SUBCHEFIA DE ASSUNTOS PARLAMENTARES

PROJETO DE LEI

 

Cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8o do art. 226 da Constituição Federal, e dá outras providências.

 

 

 

 

                 O CONGRESSO NACIONAL decreta:

 

TÍTULO I

DISPOSIÇÕES PRELIMINARES

 

Art. 1o  Esta Lei cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8o do art. 226 da Constituição Federal e dos tratados internacionais ratificados pela República Federativa do Brasil, e estabelece as medidas para a prevenção, assistência e proteção às mulheres em situação de violência.

 

Art. 2o  Toda mulher, independentemente de classe, raça, etnia, orientação sexual, renda, cultura, nível educacional, idade e religião, goza dos direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sendo-lhe asseguradas as oportunidades e facilidades para viver sem violência, preservar sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual e social.

Art. 3o  É dever da família, da comunidade, da sociedade e do Poder Público, em especial, assegurar à mulher condições para o exercício efetivo dos direitos à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária, desenvolvendo ações que visem garantir os direitos humanos das mulheres no âmbito das relações domésticas e familiares no sentido de resguardá-la de toda a forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

 

Art. 4o  Na interpretação desta Lei serão considerados os fins sociais a que ela se destina e a condição peculiar da mulher em situação de violência doméstica e familiar.

 

TÍTULO II

DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER

 

CAPÍTULO I

DISPOSIÇÕES GERAIS

 

Art. 5o  Para os efeitos desta Lei, configura-se violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou conduta, baseada na relação de gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, ocorrida:

I - no âmbito da unidade doméstica, compreendida como espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas;

II - no âmbito da família, compreendida como relações pessoais afetivas;

III - em qualquer outra relação pessoal de afeto na qual o acusado compartilhe, tenha compartilhado ou não o mesmo domicílio ou residência da ofendida.

 

Parágrafo único.  Consideram-se relações de gênero as relações desiguais e assimétricas de valor e poder atribuídas às pessoas segundo o sexo.

 

Art. 6o  A violência doméstica e familiar contra a mulher constitui uma das formas de violação dos direitos humanos.

 

CAPÍTULO II

DAS FORMAS DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER

 

Art. 7o  São formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, dentre outras previstas em lei:

I - a violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda a integridade corporal ou a saúde da mulher;

II - a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que cause dano emocional e diminuição da auto-estima, que prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento da mulher, vise a degradar ou a controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insultos, chantagem, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou, por qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação;

III - a violência sexual, entendida como qualquer conduta que constranja a mulher a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força, assim como ações que forcem a mulher a comercializar ou utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, ao impedimento ao uso de qualquer método contraceptivo, ou ações que a forcem ao matrimônio, gravidez, aborto ou prostituição, mediante coação, chantagem, suborno, manipulação ou qualquer outro meio que limite ou anule seu arbítrio;

IV - a violência patrimonial, entendida como qualquer conduta ilegítima que configure perda, retenção, subtração, destruição parcial ou total de objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos da mulher e os destinados a satisfazer suas necessidades;

V - a violência moral, entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria à honra ou à reputação da mulher.

 

TÍTULO III

DA ASSISTÊNCIA À MULHER EM SITUAÇÃO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR

 

CAPÍTULO I

DAS MEDIDAS INTEGRADAS DE PREVENÇÃO

 

Art. 8o  A política pública que visa coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher far-se-á por meio de um conjunto articulado de ações governamentais e não-governamentais, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, tendo como diretrizes:

I - integração operacional de órgãos do Judiciário, Ministério Público, Defensoria, Segurança Pública, Assistência Social, Saúde, Educação, Trabalho e Habitação;

II - a promoção de estudos e pesquisas, estatísticas e outras informações relevantes, concernentes às causas, conseqüências e freqüência da violência doméstica e familiar contra a mulher, para a sistematização de dados, a serem unificados nacionalmente, e a avaliação dos resultados das medidas adotadas;

III - a observância, nos meios de comunicação social, dos valores éticos e sociais da pessoa e da família, de forma a coibir os papéis estereotipados que legitimem ou exacerbem a violência doméstica e familiar;

IV - a implementação de centros de atendimento multidisciplinar para as pessoas envolvidas em situação de violência doméstica e familiar, visando agilizar e garantir o atendimento integral às mulheres;

V - a implementação de atendimento policial especializado às mulheres;

VI - a realização de campanhas educativas, voltadas à prevenção da violência doméstica e familiar contra a mulher e à difusão desta Lei e dos instrumentos de proteção aos direitos humanos das mulheres;

VII - a celebração de convênios, protocolos, ajustes, termos ou outros instrumentos entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios para a promoção de parcerias entre si ou com entidades não-governamentais, objetivando a implementação de programas voltados à erradicação da violência doméstica e familiar contra a mulher, bem como a capacitação permanente dos integrantes dos órgãos referidos no inciso I deste artigo.

VIII - a capacitação permanentemente dos integrantes do Poder Judiciário, do Ministério Público, da Defensoria Pública, da Polícia Civil, bem assim dos profissionais da saúde, da educação, da assistência social, dentre outros;

IX - a promoção de programas educacionais formais e não-formais que disseminem valores éticos, do irrestrito respeito à dignidade da pessoa humana e dos direitos das mulheres, e

X - privilegiar nos currículos escolares, em todos os níveis, de conteúdos relativos aos direitos humanos, à equidade de gênero e à violência doméstica e familiar contra a mulher.

 CAPÍTULO II
DA ASSISTÊNCIA SOCIAL À MULHER EM SITUAÇÃO DE VIOLÊNCIA

 

Art. 9o  A assistência social às mulheres em situação de violência doméstica e familiar deverá ser prestada de forma articulada, emergencial ou não, conforme os princípios e as diretrizes previstos na Lei Orgânica da Assistência Social, no Sistema Único de Saúde, dentre outras normas pertinentes.

 

CAPÍTULO III

DO ATENDIMENTO PELA AUTORIDADE POLICIAL

 

Art. 10.  Nas hipóteses de violência familiar ou doméstica praticadas ou na iminência de serem praticadas contra mulheres deverá ser imediatamente notificada a autoridade ou o agente policial para que possa comparecer ao local.

 

Parágrafo único.  Aplica-se o disposto no caput na hipótese de descumprimento de medida cautelar aplicada pelo juízo.

Art. 11.  No atendimento à mulher em situação de violência a autoridade ou o agente policial buscará adotar as seguintes providências:

I - providenciar transporte para a ofendida até o hospital, o posto de saúde ou o Instituto Médico Legal;

II - providenciar transporte da ofendida e seus dependentes em risco de vida para local seguro ou abrigo;

III - assegurar a possibilidade da ofendida retirar seus pertences pessoais do local da ocorrência ou do domicílio familiar;

IV - comunicar à ofendida o horário e o local de comparecimento à delegacia, caso não seja possível o seu atendimento imediato;

V - informar à ofendida dos direitos a ela conferidos nesta Lei e dos serviços públicos e privados disponíveis; e

VI - garantir proteção policial, quando necessário.

 

Art. 12.  Em todos os casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, feito o registro do fato, deverá a autoridade policial adotar, de imediato, os seguintes procedimentos, além daqueles já previstos no Código de Processo Penal e na Lei no 9.099, de 26 de setembro de 1995:

I - colher todas as provas que servirem para o esclarecimento do fato e de suas circunstâncias;

II - ouvir a ofendida;

III - ouvir o indiciado e as testemunhas;

IV - determinar que se proceda ao exame de corpo de delito e requisitar os exames periciais necessários;

V - averiguar a vida pregressa do indiciado, sob o ponto de vista individual, familiar e social, sua atitude e estado de ânimo antes e depois do fato e durante ele, e quaisquer outros elementos que contribuam para a apreciação do seu temperamento e caráter;

VI - ordenar a identificação do indiciado e fazer juntar aos autos sua folha de antecedentes; e

VII - remeter à autoridade judiciária o expediente lavrado.

 

§ 1o  O previsto no inciso IV deste artigo implicará no encaminhamento prioritário da ofendida, quando necessário à preservação das provas.

 

TÍTULO IV

DOS PROCEDIMENTOS

 

CAPÍTULO I

DISPOSIÇÕES GERAIS

 

                        Art. 13.  Ao processo, julgamento e execução das causas cíveis e criminais em que esteja caracterizada a violência doméstica e familiar contra a mulher, aplicar-se-ão os Códigos de Processo Penal e Civil e a Lei no 9.099, de 26 de setembro de 1995, no que não conflitarem com o procedimento estabelecido nesta Lei.

 

CAPÍTULO II

DA EQUIPE DE ATENDIMENTO MULTIDISCIPLINAR

 

Art. 14.  A equipe de atendimento multidisciplinar deverá ser integrada por profissionais especializados nas áreas psicossocial, jurídica e da saúde.

 

Art. 15.  Compete à equipe de atendimento multidisciplinar, dentre outras atribuições que lhe forem reservadas pela legislação local, fornecer subsídios por escrito à autoridade judiciária, ao Ministério Público e à Defensoria Pública, mediante laudos ou verbalmente em audiência, e desenvolver trabalhos de aconselhamento, orientação, encaminhamento, prevenção e outros, assegurada a livre manifestação do ponto de vista técnico.

 

Art. 16.  Quando a complexidade do caso exigir avaliação mais aprofundada, poderá ser determinada pela autoridade judiciária a manifestação de profissional especializado em determinada área, mediante a indicação da equipe de atendimento multidisciplinar.

 

Art. 17.  O Poder Judiciário, na elaboração de sua proposta orçamentária, poderá prever recursos para a criação e manutenção da equipe de atendimento multidisciplinar.

 

CAPÍTULO III

DA ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO

 

Art. 18.  Caracterizada a violência doméstica e familiar contra a mulher, o Ministério Público poderá intervir nas causas cíveis e criminais em que não for parte.

 

Art. 19.  É facultado ao Ministério Público, nos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, quando necessário:

I - requisitar a força policial e a colaboração dos serviços públicos de saúde, de educação, de assistência social e de segurança, dentre outros;

II - fiscalizar os estabelecimentos públicos e particulares de atendimento à mulher em situação de violência, de que trata esta Lei, e adotar de imediato as medidas administrativas ou judiciais no tocante a quaisquer irregularidades constatadas.

 

CAPÍTULO IV

DA ASSISTÊNCIA JURÍDICA

 

Art. 20.  Em todos os atos processuais, a mulher em situação de violência doméstica e familiar deverá estar acompanhada de advogado ou Defensor Público.

 

Art. 21.  É garantido a toda mulher em situação de violência doméstica e familiar o acesso aos serviços de Defensoria Pública ou de Assistência Judiciária Gratuita, nos termos da lei, mediante um atendimento específico e humanizado no Juízo competente, nas Delegacias de Polícia e núcleos de atendimento das Defensorias Públicas.

 

CAPÍTULO V

DAS MEDIDAS CAUTELARES

 

Art. 22.  As medidas cautelares serão concedidas pelo juiz, por representação da autoridade policial, a requerimento do Ministério Público, da Defensoria Pública, da ofendida ou de quem tenha qualidade para representá-la.

 

§ 1o  As medidas cautelares poderão ser concedidas independentemente de audiência das partes.

 

§ 2o  O requerimento da ofendida, que poderá ser feito oralmente, independe da presença de advogado.

 

§ 3o  As medidas cautelares serão aplicadas, isolada ou cumulativamente, e poderão ser substituídas a qualquer tempo por outras de maior eficácia, sempre que os direitos reconhecidos nesta Lei forem ameaçados ou violados.

 

Art. 23.  Poderá o juiz, a requerimento das partes ou do Ministério Público, conceder novas cautelares ou rever aquelas já concedidas, se entender necessário à proteção da ofendida, seus familiares e seu patrimônio.

 

Art. 24.  Em qualquer fase do inquérito policial ou da instrução criminal, caberá a prisão preventiva decretada pelo juiz, de ofício, a requerimento do Ministério Público, ou do querelante, ou mediante representação da autoridade policial.

 

Parágrafo único.  O juiz poderá revogar a prisão preventiva se, no curso do processo, verificar a falta de motivo para que subsista, bem como de novo decretá-la, se sobrevierem razões que a justifiquem.

 

Art. 25.  A ofendida deverá ser intimada dos atos processuais relativos ao acusado, especialmente dos pertinentes ao ingresso e à saída da prisão sem prejuízo da intimação do advogado constituído ou do defensor público.

 

CAPÍTULO VI

DAS MEDIDAS CAUTELARES EM RELAÇÃO AO ACUSADO

 

Art. 26.  Constatada a ocorrência de violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos desta Lei, o juiz poderá aplicar, de imediato, ao acusado, em conjunto ou separadamente, as seguintes medidas cautelares, dentre outras previstas em lei:

I - suspensão ou restrição do porte de armas, com comunicação ao órgão competente, nos termos da Lei no 10.826, de 22 de dezembro de 2003;

II - afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida, podendo encaminhar o acusado a programa de acompanhamento psicossocial, onde houver, ou a tratamento  similar;

III - proibição de determinadas condutas, dentre as quais:

a) aproximação da ofendida, de seus familiares e de suas testemunhas;

b) utilização de qualquer meio de comunicação para contato com a ofendida, seus familiares e testemunhas;

IV - proibição de freqüentar lugares que o juiz entenda conveniente para preservar a integridade física e mental da ofendida;

V - restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores, sujeita à avaliação do acusado por equipe de atendimento multidisciplinar, ou serviço similar; e

VI - prestação de alimentos provisionais.

 

§ 1o  As medidas referidas no caput não impedem a aplicação de outras previstas na legislação em vigor sempre que a segurança da ofendida ou as circunstâncias o exigirem.

 

§ 2o  Na hipótese do inciso I, sendo o acusado policial ou integrante das Forças Armadas, o juiz comunicará ao respectivo órgão, corporação ou instituição, a suspensão ou a restrição do porte de armas, ficando o superior imediato do acusado, responsável pelo cumprimento da determinação judicial, sob pena de desobediência, nos termos do artigo 330 do Código Penal.

§ 3o  Para garantir a efetividade das medidas cautelares, poderá o juiz requisitar, a qualquer momento, auxílio da força policial.

 

CAPÍTULO VII

DAS MEDIDAS CAUTELARES DE PROTEÇÃO À MULHER EM SITUAÇÃO DE VIOLÊNCIA

 

Art. 27.  Poderá o juiz, quando necessário:

I - encaminhar a mulher em situação de violência e seus dependentes a programa oficial ou comunitário de proteção e aos serviços de atenção integral à saúde das mulheres;

II - determinar a recondução da mulher e a de seus dependentes ao respectivo domicílio, após o afastamento do acusado; e

III - determinar o afastamento da ofendida do lar, sem prejuízo de seus direitos relativos a bens, à guarda dos filhos e aos alimentos.

 

Art. 28.  Para a proteção patrimonial dos bens da sociedade conjugal e daqueles de propriedade particular da mulher, poderão ser determinadas liminarmente pelo juiz competente as seguintes medidas, dentre outras previstas em lei:

I - restituição de bens indevidamente subtraídos pelo acusado à ofendida;

II - proibição temporária para a celebração de atos e contratos de compra, venda e locação de propriedade em comum, condicionada excepcionalmente a decisão judicial contrária;

III - revogação das procurações conferidas pela mulher ao acusado; e

IV - indenização por perdas e danos dos gastos decorrentes dos atos de violência doméstica e familiar contra a mulher.

Parágrafo único.  Deverá o juiz oficiar ao cartório competente para os fins previsto nos incisos II e III deste artigo.

 

CAPÍTULO VIII

DO PROCEDIMENTO NOS JUIZADOS ESPECIAIS CRIMINAIS

 

Seção I

Disposições Gerais

 

                        Art. 29.  Ao processo, julgamento e execução dos crimes de competência dos Juizados Especiais Criminais em que esteja caracterizada violência doméstica e familiar contra a mulher, aplica-se a Lei no 9.099, de 26 de setembro de 1995, no que não conflitar com o estabelecido nesta Lei.

 

Art. 30.  Nos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher a ação penal será pública condicionada à representação.

 

Seção II

Da Audiência de Apresentação

 

Art. 31.  Ao receber o expediente lavrado pela autoridade policial, imputando prática de crime de violência doméstica e familiar contra a mulher, deverá o juiz de imediato designar audiência de apresentação.

 

§ 1o  É vedado proceder à intimação ou à notificação da pessoa autora da agressão por intermédio da ofendida.

 

§ 2o  À audiência de apresentação, presente o Ministério Público, deverão comparecer a ofendida e o acusado, acompanhados por seus respectivos advogados.

 

§ 3o  Comparecendo a ofendida desacompanhada de advogado, ser-lhe-á garantida a assistência judiciária gratuita, nos termos da lei.

 

Art. 32.  A mediação, nos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, será conduzida por juiz ou mediador.

 

§ 1o  O mediador, devidamente habilitado em curso superior, deverá ter capacitação em violência doméstica e familiar contra a mulher.

 

§ 2o  Sob pena de responsabilidade, nos termos da lei, em hipótese alguma a mulher ofendida de violência doméstica e familiar poderá ser forçada, direta ou indiretamente, à conciliação.

 

§ 3o  Não havendo mediação, será dada à ofendida a oportunidade de exercer o direito de representação verbal, que será reduzida a termo.

 

§ 4o  O não oferecimento da representação na audiência não implica na decadência do direito, que poderá ser exercido no prazo previsto em lei.

 

§ 5o  Nos casos de violência doméstica e familiar, o prazo decadencial somente passa a correr da data da audiência de apresentação para a qual estiver pessoalmente intimada a ofendida, devendo tal advertência constar expressamente do mandado de intimação.

 

§ 6o  A retratação ou a renúncia da representação somente serão consideradas válidas após ratificação em audiência.

 

Art. 33.  Exercido o direito de representação, o juiz colherá o depoimento pessoal da ofendida, separadamente, e em seguida o do acusado, admitida a acareação.

 

Art. 34.  O juiz encaminhará o caso à equipe de atendimento multidisciplinar ou aos núcleos de atendimento similares, podendo, ainda, determinar a realização dos exames periciais que julgar necessários.

 

Seção III

Da Audiência de Instrução e Julgamento

 

Art. 35.  Havendo representação e não sendo caso de arquivamento, o Ministério Público poderá propor a aplicação imediata de pena restritiva de direitos, a ser especificada na proposta.

 

§ 1o  Não se admitirá a proposta se ficar comprovado:

I - ter sido o acusado condenado, pela prática de crime, a pena privativa de liberdade, por sentença definitiva;

II - ter sido o acusado beneficiado anteriormente, no prazo de cinco anos, pela aplicação de pena restritiva ou multa, nos termos deste artigo;

III - não indicarem os antecedentes, a conduta social e a personalidade do acusado, bem como os motivos e as circunstâncias, se necessária e suficiente a adoção da medida;

IV - o descumprimento, pelo acusado, das medidas cautelares que lhe tenham sido aplicadas.

 

§ 2o  Ao propor a transação penal, o Ministério Público considerará os subsídios apresentados pela Equipe de Atendimento Multidisciplinar e os antecedentes do acusado.

 

§ 3o  Aceita a proposta pelo acusado e seu defensor, será esta submetida à apreciação do juiz.

 

Art. 36.  É vedada a aplicação, nos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, das penas restritivas de direito de prestação pecuniária, cesta básica e multa.

 

Art. 37.  Não sendo possível a transação penal, o Ministério Público oferecerá de imediato denúncia oral, prosseguindo-se em audiência de instrução e julgamento, devendo constar do mandado de citação do autor do fato tal advertência, bem como a necessidade de arrolar testemunhas cinco dias antes da audiência, caso pretenda ouvi-las.

 

TÍTULO V

DISPOSIÇÕES FINAIS

 

Art. 38.  A União, no Distrito Federal e Territórios e os Estados poderão criar Varas e Juizados Especiais de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, com competência cível e criminal, cabendo ao Poder Judiciário dispor sobre sua estrutura.

 

Parágrafo único.  Enquanto não estruturadas as Varas e os Juizados mencionados no caput, os crimes relativos à violência doméstica e familiar contra as mulheres continuarão a ser julgados nas Varas Cíveis e Criminais e nos Juizados Especiais Cíveis e Criminais, com observância do previsto nesta Lei e na legislação processual pertinente.

 

Art. 39.  A União, o Distrito Federal, os Estados e os Municípios, poderão criar centros de reabilitação para os acusados e de atendimento à mulher em situação de violência doméstica e familiar, a serem previstos na legislação local.

 

Art. 40.  Compete à União, ao Distrito Federal, aos Estados e aos Municípios promoverem a adaptação de seus órgãos e de seus programas às diretrizes e aos princípios estabelecidos nesta Lei.

 

Art. 41.  A defesa dos interesses e direitos previstos nesta Lei poderá ser exercida, concorrentemente com a ofendida, pelo Ministério Público ou por associação de defesa da mulher, regularmente constituída há pelo menos um ano, nos termos da Lei Civil.

 

Art. 42.  Serão incluídas nas bases de dados dos órgãos oficiais as estatísticas sobre a violência doméstica e familiar contra a mulher.

 

Art. 43.  Os casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, previstos nesta Lei, ainda que não tenham sido julgados, constarão de cadastro específico, de conhecimento reservado da autoridade judiciária e do Ministério Público. 

 

§ 1o  Caberá às Varas e aos Juizados Especiais de Violência Doméstica e Familiar a elaboração do cadastro referido no caput.

 

§ 2o  Enquanto não estruturados as Varas e os Juizados Especiais previstos no art. 38, o cadastro de violência doméstica será elaborado nas Varas Criminais e Juizados Especiais Criminais.

 

Art. 44.  Serão estabelecidas dotações orçamentárias específicas, em cada exercício financeiro, para a implementação das medidas estabelecidas nesta Lei.

 

Art. 45.  As obrigações previstas nesta Lei não excluem outras decorrentes dos princípios por ela adotados.

 

Art. 46.  O art. 313 do Decreto-Lei no 3.689, de 3 de outubro de 1941 (Código de Processo Penal) passa a vigorar acrescido do seguinte inciso:

“IV - se o crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, qualquer que seja a pena aplicada.”  (NR)

 

Art. 47.  Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Brasília,