SECRETARIA-EXECUTIVA

EMI n° 00019/2019 MMFDH MEC

 

Brasília, 9 de Abril de 2019.

                    Excelentíssimo Senhor Presidente da República,


A Medida Provisória, cuja minuta se submete a Vossa Excelência, dispõe sobre o exercício do direito à educação domiciliar no âmbito da educação básica.

 A educação dirigida pelos próprios pais ou responsáveis é uma realidade já consolidada em muitos países, presente também no Brasil, embora, até o presente momento, de maneira informal. Pretende-se, com a proposição elaborada em conjunto pelo Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos e pelo Ministério da Educação, dispor sobre normas gerais sobre a matéria, estabelecendo-se condições para que as famílias possam regularmente exercer sua liberdade de opção por esse tipo de ensino.

 O processo de trabalho contou com a participação de especialistas no assunto e de equipe composta por técnicos dos dois ministérios. Foram entrevistadas várias famílias e grupos de famílias que, em diferentes municípios, praticam a educação domiciliar, e foram ouvidas duas entidades que atuam no Brasil: a Associação Nacional de Educação Domiciliar (ANED) e a Associação Brasileira de Defesa e Promoção da Educação Familiar (ABDPEF), além de uma entidade internacional, a Homeschool Legal Defefense Association (HSLDA).

 O texto foi elaborado tendo por premissa, de modo especial, a harmonia entre os Poderes. Assim sendo, os trabalhos realizados tiveram em conta as principais discussões realizadas no âmbito do Congresso Nacional, bem como o posicionamento do Supremo Tribunal Federal sobre questões importantes relacionadas ao tema, nos termos do acórdão proferido nos autos do Recurso Extraordinário nº 888.815-RS.

 A partir dessa premissa, não se busca regulamentar a matéria de forma exaustiva, mas assegurar condições, do ponto de vista jurídico, para que famílias praticantes da educação domiciliar em situação informal possam contar com o apoio solidário do Estado em sua missão de educar seus filhos.

 Destacamos que a própria definição da expressão “educação domiciliar”, do ponto de vista jurídico, é uma questão relevante, uma vez que há diversas possibilidades em sua concretização. Em muitos casos, os pais realizam diretamente as atividades educacionais com seus filhos, sem contar com outras pessoas; em outras situações, além dos pais ou responsáveis, também profissionais especializados cooperam em atividades específicas. Além disso, a expressão “educação domiciliar” pode induzir a uma interpretação equivocada, com foco no local onde a educação ocorre, como se fosse restrita ao ambiente do lar. Na verdade, o processo de formação dos estudantes de famílias que optam por esse tipo de educação costuma ser realizado em locais diversos e inclui com frequência visitas a bibliotecas públicas, a museus, passeios pela cidade e pela região, em áreas urbanas ou rurais. Desse modo, é importante adotar-se o conceito baseado em seu aspecto essencial: educação domiciliar consiste no regime de ensino de crianças e de adolescentes, dirigido pelos pais ou por responsáveis. Essa é a definição adotada no texto da Medida Provisória.

 O ato normativo insere-se na seara dos Direitos Humanos, tratando de aspectos concretos relacionados à família e à educação dos próprios filhos. É nesse contexto que se situa a educação domiciliar. Nos termos da Declaração Universal dos Direitos Humanos, “os pais têm prioridade de direito na escolha do gênero de instrução que será ministrada a seus filhos” (art. 26.3). Adota-se no art. 2º da Medida Provisória, a concretização dessa prioridade no direito de escolha à educação domiciliar. 

Como consequência do reconhecimento do direito à educação domiciliar e na busca de evitarem-se injustas discriminações, um dos objetivos da proposição é assegurar a isonomia de direitos entre os estudantes em educação escolar e os estudantes em educação domiciliar. É nesse sentido que se insere o art. 3º da Medida Provisória e as disposições constantes do art. 4º, que também se referem à necessária supervisão do Estado.

Por outro lado, como a educação domiciliar visa ao pleno desenvolvimento da pessoa, ao seu preparo para o exercício da cidadania e à sua qualificação para o trabalho, nos termos do art. 205 da Constituição Federal e como explicitado no texto da proposição (art. 1º, § 2º), faz-se necessário, no momento em que nos encontramos, de início da regularização dessa modalidade de ensino, prever avaliações anuais, sob gestão do Ministério da Educação, para fins de certificação da aprendizagem. Também entendemos ser necessário, para fins de melhor conhecimento dos resultados objetivamente alcançados pela educação domiciliar, prever a possibilidade de participação em avaliações formalmente instituídas pelo Ministério da Educação, como o SAEB, observada a periodicidade dessas avaliações e a série cursada pelo estudante.

 No que diz respeito a uma especial proteção às crianças e aos adolescentes em circunstâncias que possam ensejar maiores riscos, nesse primeiro momento de implantação da modalidade, entendemos ser conveniente que seja vedada a educação domiciliar nos casos em que o responsável legal que deverá prover o ensino estiver cumprindo pena em razão de determinados crimes. Em especial, trata-se dos crimes previstos na Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990; na Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006; no Título VI da Parte Especial do Código Penal; na Lei nº 11.343, de 23 de agosto de 2006; e na Lei nº 8.072, de 25 de julho de 1990.

Além de regulamentar o exercício da educação domiciliar, respeitando-se os termos estabelecidos pelo Supremo Tribunal Federal, há outro objetivo estratégico que recomenda a urgência da matéria. Enquanto não houver segurança jurídica, não será possível obter dados precisos sobre a prática dessa modalidade de ensino em nosso país. Assim sendo, devem-se estabelecer, o mais breve possível, condições para conhecer-se adequadamente a realidade da prática da educação domiciliar no Brasil e seus resultados: quantas famílias, de fato, praticam-na; qual o perfil dessas famílias; e, por exemplo, em que municípios estão localizadas, sendo esse conhecimento um elemento importante para a formulação de políticas públicas específicas, voltadas para esse grupo de pessoas, bem como para o eventual aperfeiçoamento de outras políticas mais amplas da área de educação.

 Por fim, ressaltamos que, em nosso entendimento, há relevância e urgência em relação à matéria. Assim sendo, nos termos do art. 32, inciso VII, do Decreto nº 9.191, de 2017, passamos a tratar desses aspectos.

 Quanto à relevância, o próprio Supremo Tribunal Federal, ao reconhecer a repercussão geral do assunto (Recurso Extraordinário nº 888.815-RS), reconheceu, da mesma forma, sua relevância nos aspectos: (i) “social, em razão da própria natureza do direito pleiteado, tanto que previsto no art. 6º, caput, c/c art. 205, da Constituição, como direito de todos e meio essencial ao exercício da cidadania e à qualificação para o trabalho; (ii) jurídico, porque relacionado à interpretação e alcance das normas constitucionais que preveem a liberdade de ensino e o pluralismo de ideias e concepções pedagógicas (art. 206, I e II da CRFB/1988), bem como à definição dos limites da relação entre Estado e família na promoção do direito fundamental à educação; e (iii) econômico, tendo em conta que, segundo os estudos acima citados, o reconhecimento do homeshooling poderia reduzir os gastos públicos com a educação.”

 A urgência, por sua vez, deve-se essencialmente à ausência de segurança jurídica, que tem levado muitas famílias a serem processadas em razão da prática de homeschooling.

 A decisão de mérito do Supremo Tribunal Federal, no Recurso Extraordinário nº 888.8815-RS, aponta para a necessidade de regulamentação legislativa, deixando clara a situação de insegurança jurídica já mencionada. Confira-se, nesse sentido, o seguinte trecho do voto do Ministro Alexandre de Moraes, Redator para o acórdão: “concluo as três questões que coloquei no início de meu raciocínio. Em face dos mandamentos constitucionais que consagram a solidariedade entre Família e Estado no dever de educação das crianças, jovens e adolescentes, em que pese não existir direito público subjetivo ao ensino domiciliar utilitário, a Constituição Federal não o proíbe, sendo possível sua criação e regulamentação por meio de lei editada pelo Congresso Nacional” (p.74).

 Com a recente publicação do acórdão do Supremo Tribunal Federal sobre o assunto (em 21.3.2019), as ações judiciais contra os pais educadores têm sido retomadas, e muitas já haviam sido anteriormente a essa data, com a conclusão do julgamento, em 12.9.2018.

 Para além disso, o mesmo Ministro designado como Redator para o acórdão demonstrou preocupação com as famílias que atualmente praticam a educação domiciliar (trecho do debate contido nas p. 178 e 179 do acórdão): “temos que deixar claro – principalmente como disse o Ministro Luís Roberto Barroso – para essas famílias – e são várias famílias – que têm os seus filhos nessa condição para que regularizem a situação.” No entanto, o Supremo Tribunal Federal não se debruçou sobre essa questão, a despeito da preocupação também externada, na mesma ocasião, pelos Ministros Dias Toffoli e Roberto Barroso.

 Logo, a situação de insegurança jurídica atual, especialmente na perspectiva de pais que têm sido processados por educarem seus filhos em casa, após a conclusão do julgamento do Supremo Tribunal Federal e a publicação do acórdão, aponta para a urgência da matéria, justificando que seja tratada por Medida Provisória.

 São essas, Senhor Presidente, as razões que, entendemos, justificam a edição da Medida Provisória nos termos ora propostos.

 Respeitosamente,

 

DAMARES REGINA ALVES

Ministra de Estado da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos

ABRAHAM BRAGANÇA DE VASCONCELLOS WEINTRAUB

Ministro de Estado da Educação