SUBCHEFIA DE ASSUNTOS PARLAMENTARES

EM nº 00016/2017 MF 

Brasília, 21 de Fevereiro de 2017.

Excelentíssimo Senhor Presidente da República,

                       

1.                      Submeto à apreciação de Vossa Excelência proposta de projeto de lei complementar que institui o Regime de Recuperação Fiscal, cujo objetivo é viabilizar o reequilíbrio das contas públicas de estados em situação de grave desequilíbrio fiscal. Para tanto, são criados mecanismos de refinanciamento de passivos desses entes, tendo como contrapartida a adoção de um Plano de Recuperação.

2.                Poderão aderir ao Regime de Recuperação Fiscal os estados que, cumulativamente, apresentarem: dívida consolidada superior à receita corrente líquida anual; somatório de despesa com pessoal e serviço da dívida superior à 70% da receita corrente líquida; e disponibilidade de caixa, sem vinculação, inferior às obrigações a pagar. Trata-se, portanto, de um quadro de dívida excessiva, elevado nível de rigidez de gastos com pessoal e serviço da dívida, que redundam em grave crise de liquidez e insolvência.

3.                Estados que estejam em tal situação dificilmente conseguiriam reorganizar suas finanças sem contar com instrumentos auxiliares que lhes permitissem reequacionar seus passivos e fluxos de pagamento. Esse Projeto de Lei Complementar visa, portanto, lidar com os casos de desequilíbrio grave, para os quais se faz necessário ajuste fiscal de grande monta. Esse ajuste funda-se em dois pilares: o reequacionamento do passivo do Estado e o esforço deste para reequilibrar suas contas.

4.                O reequacionamento de passivos abarca redução temporária no pagamento da dívida com a União, como também maior flexibilidade para contratar operações de crédito. Essas operações de crédito permitirão renegociar débitos com instituições financeiras e credores de dívidas em atraso, assim como financiar programas de demissão voluntária, auditoria da folha de pagamento e modernização das administrações tributárias.

5.                A reestruturação de débitos não solucionará a crise fiscal se não for acompanhada por esforço do Estado que vise reequilibrar suas contas por meio de medidas estruturais e de medidas emergenciais. Por isso, a obtenção das prerrogativas acima elencados fica condicionada ao comprometimento do Estado com um programa de ajuste de suas contas, por meio da aprovação de lei estadual contendo um Plano de Recuperação.

6.                O Plano de Recuperação será composto por lei, ou conjunto de leis do Estado que implementará as medidas de ajuste de receitas e despesas. O Plano quantificará o impacto previsto de cada medida nas receitas e despesas, e apontará a perspectiva de ajuste das contas e o prazo necessário para que sejam atingidas as metas de ajustamento. O Plano terá prazo de até trinta e seis meses, prorrogável por período não excedente ao do primeiro prazo.

7.                O Projeto de Lei Complementar especifica o conjunto mínimo de medidas a serem aprovadas como condição necessária ao ingresso no Regime de Recuperação Fiscal, a saber: privatização de empresas dos setores financeiro, de energia e de saneamento; elevação da alíquota de contribuição previdenciária dos servidores; adaptação do regime próprio de previdência do Estado às regras vigentes no Regime Geral de Previdência Social; redução de incentivos fiscais; revisão do regime jurídico único dos servidores estaduais visando a convergência para regras similares às vigentes para a União; instituição de previdência complementar para os novos servidores; regularização no uso de recursos de depósitos judiciais no financiamento de despesas públicas; e uso de leilões de pagamento para redução dos débitos relativos a restos a pagar e despesas em atraso.

8.                Ademais, enquanto permanecer sob Regime de Recuperação Fiscal, ficarão vedados: concessões de reajustes de remuneração a servidores, criação de cargos e ampliação da estrutura administrativa; realização de concursos, exceto para reposição de vacâncias;  admissão de pessoal; criação de despesas de caráter continuado; expansão de despesa obrigatória além da variação do IPCA ou da variação da receita corrente líquida, o que for menor; concessão de incentivos fiscais; despesa com publicidade; celebração de convênios; e contratação de operações de crédito que não estejam explicitamente autorizadas no âmbito do Regime de Recuperação Fiscal.

9.                Também será exigido do Estado em Regime de Recuperação Fiscal que recolham à conta única do tesouro estadual todas as disponibilidades de caixa dos  Poderes Legislativo e Judiciário, bem como do Tribunal de Contas e do Ministério Público. Esses poderes e órgãos também deverão devolver ao caixa único do tesouro estadual, ao final do exercício, as sobras de recursos não despendidos. Não ocorrendo tal devolução, será dada ao Poder Executivo a faculdade de descontar os valores não devolvidos de parcelas de repasses futuros àqueles poderes e órgãos.

10.              Os poderes e órgãos com autonomia orçamentária também deverão incluir, em seus respectivos orçamentos, verbas para pagamento de precatórios e requisições de pequeno valor que tenham por objeto ação ou omissão estatal que lhes tenha sido atribuída. Também deverão prover recursos para o pagamento de contribuição ao PASEP e para custear aposentadorias, pensões, reformas e a contribuição previdenciária patronal, inclusive a cobertura de insuficiências financeiras e aportes atuariais, relativas aos segurados com vínculos àqueles poderes e órgãos.  Não havendo a assunção de tais despesas pelos poderes e órgãos com autonomia orçamentária, o Poder Executivo poderá descontar os valores de parcelas futuras de repasses àquelas instituições.

11.              O Estado deve protocolar o seu pedido de ingresso no Regime de Recuperação Fiscal no Ministério da Fazenda, apresentando o Plano de Recuperação. O Ministério, no prazo de quinze dias, expedirá parecer apontando o enquadramento ou não nas condições para adesão ao Regime.

12.              Para que o Regime de Recuperação Fiscal entre em vigência, são necessárias quatro condições: o Ministério da Fazenda terá que emitir parecer favorável ao Plano de Recuperação, o Estado precisará ter aprovado a lei ou leis que instituem o Plano de Recuperação, os membros de um Conselho de Supervisão (a ser descrito adiante) deverão estar nomeados, e o Presidente da República terá que  homologar o ingresso do Estado no Regime de Recuperação Fiscal.

13.              A supervisão do Plano de Recuperação ficará a cargo de um Conselho de Supervisão, formado por três membros com experiência profissional e conhecimento técnico nas áreas de gestão de finanças públicas, recuperação judicial de empresas, gestão financeira ou recuperação fiscal de entes públicos. Dois membros serão indicados pelo Ministério da Fazenda e um pelo Ministério da Transparência, Fiscalização e Controladoria-Geral da União. Tais conselheiros serão nomeados para cargo de assessoria no âmbito do Ministério da Fazenda. Suas funções consistem em: monitorar o cumprimento do Plano, emitindo relatórios mensais que apontem risco de descumprimento das regras estabelecidas no Projeto de Lei Complementar; recomendar alterações no Plano durante sua execução; apontar eventuais desvios de finalidade na utilização de recursos de operações de créditos contratadas durante a vigência do Regime de Recuperação Fiscal; convocar audiências públicas; ouvir especialistas; requisitar informações de órgãos públicos; acessar os sistemas informatizados de gestão fiscal; recomendar ao Estado suspensão de contratos ou obrigações em desconformidade com o Plano; e notificar as autoridades competentes em caso de identificação de ilícitos.

14.              A União concederá ao Estado que ingressar no Regime de Recuperação Fiscal redução integral do pagamento das prestações de suas dívidas com o Governo Federal, pelo prazo de até trinta e seis meses. Ao final desse prazo, se o Regime de Recuperação Fiscal for prorrogado, o Estado disporá de prazo igual ao de duração do primeiro período, caso em que as prestações serão gradativamente elevadas até atingir o seu valor integral. Os valores não pagos em decorrência dos descontos concedidos serão acumulados em conta gráfica, sujeitos aos encargos contratuais de adimplência, e acrescidos ao saldo devedor ao final do período de redução das prestações. Ou seja, não há perdão de dívida, apenas postergação temporária do fluxo de pagamentos.

15.              Durante o Regime de Recuperação Fiscal ficarão suspensas para o Estado as restrições e respectivas penalidades contidas em dispositivos da Lei Complementar nº 101, de 2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal - LRF). Tal liberalidade visa dar ao Estado o espaço necessário para renegociar seus passivos, ajustar suas contas e voltar a cumprir as exigências da Lei. Vale lembrar que a LRF considera como nova operação de crédito o refinanciamento de dívidas já existentes. Se o Estado estiver desenquadrado das condições para tomar novos empréstimos, também não poderá refinanciar as dívidas já existentes, o que deixa os entes federados que já entraram em crise fiscal sem espaço para buscar soluções.

16.              Trata-se, especificamente, de suspender a exigibilidade de cumprimento  do limite de despesa com pessoal (art. 23 da LRF) e as sanções relativas à extrapolação do limite de endividamento (art. 31 da LRF). Flexibilizam-se, ademais, algumas das condicionalidades necessárias para continuar recebendo transferências voluntárias: estar em dia com o pagamento de tributos e empréstimos, bem como cumprir os limites de endividamento, de despesa com pessoal e de contratação de operação de crédito (LRF, art. 25, § 1º, inciso IV, alíneas a e c). Suspendem-se, ainda, todos os dispositivos legais que, fora do Regime de Recuperação Fiscal, impediriam o reequacionamento da dívida do Estado com a União.

17.              As operações de crédito que o Estado em Regime de Recuperação Fiscal  poderá tomar estarão limitadas aos objetivos do ajuste fiscal. Elas se limitarão ao financiamento de programas de demissão voluntária, ao refinanciamento de dívidas com o sistema financeiro, à realização de auditoria na folha de pagamentos, à modernização das administrações tributárias e ao financiamento dos leilões de desconto para pagamentos de débitos em atraso. Será possível, ainda, a obtenção de financiamentos com instituições financeiras para antecipação de receitas de privatizações, desde previstos no Plano de Recuperação Fiscal e desde que contem com a apresentação de garantias reais pelo estado. Em caso de desvio de finalidade no uso dos recursos obtidos mediante tais operações de crédito, o Estado ficará impedido de contratar novas operações enquanto durar o Regime de Recuperação Fiscal.

18.              Durante a execução do Plano de Recuperação, o Ministério da Fazenda poderá recomendar ao Presidente da República a extinção do Regime de Recuperação Fiscal, caso identifique o descumprimento das vedações definidas na Lei Complementar. Havendo a extinção do Regime, o Estado perde, de imediato, todas as prerrogativas que lhe são concedidas por tal Regime, e que foram acima descritas. Os valores não pagos de sua dívida com a União, em decorrência dos descontos concedidos até o momento da exclusão, serão recalculados com base em encargos contratuais de inadimplência.

19.              O Projeto de Lei Complementar também estabelece que as instituições financeiras, credoras de Estados que entrem em Regime de Recuperação Fiscal, deverão conceder refinanciamento dessas dívidas em condições iguais às oferecidas pela União. Isso, contudo, valerá apenas para as operações realizadas após à publicação da Lei Complementar. O objetivo é garantir que, no futuro, um conjunto maior de credores, e não apenas a União, participe do esforço de refinanciamento do ente em crise. Como sinalização para o futuro, esta medida indica às instituições financeiras a necessidade de maior cuidado na concessão de crédito a Estados, restringindo espaço para que entes em desequilíbrio fiscal obtenham novas operação de crédito.

20.              Trata-se, Senhor Presidente, de um conjunto de providências de grande relevância para a busca do reequilíbrio fiscal que, como bem sabe V.Exa., constitui condição necessária para a retomada do crescimento econômico. Mais do que isso, a recuperação fiscal de estados em elevado grau de desordem financeira terá importante impacto social, uma vez que viabilizará a normalização de serviços públicos essenciais, com destaque para a segurança pública, a saúde e a educação. Responsabilidade fiscal e responsabilidade social são duas faces de uma mesma moeda. O presente Projeto de Lei Complementar tem por objetivo restaurar essas duas condições essenciais ao desenvolvimento do País.

 

Respeitosamente,                                    

 

 

Henrique de Campos Meirelles

Ministro da Fazenda