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Presidência da República
Casa Civil
Subchefia para Assuntos Jurídicos

DECRETO Nº 92.688, DE 19 DE MAIO DE 1986.

Revogado pelo Decreto de 5.9.1991

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Declara a área rural do Estado de São Paulo como zona prioritária para efeito de execução e administração da reforma agrária, e dá outras providências.

O   PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no uso das atribuições que lhe conferem os artigos 81, item III, e 161, da Constituição, e tendo em vista o disposto na Lei nº 4.504, de 30 de novembro de 1964,

DECRETA:

Art. 1º Fica declarada como zona prioritária, pelo prazo de cinco anos, para efeito de execução e administração da reforma agrária, a área rural do Estado de São Paulo.

Art. 2º As desapropriações somente poderão recair sobre latifúndios, como tal conceituados em lei, ou imóveis rurais cuja forma de exploração contrarie o interesse social.

Art. 3º A quantidade de áreas a serem desapropriadas não ultrapassará a prevista no Plano Regional de Reforma Agrária, anexo a este Decreto.

Parágrafo único. Para os fins do artigo 161 da Constituição, somente por decreto do Poder Executivo será declarado de interesse social o imóvel rural que se encontrar na zona prioritária.

Art. 4º Fica instituída a Comissão Agrária no Estado de São Paulo integrada pelos seguintes membros a serem designados pelo Ministro da Reforma e do Desenvolvimento Agrário:

I - um servidor do INCRA, que a presidirá;

II - três representantes dos trabalhadores rurais;

III - três representantes dos proprietários rurais;

IV - um representante de entidade pública vinculada à agricultura; e

V - um representante de estabelecimento de ensino agrícola.

Parágrafo único. Os membros a que se referem os itens I, IV e V serão indicados pelo Presidente do INCRA; os demais serão indicados, respectivamente, pela Federação dos Trabalhadores na Agricultura e pela Federação da Agricultura, com base territorial no Estado.

Art. 5º Este Decreto entrará em vigor na data de sua publicação.

Art. 6º Revogam-se as disposições em contrário.

Brasília, 19 de maio de 1986; 165º da Independência e 98º da República.

JOSÉ SARNEY
Nelson Ribeiro

Este texto não substitui o publicado no DOU 21.5.1986

PLANO REGIONAL DE REFORMA AGRÁRIA (PRRA) DO ESTADO DE SÃO PAULO

I. JUSTIFICATIVA

O Plano Regional de Reforma Agrária do Estado de São Paulo (PRRA-SP) foi preparado sob responsabilidade da Diretoria Regional do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária. A metodologia de elaborarão norteou-se por três princípios básicos: perfeita adequação às diretrizes traçadas no Plano Nacional de Reforma Agrária (PNRA), estrito cumprimento da Constituição, Estatuto da Terra e legislação agrária vigente e caráter eminentemente técnico, representado pelos parâmetros agronômicos e sócio-econômicos adotados.

No processo de elaboração do PRRA-SP a Diretoria Regional do INCRA contou com ativa participação de instituições estaduais com experiência em ações de assentamento de trabalhadores sem terra no Estado, com o a Secretaria Executiva de Assuntos Fundiários e a CESP - Centrais Elétricas do Estado de São Paulo, bem como entidades de pesquisa e assistência técnica vinculadas à Secretaria de Agricultura e Abastecimento. Sua execução requer ampla integração interinstitucional, primeiro pressuposto de eficácia da ação governamental no setor fundiário.

A agricultura paulista está longo de aproveitar intensivamente os recursos naturais e humanos de que dispõe, apesar do dinâmico desempenho que apresentou nas últimas décadas. Existe grande potencial de crescimento tanto no que se refere à produção de alimentos e matérias-primas quanto à geração de novas oportunidades de trabalho.

Para que tal potencial seja liberado é necessário que os recursos fundiários hoje objeto de atividades inadequadas a sua vocação, e muitas vezes mantidos como mera reserva de valor, venham a ser usados racionalmente e cumpram sua função social. Também é necessário que se procure tirar maior proveito dos recursos hídricos, principalmente nas áreas de influência de grandes obras públicas como as barragens e a hidrovia Tietê-Paraná.

São Paulo dispõe de extensas áreas de terras de boa qualidade e clima favorável utilizadas com pastagens ultra-extensivas, incompatíveis com os benefícios trazidos por grandes investimentos públicos que contribuíram para que o Estado contasse com boa infra-estrutura produtiva e adequado sistema de pesquisa e assistência técnica. Ao mesmo tempo, a irrigação de áreas férteis às margens de rios e barragens, desde que acompanhada da redistribuição das terras que valorizaram, poderá ensejar ponderável e rápido aumento da produção, do emprego e de todos os benefícios sociais daí decorrentes.

Sanados os problemas fundiários que atrofiam o desenvolvimento de algumas regiões, o Estado de São Paulo poderá acelerar ainda mais o crescimento e a modernização de sua agricultura, atendendo plenamente aos objetivos fixados pelo Plano Nacional de Reforma Agrária.

Uma das maiores distorções no aproveitamento dos recursos naturais do Estado é aquilatada quando se compara o potencial de uso dos solos paulistas com a sua utilização atual. A tabela 1 apresenta esses dados por região, considerando apenas as áreas mais aptas para culturas (as que suportam culturas temporárias) e as que estão sendo cultivadas, inclusive com lavouras perenes. Observa-se assim que há diferença de 4,4 milhões de hectares, boa parte dos quais terras de boa qualidade que abrigam pastagens ultra-extensivas, nas quais a atividade criatória mal consegue disfarçar fim especulativo. Trata-se muitas vezes, com efeito, de terras estocadas como reserva de valor e mantidas em estado de semi-ociosidade.

A confiabilidade desses dados pode ser comprovada através da utilização de terras menos aptas para culturas, verificada pelo balanço negativo nas regiões de São Paulo-Litoral, Vale do Paraíba e Campinas.

Esta tendência está estreitamente relacionada ao tamanho dos estabelecimentos, pois quanto maior a área total, menor a percentagem utilizada com culturas. A tabela 2 mostra que os estabelecimentos com mais de 1.000 hectares cultivam apenas 19% de sua área. No estrato de área superior a 3.000 hectares essa proporção cai ainda mais, situando-se em 10%.

TABELA 1

São Paulo: Comparação entre áreas mais aptas e as cultivadas com lavouras, por regiões (1980)

(1 mil ha)

Regiões

Áreas mais aptas para lavouras (1) (*)

Áreas cultivadas com lavouras (2) (**)

Diferença (1) - (2)

São José do Rio Preto

2.096

757

1.339

Sorocaba

1.608

682

926

Presidente Prudente

1.069

395

674

Marília

1.192

571

621

Araçatuba

723

323

400

Ribeirão Preto

2.050

1.655

395

Bauru

801

423

378

São Paulo - Litoral

96

183

-87

Vale do Paraíba

4

98

-94

Campinas

731

848

-117

ESTADO

10.370

5.935

4.435

(*) Foram consideradas áreas mais aptas para lavouras aquelas de capacidade de uso das

     classes I, II, III, IIIA, IIIs e 50% das da classe III-IV.

Fonte: Instituto Agronômico de Campinas, Secretaria de Agricultura e Abastecimento (1972).

(**) Considerou-se o total das áreas com lavouras permanentes e temporárias.

Fonte: FIBGE, Censo Agropecuário (1980).

A prática de pecuária extensiva em terras de boa qualidade é uma distorção que se revela mais patente quando se tem em conta os impactos sobre a ocupação da mão-de-obra. Para o conjunto do Estado a atividade agrícola absorve 3 vezes mais mão-de-obra que a pecuária, apesar de ocupar área duas vezes menor. Ou seja, a substituição de pastagens extensivas por lavouras tende a gerar 6 vezes mais oportunidades de trabalho por unidade de área.

TABELA 2

São Paulo: Participação da área cultivada com lavouras na área total dos estabelecimentos, por estratos de área

(1980)

(1 mil ha)

Estratos de área

Área total dos estabelecimentos

Áreas cultivada com lavouras

%

menos de 10

482

339

70

10 a 20

745

428

57

20 a 50

1.918

832

43

50 a 100

2.053

732

36

100 a 200

2.504

783

31

200 a 500

3.872

1.063

27

500 a 1.000

2.790

671

24

mais de 1.000

5.796

1.087

19

TOTAIS

20.160

5.935

29

Fonte: FIBGE, Censo Agropecuário (1980).

No entanto, a tendência à manutenção de terras de boa qualidade na atividade pastorial tem sido responsável por desperdício de recursos humanos e conseqüente êxodo rural. Em regiões onde predomina a pecuária extensiva, as quedas de pessoal ocupado registradas na década de 70 pelos censos agropecuários, chegaram a mais de 30%, enquanto nas regiões predominantemente agrícolas o pessoal ocupado aumentou mais de 10%. Levantamentos mais precisos realizados pelo Instituto de Economia Agrícola da Secretaria de Agricultura e Abastecimento mostram que, do final da década de 60 ao início da de 80, a utilização anual de mão-de-obra decresceu no oeste paulista cerca de 16 milhões de dias/ homem, enquanto no restante do Estado cresceu 23 milhões.

TABELA 3

São Paulo: Estimativa de utilização de mão-de-obra na agropecuária, por regiões

(1968-70 e 1980-82)

(1 mil dias/homem)

Regiões

1968-70

1980-82

Variação

Presidente Prudente

33.645

22.777

-10.868

Araçatuba

15.824

12.735

-3.089

Marília

24.357

22.326

-2.031

São José do Rio Preto

38.467

36.997

-1.470

Vale do Paraíba

7.246

5.975

-1.271

São Paulo - Litoral

8.983

9.130

+147

Bauru

14.642

16.306

+1.664

Sorocaba

24.639

27.095

+2.456

Campinas

26.855

34.682

+7.827

Ribeirão Preto

34.807

48.808

+14.001

ESTADO

229.465

236.831

+7.366

Fonte: Instituto de Economia Agrícola, Secretaria de Agricultura e Abastecimento.

Existem também no Estado mais de um milhão de hectares de terras agricultáveis que não estão sendo utilizadas com culturas, pastagens ou florestas. O levantamento mais objetivo destas informações - a cobertura aerofotogramétrica do Estado - revela a existência de 4,8 milhões de hectares de terras "sem ocupação agropecuária ou florestal definida". A parte desse total que corresponde a terras potencialmente agricultáveis supera 1 milhão de hectares e está mais concentrada na região Sudeste.

Sabe-se ademais que metade das áreas completamente ociosas mas aproveitáveis do Estado situam-se em imóveis com área total superior a 500 hectares, conforme indicações tanto do Censo Agropecuário quanto do Cadastro de Imóveis Rurais.

Verifica-se, portanto, que boa parte das terras aptas à agricultura do Estado de São Paulo não está cumprindo a sua função social. Muitos proprietários visam apenas, ou principalmente, à valorização fundiária que decorre de grande obras públicas ou do influxo indireto de outras atividades da iniciativa privada. Mantendo terras inativas ou mal-aproveitadas esses proprietários vedam o acesso dos trabalhadores rurais ao meio de que necessitam para viver e produzir, dificultando o progresso do Estado e da Nação.

Assim, a aplicação do Plano Nacional de Reforma Agrária no Estado de São Paulo é tão necessária quanto oportuna, pois permitirá à agricultura paulista manter e aprofundar seu dinamismo atendendo, ao mesmo tempo, aos princípios de justiça social.

Ressalte-se que não se tem em mente considerar como parâmetro absoluto de uso racional da terra a transformação de pastagens em lavouras anuais. A pecuária ocupa e deve continuar ocupando lugar de destaque no meio rural paulista e brasileiro, e as iniciativas de reforma agrária não pretendem contrariar esse dado. O que se torna indispensável, como se depreende das informações aqui apresentadas, é corrigir o desperdício de recursos (fundiários, humanos, financeiros) representado pela excessiva destinação ao criatório (e criatório extensivo, que na verdade deixa a terra semi-ociosa) de áreas nobres, que se prestam a culturas anuais e, mais que isso, são vitais para a consecução dos objetivos de desenvolvimento econômico e justiça social no campo.

Ademais disso há, como se referiu, grandes extensões em que a ociosidade nem mesmo se tenta mascarar com introdução de criação bovina extensiva.

II. OBJETIVOS E METAS

É objetivo geral deste PRRA promover melhor distribuição da terra, mediante modificações no regime de sua posse e uso, de modo a permitir o incremento da produção e produtividade, atendendo aos princípios de justiça social e ao direito de cidadania do trabalhador rural. Assim a estrutura agrária, através da eliminação progressiva do latifúndio e do minifúndio, adequar-se-á às exigências de desenvolvimento do país.

São seus objetivos específicos:

a) melhor distribuir os benefícios sociais proporcionados pelas inversões públicas direta ou indiretamente relacionadas com o desenvolvimento do setor rural;

b) aumentar a oferta de alimentos e matérias-primas, visando atender prioritariamente ao mercado interno;

c) utilizar mais eficazmente as terras férteis, próximas dos grandes mercados, hoje subutilizadas em grande parte com pastagens ultra-extensivas;

d) criar novos empregos no setor rural, de forma a ampliar o mercado de trabalho e diminuir a subutilização da mão-de-obra;

e) diminuir o êxodo rural, atenuando a pressão populacional sobre as áreas urbanas e os problemas dela decorrentes;

f) promover a paz social no meio rural, mediante erradicação dos focos de tensão,

O PNRA fixou como meta para o Estado de São Paulo o assentamento de 106.900 famílias até o ano de 1989, das quais 11.400 famílias em 1986.

III. ÁREA ZONA PRIORITÁRIA E ÁREAS DE AÇÃO

O § 2º do artigo 161 da Constituição Federal e o inciso I do artigo 34 da Lei nº 4.504, de 30 de novembro de 1964 (Estatuto da Terra) determinam sejam delimitadas zonas ou áreas prioritárias para fins de reforma agrária.

Tendo em conta a gravidade e dimensão dos problemas gerados peIa estrutura de posse e uso da terra - os quais tenderão a assumir caráter ainda mais agudo se medidas concretas não forem adotadas pelo poder público -, considera-se zona prioritária para reforma agrária toda a extensão territorial rural do Estado.

Atingirão cerca de 250.000 hectares as áreas a serem desapropriadas no Estado para atender às metas fixadas para 1986. As áreas de ação e a localização das áreas desapropriáveis são determinadas em consonância com as diretrizes do Plano Nacional de Reforma Agrária, aprovado pelo Decreto nº 91.766, de 10 de outubro de 1985.

IV. PROGRAMAS DE AÇÃO

O processo de execução da reforma agrária consubstanciar-se-á mediante conjunto de programas com funções e graus hierárquicos diferentes, mas que apresentam complementaridade e interdependência.

A ação do Estado circunscrever-se-á à aplicação de medidas previstas no Estatuto da Terra, como o uso dos instrumentos legais e ações de política agrícola necessárias para melhorar as condições de vida dos beneficiários.

Como estratégia de ação governamental, o Plano Nacional de Reforma Agrária preconiza participação solidária, em termos decisórios, dos governos federal, estadual e municipal. Uma ampla integração interinstitucional impõe-se como primeiro pressuposto de eficácia, redundando em nível adequado de comprometimento que engloba não só a participação orçamentária, mas também concepção e execução de serviços de apoio necessários à consolidação do processo. Tal integração é indispensável sobretudo no trabalho de implementação dos projetos específicos, na medida em que serão exigidas ações complementares e coordenadas que possam assegurar a realização econômica, política e social dos novos agricultores.

O Estatuto da Terra, inclusive, prevê essa ação conjunta quando estabelece "prioridade absoluta para atuação dos órgãos e serviços federais já existentes nas áreas escolhidas", o que quer dizer que os locais em que se desenvolverem projetos de reforma agrária serão, necessariamente, espaço catalizador do conjunto de ações governamentais relacionadas com a mudança da estrutura fundiária.

A execução da reforma agrária, contudo, bem como a desapropriação de imóveis rurais para fins que impliquem modificação de seu uso e posse, constituem matéria de competência da União. Prevê-se, pois, articulação nos projetos específicos de assentamento, que se traduzirá no estabelecimento de acordos e convênio que viabilizem ou agilizem sua implementação; entre outros os sistemas estaduais e locais de infra-estrutura de produção e de comercialização, educação, saúde empreenderão esforço conjunto com os órgãos federais.

Nesses termos, os projetos de assentamento de trabalhadores rurais no Estado de São Paulo serão coordenados pelo INCRA e executados, mediante convênio, com a Secretaria Especial de Assuntos Fundiários, que dispõe de equipe técnica com vários anos de experiência no assentamento em terras públicas estaduais.

A União deve propiciar apoio aos programas estaduais de aproveitamento de terras públicas e às ações de regularização fundiária, de modo a evitar superposições e desperdícios de recursos.

4.1 -- Programa Básico: Assentamento de Trabalhadores Rurais

A Reforma Agrária está voltada para o assentamento dos excedentes populacionais e pretende, ao mesmo tempo, reverter a tendência de remanejamento de populações para justificar abertura de novas fronteiras agrícolas e ocupação do território nacional em continuada ação paternalista do Estado.

Implica, pois, não desagregar a família do trabalhador rural, tirando-a do seu meio, da sua cultura, removendo-a para locais longínquos, como já se fez anteriormente com gravíssimos, dramáticos efeitos.

A concepção do programa de Assentamento de Trabalhadores Rurais leva isso em conta, prevendo ademais, em todos os níveis e fases, participação direta, dos beneficiários, em particular no que se refere às decisões sobre as formas de posse e uso da terra.

Suas diretrizes básicas são listadas a seguir:

a) garantia de rápido acesso à terra após imissão de posse nas áreas desapropriadas, mediante processo seletivo expedito;

b) utilização, sempre que conveniente, do instituto da concessão de uso como forma temporária e experimental de acesso à terra nos projetos de assentamento, até que se defina maneira definitiva de sua apropriação;

c) na medida do possível, nas terras já ocupadas ou com ocupação rarefeita, respeito às situações existentes, desde que não caracterizem privilégio em relação às demais;

d) orientação das ações para a implantação, desenvolvimento e consolidação do Programa mediante organização sócio-econômica dos beneficiários e atendimento dos serviços básicos de assistência técnica, crédito rural, infra-estrutura econômica e social, entre outros;

e) promoção de ações que objetivem capacitar os beneficiários através de processo de reflexão participativa que envolva, também, o pessoal técnico e administrativo das instituições governamentais que atuarão na área de assentamento.

Essas diretrizes gerais já estão sendo em boa parte aplicadas pela Secretaria Especial de Assuntos Fundiários, incumbida de executar os assentamentos, envolvendo interação de técnicos e beneficiários nas fases de planejamento, seleção de beneficiários, gestão dos empreendimentos, formas de transferência e exploração das terras. Enfim, toda uma filosofia de ampliação da participação dos beneficiários no processo de assentamento.

Se, para atingir os objetivos dos projetos, os beneficiários precisarão participar de todas as suas fases, parece óbvio que deverão também participar das decisões quanto às modalidades de transferências das terras.

Este princípio não pode, porém, ser aplicado no vazio, mas em função de uma realidade concreta. E esta realidade mostra que, em decorrência de secular processo de marginalização econômica e cultural, muitos trabalhadores rurais não dispõem, atualmente, de informações adequadas para escolher com pleno conhecimento de causa.

Coloca-se, desse modo, a questão seguinte: ou a administração pública substitui-se à consciência dos próprios trabalhadores e define unilateralmente a forma de transferência das terras, ou delega essa definição aos beneficiários; no primeiro caso, além de reduzir a participação, corre-se risco de que a modalidade definida de modo unilateral e tecnocrático choque-se com as aspirações e possibilidades concretas dos beneficiários; no segundo, é provável que estereótipos culturais e até manipulação de terceiros determinem modalidades de transferência econômica e socialmente incompatíveis com os objetivos de progresso econômico e desenvolvimento social; em ambos os casos frustrar-se-iam os objetivos básicos do programa.

Para fugir ao dilema a transferência das terras deverá dar-se em duas etapas. Na primeira, com duração prevista de 5 anos as terras serão cedidas, mediante concessão de uso, preferencialmente a grupos de trabalhadores rurais que se organizem voluntariamente em algum tipo de associação (sociedade civil ou cooperativa). Na segunda, as terras serão transferidas aos beneficiários em caráter permanente, através de alienação e na modalidade que democraticamente decidirem.

Tais diretrizes permitem definir, com bastante clareza, as funções de administração nos projetos de assentamento. Trata-se, essencialmente, de proporcionar estímulo econômico e apoio técnico às associações de trabalhadores rurais que vierem a formar-se para explorar as terras, sem contudo substituir a iniciativa desses trabalhadores e reduzi-los à condição de assalariados de empresa estatal.

Assim, o INCRA e a Secretaria Especial de Assuntos Fundiários de São Paulo negociarão com os representantes do grupo associado (comissão de representantes), só excepcionalmente envolvendo-se com o conjunto de seus integrantes (quando, por exemplo, trata-se de decidir sobre investimento importante) e com os sócios individualmente.

A determinação da forma de organizar o trabalho no interior de cada grupo (parcelas individuais, exploração conjunta etc.) e a operação financeira da sociedade (compras, vendas, contabilidade, remuneração do trabalho etc.) serão supervisionadas e orientadas pelo INCRA, mas estarão entregues à deliberação e responsabilidade dos associados.

Tratando-se de transferência provisória, de caráter nitidamente experimental, não haverá inconveniente em admitir várias modalidades de organização e de gestão, pois isso permitirá verificar mais facilmente qual delas, na prática, adapta-se melhor às aspirações de realização pessoal dos trabalhadores e exploração racional das terras.

Essa é a metodologia de assentamentos que vem sendo desenvolvida pela Secretaria Especial de Assuntos Fundiários. Sua eficácia pode ser avaliada pelo sucesso dos onze projetos em execução, com quase mil famílias beneficiadas. Com base nessa experiência, o INCRA-SP está implementando, desde julho de 1985, trabalho de recuperação do assentamento da Fazenda Primavera (realizado em 1980), cujas falhas de implantação levaram cerca de 20% dos assentados a estado falimentar.

4.2 - Programa Complementar: Regularização Fundiária

O Programa de Regularização Fundiária no Estado de São Paulo já está sendo implementado no Vale do Ribeira, tendo como finalidade a execução dos procedimentos de discriminação e arrecadação de terras visando à imediata adjudicação, legitimação ou incorporação ao patrimônio público estadual, para a realização de assentamentos, onde for conveniente. A execução deste Programa está sendo efetuada desde outubro de 1985 mediante convênio estabelecido entre o INCRA e o Governo Estadual através da Secretaria Especial de Assuntos Fundiários.

O Programa é composto por 4 projetos: Discriminação de Terras Devolutas e Legitimação de Posses, Assistência Jurídica a Posseiros Envolvidos em Litígios de Terras, Regularização do Domínio do Estado nos Parques Estaduais e Apoio aos Municípios para Regularização do Domínio de Terras Devolutas Municipais. Visa-se à concessão de cerca de 10 mil títulos de propriedade aos pequenos posseiros do Vale, abrangendo área a ser discriminada de 700 mil hectares de terras. Até o momento já foram concedidos 1.000 títulos.

Além das atividades em curso - legitimação das posses, assistência jurídica e regularização dos parques - serão promovidos assentamentos nas áreas arrecadadas.

Ainda dentro do convênio, está sendo executado mapeamento de toda a área a ser discriminada, pela empresa pública Terrafoto, envolvendo aerofotogrametria e amarração de coordenadas geográficas em campo. O cadastramento dos ocupantes e demarcação dos parques estão a cargo da SUDELPA, com colaboração da Procuradoria-Geral do Estado.

V. INFRA-ESTRUTURA BÁSICA, AÇÕES DE APOIO E ESTIMATIVA DOS CUSTOS

A infra-estrutura necessária aos assentamentos compreenderá, basicamente, estradas de acesso, habitações e obras comunitárias. Os serviços de apoio à produção e bem-estar social incluem ações nas áreas de crédito rural, assistência técnica, difusão de tecnologia, saúde e educação.

As terras serão obtidas principalmente por desapropriação por interesse social, aproveitando-se também a disponibilidade em terras devolutas. No primeiro caso, por imposição constitucional, o poder público deverá prover indenização do valor das terras desapropriadas mediante títulos da dívida agrária (TDA). A fixação do valor a ser indenizado depende de laudos e avaliações e, no mais das vezes, envolve o pronunciamento final do Judiciário, razão pela qual se torna virtualmente impossível definir a priori o volume exato de recursos (em TDA) requeridos.

Por isso os recursos estimados para execução do PRRA-SP no exercício de 1986 limitam-se às necessidades para dispêndios com indenização das benfeitorias em áreas desapropriadas, ações de redistribuição de terras (seleção de imóveis, vistorias, perícias, demarcações, assentamentos, administração), infra-estrutura básica (estradas de acesso, habitações, obras comunitárias), saúde, educação, assistência técnica, extensão rural, armazenagem, crédito rural (investimento e custeio).

O MIRAD implementará iniciativas que assegurem disponibilidade de TDA para cumprimento das metas estabelecidas.

As necessidades de recursos são apresentadas na Tabela 4.

Tabela 4 - PRRA-SP - ESTIMATIVA de CUSTOS(*) - (1986)

(Cz$ mil)

DISCRIMINAÇÃO

CUSTO ESTIMADO

Benfeitorias e ações de redistribuição de terras

490.269,8

Infra-estrutura básica

147.808,3

Saúde

24.254,7

Educação

14.720,1

Assistência técnica e armazenagem

52.218,8

Crédito rural:

186.728,4

- investimento

125.455,8

- custeio

61.272,6

Total

916.000,1

(*) Excluídos custos de obtenção de terras via desapropriação.

Com base nos dados apresentados, tem-se custo total, excluída indenização das terras a serem desapropriadas, da ordem de Cz$916,0 milhões. Chama-se a atenção para o volume requerido para crédito de investimento e custeio aos novos produtores rurais, da ordem de Cz$186,7 milhões.

VI. SITUAÇÕES EMERGENCIAIS

O PRRA-SP, assim como todos os planos regionais de reforma agrária que conformam o PNRA, tem a característica de incorporar situações previsíveis, planejáveis. Os planos operativos - que traduzem o que efetivamente será realizado no campo - tomam por base essas ações e baseiam-se nas informações, dados e conhecimentos existentes. No âmbito da reforma agrária, contudo, os eventos podem tomar cursos imprevisíveis, razão pela qual pode-se vir a necessitar de ações rápidas do poder público na busca das soluções adequadas.

É nesse contexto que as metas e os volumes de recursos estimados neste PRRA poderão sofrer Alterações no curso de sua implementação. Situações Emergenciais deverão ser examinadas no tempo e contexto apropriados.