretação fixada pela Corte, em conformidade com os efeitos da decisão prolatada.

16. Em relação ao controle difuso de constitucionalidade, o § 2º do art. 1º condiciona a eficácia da decisão do STF em relação à Administração Pública Federal à efetiva suspensão, pelo Senado Federal, da execução da lei declarada inconstitucional. Eis o teor do referido dispositivo:

“Art. 1º. (...) § 2º. O disposto no parágrafo anterior aplica-se, igualmente, à lei ou ao ato normativo que tenha sua inconstitucionalidade proferida, incidentalmente, pelo Supremo Tribunal Federal, após a suspensão de sua execução pelo Senado Federal”.

17. Tendo em vista a já comentada competência de caráter eminentemente político atribuída ao Senado para a efetiva concessão dos efeitos erga omnes à declaração incidental de inconstitucionalidade(17), a submissão formal da Administração Pública Federal à autoridade da interpretação constitucional fixada pelo STF fica a depender da atuação específica do Presidente da República no sentido de autorizar a extensão dos efeitos jurídicos da decisão proferida no caso concreto. É o entendimento que pode ser extraído da interpretação sistemática do subsequente § 3º do art. 1º do Decreto 2.346:

“Art. 1º. (...) § 3º. O Presidente da República, mediante proposta de Ministro de Estado, dirigente de órgão integrante da Presidência da República ou do Advogado-Geral da União, poderá autorizar a extensão dos efeitos jurídicos de decisão proferida em caso concreto”.

18. A proposta oriunda da Advocacia-Geral da União poderá ser consubstanciada em parecer jurídico elaborado para os fins do art. 40 da Lei Complementar n. 73/1993, atribuição que, de acordo com o art. 41 da mesma lei, também compete ao Consultor-Geral da União. Este é o teor dos mencionados dispositivos:

“Art. 40. Os pareceres do Advogado-Geral da União são por este submetidos à aprovação do Presidente da República.

§ 1º O parecer aprovado e publicado juntamente com o despacho presidencial vincula a Administração Federal, cujos órgãos e entidades ficam obrigados a lhe dar fiel cumprimento. (...)

Art. 41. Consideram-se, igualmente, pareceres do Advogado-Geral da União, para os efeitos do artigo anterior, aqueles que, emitidos pela Consultoria-Geral da União, sejam por ele aprovados e submetidos ao Presidente da República”.

19. Assim, para cumprir os objetivos traçados pelo Decreto n. 2.346/1997, o Presidente da República poderá aprovar parecer elaborado pela Consultoria-Geral da União e aprovado pela Advogada-Geral da União, o qual, uma vez publicado juntamente com o despacho presidencial, consubstanciará parecer normativo que, sob o aspecto formal, vinculará todos órgãos da Administração Pública Federal, que ficarão submetidos à autoridade da interpretação da Constituição definida pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento de casos concretos.

20. O presente parecer é elaborado com esse objetivo e tem em vista não apenas esse elemento formal ou autoritativo que deve revestir as decisões da Corte Suprema brasileira em relação aos órgãos administrativos federais, mas igualmente a correção substancial e, portanto, a legitimidade material da decisão específica proferida pelo STF, na qual sobressaem também as razões substantivas que, no caso em análise, devem funcionar como elementos persuasivos no sentido do efetivo cumprimento pela Administração Pública Federal. Como se demonstrará mais a frente, a decisão do STF faz uma adequada e correta intepretação da Constituição e, por isso, deve ser acatada e observada pelos órgãos públicos.  

III. DIREITO DE GREVE DO SERVIDOR PÚBLICO E O ART. 37, VII, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL

21. A história do direito de greve, reconhecido pela atual Constituição a todo trabalhador, confunde-se com a própria história do sindicalismo, na medida em que a greve sempre foi utilizada como um dos processos protagonistas de atuação dos sindicatos, objetivando o êxito de suas reivindicações em favor dos trabalhadores(18). Como se sabe, o direito de greve possui longo histórico e, num espaço de tempo consideravelmente curto de nossa história, a greve deixou o campo dos delitos, passou pela mera tolerância e chegou ao patamar de direito fundamental constitucionalmente garantido(19).

22. Ao analisar as Constituições que vigoraram no Brasil, podemos perceber que as de 1824 e 1890 não dispunham sobre a greve, o mesmo ocorrendo na Constituição de 1934. Já na Constituição Federal de 1937, a greve e o lockout eram considerados recursos antissociais, enquanto que a Constituição de 1946 tratou do direito de greve, que deveria ser regulamentado por lei. A “Constituição de 1967”, por sua vez, assegurava o direito de greve aos trabalhadores (art. 158, XXI), não permitindo a greve nos serviços públicos e atividades essenciais a serem definidas em lei (art. 157, § 7.º) (20).  Como se percebe, desde 1946, o direito de greve está previsto como garantia constitucional.

23. Na atual Constituição Federal, a greve está consagrada como direito fundamental, nos termos de seu art. 9.º, impedindo, assim, que lei infraconstitucional inviabilize o seu pleno e efetivo exercício. Dispõe o mencionado dispositivo:

"Art. 9.º É assegurado o direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender.

§ 1.º A lei definirá os serviços ou atividades essenciais e disporá sobre o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade.

§ 2.º Os abusos cometidos sujeitam os responsáveis às penas da lei".

24. Em verdade, como destacam alguns constitucionalistas, a greve é mais do que um direito do trabalhador; ela constitui verdadeira garantia fundamental, funcionando como meio constitucionalmente previsto para o uso dos trabalhadores, "não como um bem auferível em si, mas como um recurso de última instância para a concretização de seus direitos e interesses(21).

25. A Constituição Federal, ao dispor sobre o funcionalismo público, originariamente previa que o direito de greve do servidor seria exercido nos termos e limites fixados em lei complementar. Posteriormente, esse dispositivo foi modificado pela EC 19/98, apenas para substituir a exigência da espécie normativa originariamente prevista por uma lei específica, que ampla doutrina identificou como simples lei ordinária, cujo objeto seja unicamente a greve do servidor.

26. É importante destacar que, ao contrário do que acontece na iniciativa privada, o exercício do direito de greve no âmbito da Administração Pública colide com o princípio da continuidade do serviço público e com o interesse público em si, este compreendido pelo interesse da coletividade na prestação que se terá por interrompida (promoção do bem comum).

27. Resta claro, então, que a Constituição Federal, de forma legítima, realiza uma nítida diferenciação entre o trabalhador comum e o estatal, deixando evidenciado que o último exerce seu direito de greve com alguma ressalva e/ou limitação não existente para os demais trabalhadores. Com efeito, no caso do direito de greve dos servidores públicos, fica demonstrado o conflito existente entre as necessidades mínimas de legislação para o exercício do direito de greve dos servidores públicos (art. 37, VII, CF) e o direito a serviços públicos adequados e prestados de forma contínua (art. 9º, § 1º, CF) (22).

28. A intenção da Constituição Federal de 1988 foi a de viabilizar a greve no serviço público, sempre que necessária, mas, para o alcance de seus fins, há de se encontrar, sempre, um caminho menos gravoso para a continuidade do atendimento das necessidades sociais no âmbito administrativo(23). Por esse motivo, o Supremo Tribunal Federal possui sólido entendimento no sentido de que, mesmo no caso de greve de servidor público, alguns serviços públicos, em razão de sua essencialidade para a sociedade, deverão ser prestados em sua totalidade, como serviço de segurança pública, determinando, por analogia, a aplicação da vedação para os militares e, assim, proibindo o seu exercício pelos policiais civis(24).

29. No julgamento do RE 693.456/RJ, afetado ao regime de repercussão geral, Relator Ministro Dias Toffoli, o STF asseverou mais uma vez as peculiaridades da greve no serviço público, situação em que diferentemente do que ocorre na iniciativa privada, o pressuposto de existência do serviço é a garantia do atendimento às necessidades inadiáveis dos administrados(25). Resta, pois, evidenciada a necessidade de tratamento jurídico diferenciado da greve no serviço público, haja vista que o pressuposto de existência do serviço é a garantia do atendimento às necessidades inadiáveis dos administrados.

30. Embora até o presente momento não tenha sido editada a norma regulamentadora indicada no art. 37, VII, CF, a jurisprudência do STF nos últimos anos evoluiu para estabelecer regras que disciplinam o direito de greve por parte dos servidores públicos.

31. Como se sabe, em um passado não muito distante, o STF apresentava entendimento no sentido de que o direito de greve dos servidores públicos não poderia ser exercido antes da edição da lei complementar respectiva, sob o argumento de que o preceito constitucional que reconheceu o direito de greve constituía norma de eficácia limitada, desprovida de autoaplicabilidade(26).

32. No ano de 2007, no julgamento dos Mandados de Injunção 670, 708 e 712(27), o Supremo Tribunal Federal, reconhecendo o conflito entre as necessidades normativas para o exercício do direito de greve dos servidores públicos e o direito a serviços públicos adequados e prestados de forma contínua, asseverou a necessidade de uma solução constitucional, definindo que, até a edição da lei regulamentadora do direito de greve dos servidores públicos, aplica-se, no que couber, a Lei n. 7.783/ 89, que dispõe sobre o exercício do direito de greve na iniciativa privada. Assim, o Supremo proferiu decisões de perfis aditivos nesses mandados de injunção, ultrapassando a eficácia concretizadora ao direito de greve, não só em favor dos impetrantes, mas para todos os servidores públicos civis.

33. Desde já, é pertinente destacar algumas das relevantes premissas destacadas pelo STF no julgamento do MI 670 e que são essenciais para análise do presente caso:

  

(1) o STF evoluiu na sua jurisprudência, para que as decisões proferidas no Mandado de Injunção passem a ter natureza mandamental e constitutiva (carga normativa), e não apenas declaratória da mora legislativa (superação do precedente contido no MI 107/DF);

 

(2) o STF concluiu no sentido de que deve ser aplicada a Lei 7.783/89, enquanto perdurar a omissão inconstitucional, para regular minimamente o direito de greve dos servidores públicos, mas em cada caso concreto é possível ao Judiciário, diante dos imperativos da continuidade dos serviços públicos (CF, art. 37, VII), regular um regime mais severo, em especial diante de atividades essenciais, inclusive para aquelas situações não previstas na legislação, vez que a enumeração dos arts. 9º a 11 dessa lei é meramente exemplificativa.

34. Desse modo, em razão da omissão legislativa, o Supremo Tribunal Federal, por intermédio de suas decisões, passou a estabelecer regramentos para, de um lado, garantir a eficácia mínima do direito constitucional à categoria dos servidores públicos e, de outro, estabelecer garantias para evitar abusos por parte dos servidores grevistas e permitir a continuidade da prestação dos serviços públicos.

35. Assim, ao longo dos últimos dez anos, o Supremo Tribunal Federal consolidou sua jurisprudência no sentido de que direito de greve do servidor está sujeito a limitações e restrições justificadas em razão do interesse público e do princípio da continuidade do serviço público.

 

IV. A REITERADA JURISPRUDÊNCIA DOS TRIBUNAIS SUPERIORES SOBRE O DESCONTO DOS DIAS DE GREVE E A SUSPENSÃO DO VÍNCULO FUNCIONAL QUE DELA DECORRE

36. É reiterada a jurisprudência dos tribunais superiores no sentido de que a paralisação por greve, em regra, caracteriza hipótese de suspensão de contrato de trabalho sem remuneração.

37. Com efeito, o art. 7º da Lei nº 7.783/89 dispõe que:

Art. 7º Observadas as condições previstas nesta Lei, a participação em greve suspende o contrato de trabalho, devendo as relações obrigacionais, durante o período, ser regidas pelo acordo, convenção, laudo arbitral ou decisão da Justiça do Trabalho.

38. De fato, se na suspensão não existe prestação de serviço pelo trabalhador, tampouco existe obrigação de pagamento em contraprestação pelo empregador. A própria Justiça do Trabalho, ao tratar do tema greve, deixa claro que a situação de greve caracteriza hipótese de suspensão contratual e, portanto, os dias de paralisação não devem ser remunerados, ressalvadas situações excepcionais, tais como aquelas em que o empregador contribui, de forma determinante e com sua conduta, para que a greve ocorra(28).

39. No que concerne à greve na Administração Pública, não é de hoje que os tribunais superiores possuem o entendimento no sentido de que os servidores que aderem ao movimento grevista não fazem jus ao recebimento das remunerações dos dias paralisados, ressalvadas apenas algumas situações excepcionais, que serão mais a frente mencionadas.

40. Como regra geral, é certo que na hipótese de greve promovida pelo servidor público, os salários dos dias de paralisação não devem ser pagos. Nesse sentido, decidiu o Supremo Tribunal Federal no ano de 2007, conforme trecho do voto do Min. Gilmar Mendes no mencionado MI n.º 708/DF:

“(...) 6.4. Considerados os parâmetros acima delineados, a par da competência para o dissídio de greve em si, no qual se discuta a abusividade, ou não, da greve, os referidos tribunais, nos âmbitos de sua jurisdição, serão competentes para decidir acerca do mérito do pagamento, ou não, dos dias de paralisação em consonância com a excepcionalidade de que esse juízo se reveste. Nesse contexto, nos termos do art. 7º da Lei no 7.783/1989, a deflagração da greve, em princípio, corresponde à suspensão do contrato de trabalho. Como regra geral, portanto, os salários dos dias de paralisação não deverão ser pagos, salvo no caso em que a greve tenha sido provocada justamente por atraso no pagamento aos servidores públicos civis, ou por outras situações excepcionais que justifiquem o afastamento da premissa da suspensão do contrato de trabalho (art. 7o da Lei no 7.783/1989, in fine)”. (Trecho do acórdão - MI 708, Relator: Min. Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, julgado em 25/10/2007, DJe de 30/10/ 2008).

41. Pouco tempo depois, o Supremo Tribunal Federal foi além e adotou o entendimento de que a própria Administração, de acordo com o princípio da autoexecutoriedade dos atos administrativos, possui o dever de realizar diretamente o procedimento para não pagamento da remuneração relativa aos dias de falta ao trabalho dos servidores públicos grevistas. Esse posicionamento está registrado nas conclusões exaradas pelo Exmo. Min. Cezar Peluzo, do STF, na RCL n. 6200/RN (DJ 15/12/2008):

“Cumpre ressaltar que a adesão a um movimento grevista pressupõe riscos em relação à sua legitimidade e à sua legalidade. Dessa forma, ao aderir à greve, também o servidor público deve assumir os ônus financeiros dos dias não trabalhados. Não se discute aqui o fato de o Poder Público ter que suportar os prejuízos inerentes à deflagração de um movimento grevista, ante a insuficiência de servidores em atividade, para a regular prestação de serviços públicos. Esta é uma consequência inerente ao exercício do direito de greve pelos servidores públicos. Entretanto, não se inclui nesta perspectiva a imposição de ônus adicionais ao Poder Público para promover os descontos relativos aos dias não trabalhados no período de greve, tal como o desconto condicionado à instauração e finalização prévias de processo administrativo individualizado a cada servidor grevista, que pode desbordar, inclusive, pela via judicial, por tempo indeterminado. Tal situação implica, por completo, o esvaziamento dos efeitos da regra geral de suspensão de contrato de trabalho, prevista no julgamento dos mandados de injunção (nº 670/ES, nº 708/DF e nº 712/PA). Ao mesmo tempo, enseja uma inoperância e desordem administrativa. Portanto, a determinação de instauração e finalização prévias de processo administrativo individualizado a cada servidor grevista, como condição à realização dos descontos, em princípio, viola a regra geral de que a greve implica a suspensão do contrato de trabalho e, por conseguinte, a inexistência de prestação de serviço impõe o desconto dos salários dos dias não trabalhados. (...)”

42. Em inúmeros outros julgamentos, a Corte Suprema confirmou sua jurisprudência quanto ao tema, havendo manifestação no sentido de que “inexiste direito à restituição dos valores descontados decorrentes dos dias de paralisação(29)” e de que “a comutatividade inerente à relação laboral entre servidor e Administração Pública justifica o emprego, com os devidos temperamentos, da ratio subjacente ao art. 7º da Lei 7.783/89, segundo o qual, em regra, a participação em greve suspende o contrato de trabalho(30)”.

43. Esse foi também o entendimento do ministro Gilmar Mendes para suspender, em decisão monocrática proferida na Suspensão de Tutela Antecipada (STA) 229, os efeitos da decisão de juiz federal do Rio Grande do Sul, inclusive em outras instâncias judiciárias, que determinou à União que se abstivesse de adotar medida disciplinar contra auditores-fiscais da Receita Federal em greve, mencionando ainda a possibilidade de realização de desconto salarial referente aos dias parados:

“Fica evidente, portanto, que este Tribunal, ao determinar a aplicação da Lei n° 7.783/1989, não desconsiderou a possibilidade de que, diante do caso concreto e de acordo com suas peculiaridades, o juízo competente – que é o STJ e não o TRF, em caso de greve de âmbito nacional – possa fixar regime de greve mais severo, em razão de estarem em jogo serviços públicos de caráter essencial. E, se com a deflagração de greve ocorre, como regra geral, a suspensão do contrato de trabalho, não há que se cogitar de prestação de serviço e, portanto, de pagamento de salários.

Tal como resultou da decisão proferida no citado MI n° 708/DF, o pagamento dos dias parados se justifica somente em casos excepcionais.

Não é o que se tem, à evidência, na hipótese dos autos!”

44. No mesmo sentido, está sedimentada a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, Corte que já no ano de 1996 afirmava que “o direito de greve assegurado na Carta Magna aos servidores públicos, embora pendente de regulamentação (art. 37, VII), pode ser exercido, o que não importa na paralisação dos serviços sem o consequente desconto da remuneração relativa aos dias de falta ao trabalho, à mingua de norma infraconstitucional definidora do assunto(31)”.

45. Outras decisões posteriores do STJ ratificaram o entendimento de que paralisação de servidores públicos por motivo de greve implica o consequente desconto da remuneração relativa aos dias de falta ao trabalho:

“PROCESSUAL CIVIL E CONSTITUCIONAL - SÚMULA 266⁄STF - MANDADO DE SEGURANÇA - CORTE DO PONTO DE SERVIDORES GREVISTAS – MEDIDA QUE PODE SER LEVADA A TERMO PELA ADMINISTRAÇÃO. 1. O mandado de segurança não é sucedâneo de ação direta de inconstitucionalidade. Aplicação da Súmula 266⁄STF. 2. O Pretório Excelso, a partir do julgamento do MI n° 708⁄DF, firmou entendimento de que a paralisação de servidores públicos por motivo de greve implica no consequente desconto da remuneração relativa aos dias de falta ao trabalho, procedimento que pode ser levado a termo pela própria Administração. Precedentes. 3. Segurança denegada. (STJ, Primeira Seção, MS 15.272/DF, Rel. Min. Eliana Calmon, j. 29/10/2010, DJe de 07/02/2011).

ADMINISTRATIVO. GREVE. SERVIÇO PÚBLICO. DESCONTO. DIAS PARALISADOS. POSSIBILIDADE. SUSPENSÃO. CONTRATO DE TRABALHO. PRECEDENTES. 1. A Primeira Seção, após o julgamento do MS 15.272/DF, tem reconhecido que é lícito o desconto dos dias não trabalhados em decorrência de movimento paredista. Naquela ocasião, acolheu-se a tese de que a greve acarreta a suspensão do contrato de trabalho, consoante o disposto no art. 7º da Lei 7.783/1989 e, salvo acordo formulado entre as partes, não gera direito à remuneração. 2. Desse modo, acham-se autorizados os descontos remuneratórios pelos dias não trabalhados, a menos que haja entendimento entre os interessados para assegurar a reposição. 3. Agravo regimental não provido.” (STJ, Primeira Seção, AgRg na Pet 8.050/RS, Rel. Min. Castro Meira, j. em 24/11/2010, DJe de 25/02/2011).

46. Ante o exposto, é possível concluir que é firme a jurisprudência de nossas cortes no sentido de que a Administração Pública deve proceder ao desconto dos dias de paralisação decorrentes do exercício do direito de greve pelos servidores públicos, em virtude da suspensão do vínculo funcional que dele decorre.

V. O ENTENDIMENTO CONSOLIDADO PELO STF NO RE 693.456/RJ

47. No julgamento do RE 693.456/RJ, o Supremo Tribunal Federal, não obstante sua jurisprudência consolidada, entendeu que deveria reanalisar a questão referente à legalidade de ato que determina o desconto dos dias parados em razão da adesão a movimento grevista. Nesse passo, e por considerar que a matéria seria passível de repetição em inúmeros processos, repercutindo na esfera de interesse de milhares de pessoas, a Corte reconheceu a presença de repercussão geral na discussão acerca do alcance da norma do artigo 37, inciso VII, da Constituição Federal.

48. Como já relatado, no referido julgamento, o Supremo Tribunal Federal, apreciando o tema 531 da repercussão geral, por unanimidade, conheceu em parte do recurso, e, por maioria, na parte conhecida, deu-lhe provimento, fixando a tese nos seguintes termos: "A administração pública deve proceder ao desconto dos dias de paralisação decorrentes do exercício do direito de greve pelos servidores públicos, em virtude da suspensão do vínculo funcional que dela decorre, permitida a compensação em caso de acordo. O desconto será, contudo, incabível se ficar demonstrado que a greve foi provocada por conduta ilícita do Poder Público".

49. A decisão do STF no RE 693.456/RJ, Relator Ministro Dias Toffoli, está devidamente justificada. Os tópicos posteriores, de maneira sucinta, retratam as principais conclusões e os argumentos centrais que compõem as razões de decidir (ratio decidendi) do Tribunal(32).

V.1. A SUSPENSÃO DO CONTRATO DE TRABALHO E SUAS CONSEQUÊNCIAS PARA O SERVIDOR PÚBLICO

50. Ainda que no caso do servidor estatutário não se possa falar tecnicamente em um “contrato de trabalho”, seria possível aplicar os efeitos jurídicos do art. 7º da Lei nº 7.783/89 ao empregado público e ao servidor público (em sentido estrito). Por esse motivo, o desconto referente ao período de paralisação, ainda que caracterize medida de caráter punitivo ou sancionatório, é ônus inerente à greve. Com efeito, embora a paralisação seja lícita, ela implica em consequências jurídicas.

51. No Direito do Trabalho, como já visto, a paralisação dos serviços em decorrência de greve importa na suspensão do contrato de trabalho (art. 7º da Lei no 7.783/89), razão pela qual, não havendo trabalho, independentemente da qualificação jurídica da greve, o empregador não está obrigado a efetuar o pagamento dos valores correspondentes ao período não trabalhado(33). Mutatis mutandis, o exercício do direito de greve pelos servidores públicos acarreta uma espécie de suspensão de seu vínculo funcional e, também por esse motivo, não há direito a receber os valores referentes aos dias não trabalhados.

52. Ao julgar o RE 693.456/RJ, a Corte Suprema considerou, de forma muito acertada, que a adesão à greve leva a um “afastamento” não remunerado do servidor, na medida em que, embora autorizado pela Constituição, não há garantia do pagamento integral da remuneração. Desse modo, “em razão da ausência de prestação específica do serviço por parte do grevista, os descontos devem ser realizados, sob pena de se configurar, como frisado, hipótese de enriquecimento sem causa(34)”.

53. De acordo com o Supremo Tribunal Federal, o desconto não é um empecilho ao efetivo exercício do direito de greve, até porque o servidor público e o empregado público são aqueles que possuem mais condições para seu exercício, seja por sua estabilidade ou efetividade. Os argumentos aptos a justificar a ampliação dos ônus aos servidores públicos, por meio do desconto em sua remuneração, foram assim relacionados pelo Ministro Dias Toffoli, Relator do RE 693.456/RJ:

i) a manutenção do serviço público de forma contínua e eficiente interessa a toda a coletividade;

ii) a estabilidade e efetividade do servidor público também pesam sob o aspecto político e estratégico a favor do servidor;

iii) alguns servidores, por prestarem serviços uti universi, estão menos sujeitos a sofrer cobranças diretas da coletividade para o pronto retorno às suas respectivas atividades.

54. Ao admitir o desconto dos dias paralisados, a jurisprudência não está negando o exercício do direito do servidor público de realizar greve. Muito pelo contrário, no julgamento da referida repercussão geral, o próprio STF ratificou o seu entendimento no sentido de que a participação do servidor público em um movimento paredista não implica a prática de um ilícito. De acordo com a jurisprudência do STF, a mera participação em movimento grevista não é, por si só, justificativa para demissão do servidor, ainda que a participação seja por período superior a trinta dias(35), e nem motivo para gerar a imediata exoneração de servidor público em estágio probatório(36).

55. Contudo, e pelos fundamentos já apresentados, ainda que seja lícita a greve, e mesmo que o direito de greve seja exercido sem abusos, existem ônus e consequências jurídicas para aquele que adere à paralização.

56. Além disso, a situação jurídica de greve no serviço público impõe à Administração Pública deveres e medidas para resguardar o interesse público, até por se tratar o serviço público de atividade de importância fundamental para o Estado, sempre em benefício da sociedade.

V.2. DEVER DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA DE REALIZAR O DESCONTO DOS DIAS DE PARALISAÇÃO

57. A greve é uma opção de risco por parte do trabalhador e a suspensão dos pagamentos constitui um risco inerente ao movimento paredista, nada impedindo, como será mais a frente demonstrado, que as consequências financeiras possam ser objeto de negociação no momento do término do movimento grevista. É curial perceber que o risco existente quanto à suspensão do pagamento pelos dias de greve é um instrumento necessário à ponderação de interesses em choque, a fim de se chegar ao fim da paralisação. O corte de ponto ou sua ameaça são inerentes à situação de greve, sob pena de se criar um desequilíbrio entre os interesses que estão em jogo em toda e qualquer greve(37).

58. A impossibilidade de corte de ponto, no caso de greve, ocorre apenas em situações muito excepcionais. A regra geral deve ser o corte de ponto porque, como visto, a relação de prestação de serviços estará suspensa (ainda que em hipótese de relação jurídica estatutária).

59. Na análise do Recurso Extraordinário 693.456/RJ, o STF ratificou o entendimento anterior quanto as consequências da greve para o servidor público e, na questão do corte de ponto, foi ainda mais específico, enfatizando a existência de um dever da Administração Pública, a qual não pode simplesmente ficar inerte e passiva diante da conduta dos servidores que permanecem em greve.

60. A nenhuma autoridade da Administração Pública foi dada a autorização para permitir ou não alguém exercer seu direito de greve e de abonar previamente as faltas em razão da adesão ao movimento. Em outras palavras, se o corte dos dias paralisados é uma consequência jurídica do movimento grevista, essa medida se impõe como dever, e não como mera faculdade administrativa. Este dever, entretanto, pode ser cumprido com as formas mais convenientes para a continuidade administrativa, como desconto mensal na remuneração, compensação de horas de trabalho e assim por diante.

61. Contudo, por estarmos diante de um dever administrativo, o gestor público não pode, sem qualquer justificativa, e em razão da ausência de prestação de serviço pelo servidor público em decorrência de greve, deixar de cortar o seu ponto, abonando as faltas, ainda que não haja nesse caso, propriamente, falta injustificada ou por abandono do cargo.

62. Salvo determinação judicial em contrário, e em observância ao interesse público, o administrador público possui o dever de tomar as medidas necessárias para que não haja o pagamento ou a restituição dos dias eventualmente pagos para aquele servidor grevista. A omissão quanto a esse dever pode configurar falta grave do gestor porque, como registrado, não existe a faculdade para se abonar toda e qualquer falta. Com efeito, está o servidor público sujeito ao regime estatutário, legalmente positivado e que demanda qualquer alteração de seus fatores, inclusive o remuneratório, pela via legal, em observância ao princípio da legalidade.

63. Quanto ao modo como deve ser operacionalizado o corte de ponto, nos parece que não seria apropriado enfrentar essa questão na presente manifestação. Na medida em que os diferentes órgãos e entidades da Administração Pública Federal possuem mecanismos próprios para aferir falta e, portanto, a implementação do corte de ponto e apuração de eventuais valores que devem ser restituídos em razão da ausência do servidor são questões notadamente casuísticas. Além disso, não passa despercebido o fato de que em um movimento grevista pode ser, de fato, difícil verificar, com segurança, quem realmente estava ausente por vontade própria, até por serem comuns as tentativas de impedir a entrada de servidores em seu local de trabalho.

64. Mas nenhum desses fatores exime o gestor de tomar as medidas que estejam a seu alcance para cumprir seu dever, revelando apenas que deve haver algum grau de discricionariedade para que a Administração Pública, durante o movimento grevista, verifique, nas condições concretas e estruturais de cada órgão ou entidade, a forma e o momento do corte de ponto e de desconto dos dias não trabalhados.

V.3. POSSIBILIDADE DE ACORDO COMO MEDIDA PARA ATENUAR OU MESMO EVITAR O DESCONTO: MEDIDA DISCRICIONÁRIA

65. Ainda no julgamento do RE 693.456, o Supremo Tribunal Federal também reiterou seu entendimento quanto à possibilidade de adoção de soluções autocompositivas em benefício dos servidores grevistas, afirmando que o desconto não seria uma consequência necessária e imprescindível do movimento grevista. Assim, a Corte acenou quanto à possibilidade de o acordo com a Administração prever a compensação dos dias e horas paradas ou mesmo o parcelamento dos descontos como objeto de negociação. Conforme destacou-se no julgamento, essas matérias podem ser tratadas em “convenções com os grevistas, desde que razoáveis e proporcionais, até que advenha a aguardada norma de regência nacional(38)”.

66. Vale destacar que não foram enfrentados no julgamento do RE 693.456 outros aspectos sobre os limites da possibilidade de negociação, durante o movimento grevista, tendo o STF deixado claro que a questão depende de uma solução normativa(39).

67. De toda forma, enquanto não elaborada norma para regulamentar a greve no serviço público, existe a possibilidade de negociação, como deixou claro o STF, para que possa ser realizado acordo para compensação mediante um plano de trabalho a ser desenvolvido pelos grevistas, sem a necessária imposição de desconto dos dias paralisados. Essa possibilidade revele-se de extrema importância, até porque pode ser um fator determinante para a construção do acordo entre os envolvidos.

68. De qualquer modo, a compensação deve ser sempre “analisada na esfera da discricionariedade administrativa(40), não havendo norma que imponha sua obrigatoriedade, ainda que se possa reconhecer que “a negociação sempre será a melhor solução para resolver os efeitos de um movimento paredista, cabendo às partes envolvidas no conflito decidir de que forma serão resolvidos os efeitos da greve, inclusive sobre os demais direitos – remuneratórios ou não - dos servidores públicos civis(41)”.

IV.4. O DESCONTO NÃO DEVE SER FEITO SE A GREVE FOI PROVOCADA POR CONDUTA ILÍCITA DO PODER PÚBLICO.

69. Como já abordado, a greve constitui a suspensão do contrato de trabalho ou da relação funcional do servidor e, portanto, se não existe a realização de serviço, como regra geral, também não deve haver o pagamento de salário pela Administração Pública.

70. Não obstante, como concluiu o STF, o desconto não deve ser realizado se ficar demonstrado que a greve foi provocada por conduta ilícita do Poder Público. Assim, devidamente provocado, o Poder Judiciário pode reconhecer que a greve foi provocada por atitude ilícita da Administração Pública e, constatada essa hipótese, não se produzem algumas das consequências decorrentes da greve. De acordo com essa perspectiva, se a Administração foi a única responsável pela greve, é razoável que tenha um maior ônus em razão do movimento.

71. Essa questão, inclusive, já havia sido enfrentada no julgamento do  MI 670(42), quando, entre outras questões, o STF definiu que  a questão da abusividade do direito de greve, para decisão sobre o pagamento, ou não, dos dias paralisados, deverá ser decidida pelos tribunais, considerando que a greve significa a suspensão do contrato de trabalho, com impossibilidade de pagamento pelos dias não trabalhados, salvo no caso em que a greve tenha sido provocada justamente por atraso no pagamento aos servidores públicos civis, ou por outras situações excepcionais que justifiquem o afastamento da premissa da suspensão do contrato de trabalho.

VI. CONCLUSÕES

72. Estas são as razões pelas quais se assevera que a Administração Pública Federal deve observar, respeitar e dar efetivo cumprimento à decisão do Supremo, no julgamento do Recurso Extraordinário n. 778.889/PE, Relator Ministro Dias Toffoli. Em razão dessa decisão e dos fundamentos apresentados neste parecer, encaminhamos as seguintes conclusões:

1. A Administração Pública Federal deve proceder ao desconto dos dias de paralisação decorrentes do exercício do direito de greve pelos servidores públicos, em virtude da suspensão do vínculo funcional que dela decorre.

2. O desconto não deve ser feito se ficar demonstrado que a greve foi provocada por conduta ilícita da Administração Pública Federal, conforme situação de abusividade reconhecida pelo Poder Judiciário.

3. O corte de ponto é um dever, e não uma faculdade, da Administração Pública Federal, que não pode simplesmente ficar inerte quando diante de situação de greve.

4. A Administração Pública Federal possui a faculdade de firmar acordo para, em vez de realizar o desconto, permitir a compensação das horas não trabalhadas pelos servidores.

73. Em caso de acolhimento das presentes conclusões, este parecer poderá ser submetido à aprovação do Presidente da República, e uma vez publicado juntamente com o despacho presidencial, deverá vincular a Administração Pública Federal, cujos órgãos e entidades ficarão obrigados a lhe dar fiel cumprimento (artigos 40 e 41 da Lei Complementar n. 73/1993).

À consideração superior.

Brasília, 30 de novembro de 2016.

RODRIGO PEREIRA MARTINS RIBEIRO
Consultor da União

 ANDRÉ RUFINO DO VALE

Consultor da União

 

MARCELO AUGUSTO CARMO DE VASCONCELLOS

Consultor-Geral da União

(1) No caso concreto, o recurso extraordinário foi interposto contra acórdão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ), o qual determinou à Fundação de Apoio à Escola Técnica do Estado do Rio de Janeiro (Faetec) que se abstivesse de efetuar desconto em folha de pagamento dos trabalhadores em decorrência de greve realizada entre março e maio de 2006. Em seus argumentos apresentados junto ao STF, a fundação alegou que o exercício do direito de greve por parte dos servidores públicos implicaria necessariamente o desconto dos dias não trabalhados. No caso, o recurso da Faetec foi parcialmente conhecido e, nesta parte, provido.

(2) Lei Complementar n. 73/1993: “Art. 40. Os pareceres do Advogado-Geral da União são por este submetidos à aprovação do Presidente da República. § 1º O parecer aprovado e publicado juntamente com o despacho presidencial vincula a Administração Federal, cujos órgãos e entidades ficam obrigados a lhe dar fiel cumprimento. (...) Art. 41. Consideram-se, igualmente, pareceres do Advogado-Geral da União, para os efeitos do artigo anterior, aqueles que, emitidos pela Consultoria-Geral da União, sejam por ele aprovados e submetidos ao Presidente da República”.

(3) SUMMERS, Robert S.. Two Types of Sustantive Reasons: The Core of A Theory of Common Law Justification. In: Cornell Law Review, nº 63, 1978, p. 730. PECZENIK, Aleksander. On Law and Reason. Springer, Law and Philosophy Library 8; 2009, p. 259.

(4) ATIENZA, Manuel. O argumento de autoridade no Direito. Trad. de André Rufino do Vale. Revista NEJ, Vol. 17 - n. 2 - p. 144-160 / mai-ago 2012.

(5) HART, Herbert L.A.. Commands and Authotitative Legal Reasons. In: Essays on Bentham. Jurisprudence and Political Theory. Clarendon Press: Oxford, 1982.

(6) SCHAUER, Frederick. Authority and Authorities. In: Virginia Law Review, vol. 94, 2008, pp. 1931-1961.

(7) WALDRON, Jeremy. Stare Decisis and the Rule of Law: A Layered Approach. (First Draft, August 2011), October 11, 2011, NYU School of Law, Public Law Research Paper No. 11-75.

(8) A Constituição de 1824 não adotou qualquer mecanismo de controle jurisdicional de constitucionalidade.

(9) Arts. 59, § 1º, “a” e “b” e 60, “a” da Constituição de 1891.

(10) Constituição de 1934, Artigo 91, IV: “Compete ao Senado Federal: (...) IV – suspender a execução, no todo ou em parte, de qualquer lei ou ato, deliberação ou regulamento, quando hajam sido declarados inconstitucionais pelo Poder Judiciário”.

(11) O dispositivo foi reiterado nos textos de 1946 (art. 64), de 1967/1969 (art. 42, VII) e de 1988 (art. 52, X).

(12) BROSSARD, Paulo. O Senado e as leis inconstitucionais, Revista de Informação Legislativa, 13(50):61.

(13)  BARROSO, Luís Roberto. O Controle de Constitucionalidade no Direito Brasileiro, p. 63.

(14)  Prevista no art. 101, I, “k”, da Carta de 1946, com a redação que lhe foi dada pelo art. 2º da Emenda Constitucional 16 de 26 d novembro de 1965. Também por via da EC n. 16/65 autorizou-se os Estados-membros a instituir o controle de constitucionalidade, em via principal e concentrada, das leis munici­pais, conforme a redação dada pela Emenda ao art. 124, XIII.

(15) Especificamente no que concerne ao mecanismo denominado de repercussão geral, a Emenda Constitucional nº 45/2004 acrescentou uma alínea ao art. 102, III da CRFB/88 e também um novo parágrafo 3º ao artigo, o qual passou a submeter a admissibilidade do recurso extraordinário a um novo requisito, qual seja a “repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso”. Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe: (...) III - julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última instância, quando a decisão recorrida: a) contrariar dispositivo desta Constituição; b) declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal; c) julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face desta Constituição. d) julgar válida lei local contestada em face de lei federal. (alínea “d” incluída pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004). (...). § 3º No recurso extraordinário o recorrente deverá demonstrar a repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso, nos termos da lei, a fim de que o Tribunal examine a admissão do recurso, somente podendo recusá-lo pela manifestação de dois terços de seus membros. (parágrafo 3º incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004).”.

(16) É conhecida e amplamente difundida a tese segundo a qual a disposição presente no art. 52, X, da Constituição, teria passado ao longo das últimas décadas por um processo de mutação constitucional e que atualmente teria seu sentido normativo restrito à efetivação da publicidade, com caráter geral, da declaração de inconstitucionalidade já proferida pelo STF com inerentes efeitos erga omnes, estes já naturalmente decorrentes do próprio modelo atual de controle misto da constitucionalidade existente no Brasil, que por suas próprias características confere poderes à Corte Constitucional para fixar, com evidente força normativa e impacto generalizado nas instituições e em toda a sociedade, a interpretação da Constituição (MENDES, Gilmar Ferreira. O papel do Senado Federal no controle de constitucionalidade: um caso clássico de mutação constitucional. In: Revista de Informação Legislativa, Brasília a. 41 n. 162 abr./jun. 2004). Não obstante, foi o próprio STF que, no julgamento da Reclamação n. 4.335, rejeitou a necessidade de uma releitura do papel do Senado no controle difuso de constitucionalidade, mantendo, portanto, sua competência exclusiva para decidir, em âmbito político de conveniência e oportunidade, sobre os efeitos erga omnes da decisão de inconstitucionalidade em concreto proferida pelo STF (Na RCL n. 4.335, o STF discutiu sobre a possibilidade de a decisão de inconstitucionalidade proferida no Habeas Corpus 82.959, em sede de controle difuso, poderia revestir-se de eficácia erga omnes independentemente da resolução do Senado Federal).

(17)  Há muito o Supremo Tribunal Federal entende que o Senado não está obrigado a proceder à suspensão do ato declarado inconstitucional (MS 16.512, Rel. Min. Oswaldo Trigueiro, DJ de 25.05.1966).  Assim ensinava o Ministro Victor Nunes: “(...) o Senado terá seu próprio critério de conveniência e oportunidade para praticar o ato de suspensão.  Se uma questão foi aqui decidida por maioria escassa e novos Ministros são nomeados, como há pouco aconteceu, é de todo razoável que o Senado aguarde novo pronunciamento antes de suspender a lei.  Mesmo porque não há sanção específica nem prazo certo para o Senado se manifestar”.

(18)  SÜSSEKIND, Arnaldo. Direito Constitucional do Trabalho. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 447.

(19) SILVA, Homero Batista Mateus da. Curso de Direito do Trabalho Aplicado: direito coletivo do trabalho. São Paulo: Elsevier, 2010. vol. 7, p. 255

(20) O Dec.-lei 1.632/1978 vedava a greve no serviço público e nas atividades essenciais por meio de rol que enumerava, tratando o assunto como de segurança nacional, com responsabilização trabalhista e criminal.

(21)  SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 17.ª ed. São Paulo: Malheiros, 2000.

(22)  Nesse sentido: MENDES, Gilmar Ferreira; GONET BRANCO, Paulo Gustavo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2015. p. 1234.

(23)  MI nº 712/PA, Tribunal Pleno, Relator o Ministro Eros Grau, DJe de 31/10/08

(24)  Rcl 6.568, Rei. Min. Eros Grau, j. 20.05.2009, Plenário, DJE de 25.09.2009.

(25)  Ademais, como visto, na Administração Pública, impera o princípio da supremacia do interesse público, princípio geral do direito administrativo e, consequentemente, o princípio da continuidade do serviço público, que implica que os serviços públicos não podem ser prejudicados, interrompidos ou paralisados, devendo-se, assim, haver um fluxo de continuidade, e, também, o dever inescusável do Estado em prestá-lo.

(26)  “O preceito constitucional que reconheceu o direito de greve ao servidor público civil constitui norma de eficácia meramente limitada, desprovida, em consequência, de autoaplicabilidade, razão pela qual, para atuar plenamente, depende da edição da lei complementar exigida pelo próprio texto da Constituição. A mera outorga constitucional do direito de greve ao servidor público civil não basta – ante a ausência de autoaplicabilidade da norma constante do art. 37, VII, da Constituição – para justificar o seu imediato exercício. O exercício do direito público subjetivo de greve outorgado aos servidores civis só se revelará possível depois da edição da lei complementar reclamada pela Carta Política. A lei complementar referida – que vai definir os termos e os limites do exercício do direito de greve no serviço público – constitui requisito de aplicabilidade e de operatividade da norma inscrita no art. 37, VII, do texto constitucional. Essa situação de lacuna técnica, precisamente por inviabilizar o exercício do direito de greve, justifica a utilização e o deferimento do mandado de injunção. A inércia estatal configura-se, objetivamente, quando o excessivo e irrazoável retardamento na efetivação da prestação legislativa – não obstante a ausência, na Constituição, de prazo pré-fixado para a edição da necessária norma regulamentadora – vem a comprometer e a nulificar a situação subjetiva de vantagem criada pelo texto constitucional em favor dos seus beneficiários” (MI 20, Plenário, j. 19.05.1994, rel. Min. Celso de Mello, DJ 22.11.1996.)

(27)  STF, MI 670, Rel. Min . Maurício Corrêa, Redator para acórdão Gilmar Mendes; STF, MI 708, Rel. Min. Gilmar Mendes, e STF, MI 712, Rel. Min. Eros Grau.

(28)  RO n. 45500-42.2013.5.17.0000, Relatora a Ministra Kátia Magalhães Arruda, Seção Especializada em Dissídios Coletivos, DEJT 21/11/14 e RO n. 1000738-04.2014.5.02.0000, Relator o Ministro Maurício Godinho Delgado, Seção Especializada em Dissídios Coletivos, DEJT 14/11/14.

(29) AI nº 824.949/RTJ-AgR, Primeira Turma, Relator o Ministro Ricardo Lewandowski, DJe de 6/9/11.

(30)  Vide, ainda, o RE nº 456.530/SC-ED, Segunda Turma, Relator o Ministro Joaquim Barbosa, DJe de 1º/2/11. RE nº 539.042, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJe de 18/2/10; RE nº 551.549/SP, Segunda Turma, Relatora a Ministra Ellen Gracie, DJe de 13/6/11; RE nº 399.338/PR, Primeira Turma, Relatora a Ministra Cármen Lúcia, DJe de 24/2/11, RMS nº 30.939, Rel. Min. Celso de Mello, julgado em 21/8/14; Rcl. nº11.536, Relatora a Ministra Cármen Lúcia, julgado em 13/3/14. No julgamento da medida liminar da Reclamação Constitucional n. 6.200-0/RN, por exemplo, a Presidência do Supremo Tribunal Federal, ao deferir parcialmente o pedido da União Federal, reforçou o entendimento dos efeitos erga omnes decorrentes da dimensão objetiva das decisões proferidas nos Mandados de Injunção n. 670/ES, 708 / DF e 712 / PA (para sua aplicação direta em casos semelhantes em que se discuta o exercício do direito de greve pelos servidores públicos).

(31)  STJ, ROMS nº 2873/SC, 6ª Turma, Relator Ministro Vicente Leal, DJ de 19/8/96. Outros inúmeros julgados do STJ afirmam a possibilidade do desconto: Ag nº 1.373.177, Rel. Min. Castro Meira, DJe de 14/02/13; MS nº 15.272/DF, Rel. Min. Eliana Calmon, Primeira Seção, DJe de 07/02/11; Pet. nº 7.920/DF, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, Primeira Seção, DJe de 07/02/11; AgRg no REsp nº 1.173.117/RS, Rel. Min. Laurita Vaz, Quinta Turma, DJe 13/09/10; AgRg no RMS nº 22.715/SP, Rel. Min. Jorge Mussi, Quinta Turma, DJe 30/08/10; AgRg no AREsp nº 5.351/SP, Rel. Min. Benedito Gonçalves, Primeira Turma, DJe de 29/06/11; e AREsp nº 132.109, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJe de 3/4/12; e MS nº 26.517-SP, Min. Eliana Calmon, DJe de 23/6/08.

(32)  Conforme voto do relator Min. Dias Toffoli disponibilizado no site do Supremo Tribunal Federal. Disponível em http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/RE693456.pdf. Acesso em 30/11/2016.

(33)  TST, RO no 198-91.2011.5.05.0000, Relator o Ministro Fernando Eizo Ono, Seção Especializada em Dissídios Coletivos, DEJT 21/11/2014

(34)  Conforme voto do relator Min. Dias Toffoli disponibilizado no site do Supremo Tribunal Federal. Disponível em http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/RE693456.pdf. Acesso em 30/11/2016.

(35)  RE nº 226.966/RS, Primeira Turma, Relatora para acórdão a Ministra Cármen Lúcia, DJe de 21/8/09

(36)  ADI nº 3.235, Relator Min. Gilmar Mendes, DJe de 12/03/10.

(37)  Conforme acórdão do MI 670, que trata do corte do ponto: “Considerados os parâmetros acima delineados, a par da competência para o dissídio de greve em si, no qual se discuta a abusividade, ou não, da greve, os referidos tribunais, nos âmbitos de sua jurisdição, serão competentes para decidir acerca do mérito do pagamento, ou não, dos dias de paralisação em consonância com a excepcionalidade de que esse juízo se reveste. Nesse contexto, nos termos do art. 7o da Lei no 7.783/1989, a deflagração da greve, em princípio, corresponde à suspensão do contrato de trabalho. Como regra geral, portanto, os salários dos dias de paralisação não deverão ser pagos, salvo no caso em que a greve tenha sido provocada justamente por atraso no pagamento aos servidores públicos civis, ou por outras situações excepcionais que justifiquem o afastamento da premissa da suspensão do contrato de trabalho (art. 7o da Lei no 7.783/1989, in fine)”.

(38)  Conforme voto do relator Min. Dias Toffoli disponibilizado no site do Supremo Tribunal Federal. Disponível em http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/RE693456.pdf. Acesso em 21/11/2016.

(39)  Em 2010, o Brasil tornou-se signatário da Convenção 151 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), aprovada pelo Dec. 7.944/2013, que promulgou a Convenção 151 e a Recomendação 159 da Organização Internacional do Trabalho sobre as Relações de Trabalho na Administração Pública, firmadas em 1978, por meio da qual se compromete a assegurar o direito dos empregados e servidores públicos à negociação coletiva. A matéria, todavia, ainda depende de tratamento normativo.

(40)  Decisão monocrática do Ministro Dias Toffoli no MS no 28.515-MC/DF, em 17/12/09.

(41)  Conforme voto do relator Min. Dias Toffoli disponibilizado no site do Supremo Tribunal Federal. Disponível em http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/RE693456.pdf. Acesso em 30/11/2016.

(42)  STF, MI 670, Rel. Min. Maurício Corrêa, Redator para acórdão Gilmar Mendes.

Este texto não substitui o publicado no DOU de 13.12.2016 e retificado em 15.12.2016.