SUBCHEFIA DE ASSUNTOS PARLAMENTARES

EM nº 00190/2017 MP 

Brasília, 28 de Agosto de 2017.

Excelentíssimo Senhor Presidente da República,

1.                Submeto à consideração de Vossa Excelência proposta de Projeto de Lei com o objetivo de estabelecer as competências e o rito para a classificação de empresas estatais da União como dependentes ou não dependentes, nos termos do inciso III, do art. 2º da Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000, bem como dispor sobre a sistemática de recuperação e melhoria empresarial destes entes.

2.                A proposta em apreço visa suprimir uma importante lacuna presente no atual ordenamento, assim como atende a diversas recomendações do Tribunal de Contas da União relativamente ao tema (Acórdãos nº 3.145/2011-Plenário, 3561/2014-Plenário, 2915/2016-Plenário, 6751/2016-1ª Câmara, dentre outros). De fato, inexiste, de forma clara, previsão legal a respeito dos procedimentos necessários para que Administração Pública reconheça suas entidades como dependentes ou não do orçamento federal e assim possa estabelecer melhor supervisão, coordenação e governança sobre elas.

3.                Deste modo, percebe-se que o tema é importante não apenas do ponto de vista da definição das atribuições aos órgãos envolvidos, mas também em função da segurança jurídica que a matéria exige, seja em relação aos conceitos aplicáveis, seja acerca das medidas e orientações devidas, pela União, a suas empresas estatais.

4.                A respeito do modelo concebido neste momento por este Ministério do Planejamento, a minuta ora encaminhada prevê que caberá à Casa Civil da Presidência da República, ao Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão e ao Ministério da Fazenda, em conjunto e na forma do Regulamento, a classificação de empresas estatais da União como dependentes ou não dependentes. O ponto é convergente com a atual disposição prevista no Decreto nº 6.021, de 22 de janeiro de 2007, que prevê à Comissão Interministerial de Governança Corporativa e de Administração de Participações Societárias da União - CGPAR a tarefa de classificar as empresas estatais.

5.                Entretanto, um dos aspectos mais relevantes da proposta refere-se à previsão de uma etapa anterior à classificação da empresa estatal com indicadores desfavoráveis, por meio da qual se pretende realizar um procedimento de recuperação e melhoria empresarial.

6.                Conforme avaliação deste Ministério do Planejamento, muito mais relevante do que classificar as empresas estatais como dependentes ou não do orçamento federal é atuar antecipadamente aos primeiros sinais detectados pela Administração Pública com o objetivo exato de evitar referida classificação.

7.                A verificação do atributo da dependência não possui um fim em si mesmo, servindo apenas para que certas medidas, antes permitidas à empresa, sejam limitadas dada a mudança de contexto em que passa a ser inserida. Não é portanto uma meta a ser seguida; pelo contrário, é uma situação a ser evitada.

8.                É sabido que a classificação das empresas estatais como dependentes importa em uma significativa mudança de tratamento, impactando não apenas nas ações da União, mas também da própria empresa e, quando o caso, na adequada prestação do serviço público envolvido.

9.                Atribuir o adjetivo de dependente a uma empresa estatal significa para União o ingresso das contas do ente – receitas e despesas – para o orçamento federal, fato indesejável no atual momento de ajuste fiscal. Dado que inexiste folga para novos gastos, a tentativa de colocar em prática ações que possam resgatar sua sustentabilidade financeira, evitando sua inclusão no orçamento, é medida que se impõe.

10.              Levando em conta as atuais regras de governança, que permitem o melhor monitoramento da saúde fiscal das empresas, com o advento da Lei nº 13.303, de 30 de junho de 2016, e a experiência adquirida nos últimos anos em matéria de gestão pública e orçamento, verifica-se possível identificar situações, a partir dos indicadores corretos, que permitem o saneamento da empresa, de forma a evitar a classificação como dependente.

11.              Ocorre que inexiste na atual legislação um regramento que autorize, de forma prévia e eficaz, a recuperação das empresas estatais cujos sinais apontem possível desajuste econômico-financeiro e que, sabidamente, quedando-se inerte a Administração, serão incluídas na categoria dos entes dependentes.

12.              O entendimento é de que a previsão em lei de um procedimento que permita a restruturação da empresa que, nos primeiros momentos, apresente indícios de que nada sendo feito será classificada como dependente, é medida necessária e aderente ao princípio constitucional da eficiência, seja em nome do interesse público, seja em razão do atual momento de escassez.

13.              Assim, pela proposta, é prevista a atuação do Ministério do Planejamento como órgão responsável pela verificação e acompanhamento da empresa estatal durante todo o período em que permanecer sob a condição de “em recuperação e melhoria empresarial”. À empresa, caberá apresentar um Plano de Recuperação e Melhoria Empresarial - PRME, período em que estará vinculada a esta Pasta Ministerial durante todo o procedimento.

14.              São estabelecidos, ainda, limites para a atuação da empresa, de modo que se permita o surgimento de um ambiente favorável ao reequilíbrio financeiro da entidade, sem descuidar da sua missão institucional. Ao final, caberá ao colegiado referido em linhas anteriores analisar os resultados e classificar a empresa como dependente ou não dependente.

15.              Apresentada a proposta, cabe fazer alguns esclarecimentos a respeito da legitimidade da proposta na perspectiva legislativa e jurídica.

16.              De início, é importante observar que não se trata de incluir normas de direito financeiro no atual ordenamento. A questão é diversa. Muito embora seja necessária a utilização de conceitos oriundos da Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar nº 101/2000), que regulamentou o art. 163, da Carta de 1988, a previsão em lei da sistemática de recuperação das empresas estatais possuiu fundamento no art. 173, § 1º, II, da Constituição Federal, de seguinte teor:

Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei.

§ 1º A lei estabelecerá o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias que explorem atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços, dispondo sobre:

(...)

II - a sujeição ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributários;  

17.              Em que pese a expressa sujeição das empresas estatais às regras de direito comercial e demais aplicáveis às empresas privadas, o que se verifica é uma evidente omissão no ordenamento a respeito dos mecanismos de recuperação de sociedades de economia mista e empresas públicas. Note-se que a Lei nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005, que regula a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência de empresas privadas, expressamente afasta de seu âmbito de aplicação as empresas estatais em seu art. 2º, in verbis:

Art. 2º Esta Lei não se aplica a:

I - empresa pública e sociedade de economia mista;

18.              São bastante conhecidos os argumentos que recomendam a tentativa de resgate da empresa privada antes da decretação de sua falência. Os efeitos sociais e econômicos do encerramento das atividades são indesejados por toda a coletividade e pelo Poder Público.

19.              Entretanto, tal paralelo inexiste em se tratando de empresas estatais e, já que não podem falir e tampouco se recuperar, são necessariamente classificadas como dependentes, não havendo, na prática, qualquer perspectiva de reversão do quadro a partir daí.

20.              A lacuna que se pretende preencher, portanto, possui fundamento direto na Constituição Federal e refere-se estritamente a edição de normas de direito administrativo e comercial, temas objeto de lei ordinária (art. 22, I, CF/1988) e que em nada se confundem com as regras de direito financeiro, veiculadas por meio de lei complementar.

21.              É importante registrar que, infelizmente, a Lei nº 13.303/2016 não previu medida de restruturação da empresa estatal em desajuste fiscal. Muito embora preveja que as mesmas devem obedecer as normas relativas à Lei das Sociedades Anônimas (Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1973), ainda assim não é possível estabelecer um vínculo entre essa submissão e as regras de recuperação judicial previstas na Lei nº 11.101/2005, já citada, uma vez que a exclusão é expressa (art. 2º, I).

22.              Ao revés, note-se que, no único ponto de contato que a Lei nº 13.303/2016 estabelece acerca de eventual interrupção das atividades ou encerramento da pessoa jurídica é quando faz referência à Lei nº 12.846/2013, e exatamente para preservar a continuidade dos serviços, in verbis:

Lei nº 13.303/2016:

Art. 94. Aplicam-se à empresa pública, à sociedade de economia mista e às suas subsidiárias as sanções previstas na Lei nº 12.846, de 1º de agosto de 2013, salvo as previstas nos incisos II, III e IV do caput do art. 19 da referida Lei.

Lei nº 12.846/2013:

Art. 19. Em razão da prática de atos previstos no art. 5º desta Lei, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, por meio das respectivas Advocacias Públicas ou órgãos de representação judicial, ou equivalentes, e o Ministério Público, poderão ajuizar ação com vistas à aplicação das seguintes sanções às pessoas jurídicas infratoras:

(...)

II - suspensão ou interdição parcial de suas atividades;

III - dissolução compulsória da pessoa jurídica;

23.              A restruturação de empresas estatais é tema constante em diversos Acórdãos do Tribunal de Contas da União (Acórdãos nº 3.145/2011-Plenário, 3561/2014-Plenário, 2915/2016-Plenário, 6751/2016-1ª Câmara, dentre outros). Apreciando a situação de empresas vem alertando a Administração direta quanto à necessidade de elaborarem planos específicos de recuperação, sob pena de necessária classificação como empresas estatais dependentes. Portanto, a elaboração de mecanismos que evitem a inclusão de tais entes no orçamento federal é ação plenamente legítima do ponto de vista da preservação do interesse público e gestão eficiente da Administração Pública.

24.              Desse modo, entende-se que o envio ao Congresso Nacional de Projeto de Lei, com fundamento no art. 173, § 1º, II, CF/1988, veiculando normas de direito comercial e administrativo que estabelecem a sistemática de restruturação das empresas estatais que caminham para a dependência, é a única medida capaz de preencher este importante hiato no ordenamento jurídico pátrio. E, conforme já citado, a proposta prestigia o princípio da eficiência administrativa, contida no art. 37, CF/1988, em relação ao qual também se sujeitam as empresas estatais, uma vez que a restruturação tem por meta - ao contrário da classificação de dependência - exatamente recolocar a entidade numa trajetória de reequilíbrio e adequação das contas vis a vis o setor econômico em que se insere e o serviço público a que está comprometida em prestar.

25.              Em função das categorias criadas e das competências a serem previstas, propõe-se que apenas os principais conceitos sobre o tema sejam definidos no plano legal, cabendo ao Decreto estabelecer os ritos envolvendo a atuação dos órgãos do Poder Executivo, de modo a permitir mais facilmente a realização de eventuais ajustes no trâmite da matéria.

26.              Um aspecto importante a ser esclarecido, neste momento, refere-se ao cabimento da disciplina ora proposta por Projeto de Lei Ordinária. A dúvida que se coloca é saber se a definição dos contornos acerca do conceito de empresa estatal dependente estaria ou não afeta à seara do direito financeiro, de modo que, em caso positivo, seria prudente a veiculação da norma por meio de Lei Complementar, em atendimento ao disposto no art. 163, I e V, CF/1988, de seguinte teor:

Art. 163. Lei complementar disporá sobre:

I - finanças públicas;

(...)

V - fiscalização financeira da administração pública direta e indireta.

27.              A controvérsia se torna relevante na medida em que a Lei Complementar nº 101/2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal - LRF), contém referências ao tema, inclusive conceituando a expressão empresa estatal dependente.

28.              Analisando o modo pelo qual referida lei complementar trata o tema, verifica-se que a definição ali inserida não tem o objetivo de regular propriamente o conceito em tela, como se o mesmo fosse próprio da seara do direito financeiro, mas tão somente para dizer que as regras de direito financeiro ali veiculadas alcançam tais entidades.

29.              Tal constatação é importante, na medida em que o fato de que a previsão da categoria empresa estatal dependente não pode ser por si só suficiente a tornar a matéria como pertencente a um ramo do Direito. Admitir o contrário seria o mesmo que compreender que os demais conceitos estabelecidos no art. 2º da Lei Complementar são de direito financeiro apenas porque estão previstos neste diploma, o que não é verdade. A respeito, confira-se:

Art. 2º. Para efeitos desta Lei Complementar, entende-se como:

I - ente da Federação: a União, cada Estado, o Distrito Federal e cada Município;

II - empresa controlada: sociedade cuja maioria do capital social com direito a voto pertença, direta ou indiretamente, a ente da Federação;

III - empresa estatal dependente: empresa controlada que receba do ente controlador recursos financeiros para pagamento de despesas com pessoal ou de custeio em geral ou de capital, excluídos, no último caso, aqueles provenientes de aumento de participação acionária;

30.              Conforme é sabido, a noção de “ente da Federação” é tema afeto diretamente ao direito constitucional. Por sua vez, empresa controlada, é conceito típico de direito comercial. Por fim, entende-se que o assunto “empresa estatal dependente” é próprio do direito administrativo, dado que se refere a aspectos especiais de organização do Poder Executivo. Tais previsões na Lei de Responsabilidade Fiscal não tornaram a matéria como objeto de estudo do direito financeiro e, por isso, a serem veiculadas em Lei Complementar.

31.              Verifica-se, portanto, que a Lei Complementar nº 101/2000 não tem o propósito de disciplinar o conceito de empresa estatal dependente. As referências ali existentes a estes entes são apenas para que se estabeleça o âmbito de aplicação das regras de direito financeiro nela inseridas, assim como o faz às autarquias, fundações, fundos etc, não sendo a própria definição de empresa estatal dependente uma categoria pertencente a este ramo do direito.

32.              Tanto é verdade que o Senado Federal, por meio de resoluções editadas imediatamente à publicação da LRF, estabeleceu, para os fins daquelas normas, o que entendeu por ser empresa estatal dependente. A título de exemplo, por meio das Resoluções nº 40/2001 e 43/2001, buscou-se disciplinar o montante da dívida pública consolidada e da dívida pública mobiliária dos Estados, DF e Municípios, bem como os limites das operações de crédito interno e externo destes mesmos entes. A respeito, vale destacar que não se recorda a existência de qualquer crítica a esta iniciativa sob o argumento de que, ao assim fazê-lo, o Senado estaria invadindo campo a ser tratado por meio de Lei Complementar. No mesmo sentido, vide ainda a Resolução nº 48/2007.

33.              Nessa linha, entende-se que os parâmetros estabelecidos na LRF abordam matéria de direito administrativo e, por esta razão, próprios de disposição por meio de lei ordinária. No ponto, cumpre recordar do entendimento do Supremo Tribunal Federal acerca da distinção entre inexistência de hierarquia entre leis ordinárias e complementares, sendo que a distinção entre ambas existe apenas no que se refere à matéria nelas reguladas, cabendo à constituição estabelecer aquilo que se entende por “reserva de lei complementar”. Detectada a inexistência de tal reserva na espécie, conclui-se que as disposições da LRF podem ser objeto de novo regramento via lei ordinária, uma vez que o direito administrativo é por esta via legislado. Sobre o tema, in verbis:

EMENTA: Segundos Embargos de Declaração. Sociedade Civil de prestação de serviços profissionais relativos ao exercício de profissão legalmente regulamentada. COFINS. Modalidade de Contribuição Social. Outorga de isenção por lei complementar (LC nº 70/91). Matéria não submetida à reserva constitucional de lei complementar. Consequente possibilidade de utilização de lei ordinária (Lei nº 9.430/96) para revogar, de modo válido, a isenção anteriormente concedida pela LC nº 70/91. Inexistência de violação constitucional. A questão concernente às relações entre lei complementar e a lei ordinária. Inexistência de vínculo hierárquico-normativo entre a lei complementar e a lei ordinária. Espécies legislativas que possuem campos de atuação materialmente distintos. Doutrina. Precedentes (STF). Nova orientação jurisprudencial firmada pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal. Embargos recebidos. (ED-ED-AGREG-AI-467.822/RS, Relator Min. Celso de Mello, julgado em 20.9.2011)

34.              Ainda sobre o assunto, vale esclarecer que são mantidas todas as regras de direito financeiro atualmente em vigor, bem como são preservadas as competências dos setores envolvidos, a saber, Casa Civil, Ministério do Planejamento e Ministério da Fazenda.

35.              São essas, Senhor Presidente, as razões que me levam à submeter a presente minuta de Projeto de Lei.

 

 

Respeitosamente,                                    

 

 

 

Dyogo Henrique de Oliveira

Ministro de Estado do Planejamento,

Desenvolvimento e Gestão