SUBCHEFIA DE ASSUNTOS PARLAMENTARES

EMI nº 00073/2016 MJ MP 

Brasília, 29 de abril de 2016.

Excelentíssima Senhora Presidenta da República,

                       

1.                Submetemos à elevada consideração de Vossa Excelência a minuta de Projeto de Lei que dispõe sobre o tratamento de dados pessoais para a garantia do livre desenvolvimento da personalidade e da dignidade da pessoa natural.

2.                O Anteprojeto é resultado de um amplo debate público promovido pelo Ministério da Justiça, que teve duração de quase seis meses, recebendo mais de 50 mil visitas e obtendo mais de 1.100 contribuições. Esses subsídios foram analisados e consolidados no texto ora apresentado pelo Ministério da Justiça em parceria com o Centro de Estudos sobre Tecnologias Web (Ceweb), vinculado ao Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR (Nic.br) e com o Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para a Web (InWeb), da Universidade Federal de Minas Gerais.

3.                A proposta visa assegurar ao cidadão o controle e a titularidade sobre suas informações pessoais, com fundamento na inviolabilidade da intimidade e da vida privada, na liberdade de expressão, comunicação e opinião, na autodeterminação informativa, no desenvolvimento econômico e tecnológico, bem como na livre iniciativa, livre concorrência e defesa do consumidor. O avanço da tecnologia da informação amplia enormemente o potencial de coleta, processamento e utilização de dados pessoais, o que representa, por um lado, uma oportunidade de geração de novos conhecimentos e serviços mas, por outro, pode acarretar graves riscos aos direitos da personalidade do cidadão, ao acesso a serviços e bens, além de uma grande insegurança jurídica para o ambiente de negócios de tecnologia da informação existente no país, bem como para o comércio exterior, por conta da desconformidade da legislação brasileira atual aos padrões internacionais existentes neste tema.

4.                É relevante apontar que o debate sobre privacidade e dados pessoais de que trata este Anteprojeto de Lei também foi fortemente influenciado pelo contexto internacional, consubstanciado, por exemplo, pela Resolução da ONU de 25 de novembro de 2013 sobre “Direito à Privacidade na Era Digital”. Nessa manifestação, o governo brasileiro se empenhou para criar medidas que reiterassem também “online” os direitos que os cidadãos possuem “offline”. Ocorre, no entanto, que apesar dos esforços diplomáticos realizados pelo país nesse sentido, o Brasil encontra-se defasado em relação ao resto do mundo no que toca à regulamentação do tema, na medida em que ainda não possui qualquer lei específica que diga respeito à proteção de dados pessoais, enquanto cerca de 109 países possuem normas nesse sentido e mais de 90 destes têm uma autoridade pública específica especializada no tema.

5.                Não é apenas pela defasagem em comparação a outros países que urge a necessidade de promulgação desta norma legal. A utilização, cada vez mais intensa, de dados pessoais na sociedade da informação cria um desequilíbrio entre os poderes dos indivíduos, titulares de seus próprios dados pessoais, e os dos utilizadores de tais dados, justamente pela quantidade de informações pessoais que as novas tecnologias são capazes de agregar e utilizar. Para que esses dados possam ser utilizados com fins transparentes e legítimos, ao mesmo tempo em que sejam garantidos os direitos de seus titulares, são necessárias normas e mecanismos institucionais que estabeleçam os parâmetros e limites deste tratamento, até mesmo no momento de término dessa relação. Além disso, tendo em vista o caráter transnacional do fluxo dessas informações, cumpre indicar que este Projeto abrange tanto as operações de tratamento de dados pessoais realizadas no Brasil, como aquelas realizadas no exterior, mas cuja coleta tenha ocorrido em território nacional.

6.                A minuta proposta abarca o tratamento de informações pessoais processadas tanto pelo setor público como pelo setor privado. Estão excluídos do âmbito de proteção da norma, no entanto, aqueles tratamentos de dados pessoais realizados para fins exclusivamente pessoais, bem como aqueles que tem por objeto o exercício regular da atividade jornalística, artística, literária ou acadêmica. Quanto à regulação referente à segurança pública, esta deverá respeitar os princípios gerais estabelecidos no texto, porém contará com legislação específica posterior a esta proposta.

7.                Os direitos do titular, por sua vez, são explicitados, em particular com relação ao acesso, correção, dissociação e oposição ao tratamento de seus dados. Ademais, o anteprojeto estabelece normas específicas para o tratamento de dados cujo tratamento possa ensejar discriminação ao titular (os chamados “dados sensíveis”, por se referirem a orientação sexual, convicções religiosas, filosóficas ou morais, ou opiniões políticas, por exemplo), prevendo como regra geral que esses dados não devem ser tratados e que ninguém pode ser obrigado a fornecer informações de tal natureza a seu respeito, ressalvadas as hipóteses previstas em lei, assim como um regramento mais rígido quando o tratamento desses dados for permitido.

8.                Diante do exposto, fica claro que os dados pessoais merecem uma tutela forte e específica do ordenamento jurídico. O processamento dessas informações influencia diretamente a vida das pessoas, afetando oportunidades, escolhas e interações sociais, elementos que compõem o livre desenvolvimento da sua própria personalidade. Tendo isso em vista, é imperativo que haja um conjunto de princípios que norteiem o tratamento desses dados por terceiros, entre os quais podem ser destacados sua utilização somente para finalidades específicas, adequadas e necessárias, além da regra de que o responsável pela coleta desses dados deva mantê-los em segurança, e que não os utilize para discriminação e permita o acesso facilitado ao titular.

9.                Além disso, são elencados uma série de requisitos para o tratamento dos dados pessoais, sem os quais este não pode se reputar legítimo. Um destes requisitos é o do consentimento livre e inequívoco do titular. Para garantir os direitos do titular, a decisão sobre o consentimento deve ser sempre livre e incontroversa para cada pessoa, sempre com base na boa-fé, de modo a preservar a sua autodeterminação e proteger a sua personalidade. Há, ainda, outros casos específicos para a legitimação do tratamento, como nos casos em que há legítimo interesse do titular. Essa exceção, por outro lado, não deve ser compreendida como uma escusa genérica à demanda do consentimento, mas sim deve estar atrelada a uma tutela específica, que não pode jamais reduzir direitos fundamentais do titular.

10.              O estabelecimento de regras sobre a proteção de dados pessoais possui, portanto, duas funções: proteger o titular dos dados e, ao mesmo tempo, favorecer a sua utilização dentro de um patamar de segurança, transparência e boa-fé. Dessa forma, a utilização lícita de dados será incentivada pela delimitação de um espaço de segurança jurídica, favorecendo o fluxo de dados por agentes responsáveis e o desenvolvimento de setores econômicos ligados, por exemplo, às tecnologias de informação. Nesse sentido, a proposta também trata da transferência internacional de dados e o condicionamento de sua ocorrência para determinadas circunstâncias, entre elas, para países que tenham nível de proteção equiparável ao brasileiro. Essa disposição implica que a partir da promulgação da lei brasileira de proteção de dados pessoais, o país estará apto a entrar no rol de Estados com os quais as empresas europeias podem realizar negócios que envolvam o tratamento de dados pessoais, sendo um importante avanço para o comércio exterior e, portanto, para o desenvolvimento econômico do Brasil.

11.              Com esse mesmo objetivo de garantir segurança jurídica nas relações entre titulares e usuários de dados, a proposta inclui sanções administrativas para coibir abusos neste tratamento, indicando quais condutas são vedadas aos atores envolvidos nessa relação.

12.              Não escapa também ao escopo do Anteprojeto de Lei, a necessidade de regulamentação da forma como o poder público deve tratar os dados pessoais da população. Nesses casos, as diretrizes gerais devem decorrer sempre de competências legais, e a transparência ativa sobre como são usados os dados por meio de sites públicos deve ser a regra.

13.              É relevante indicar que este anteprojeto se constituirá no marco geral para a regulação da proteção e uso dos dados pessoais no país e se harmoniza com os instrumentos legais que atualmente tratam do tema de forma setorial ou específica no ordenamento jurídico brasileiro.

14.              A aplicação efetiva do direito individual fundamental à privacidade depende, em grande medida, das respostas coletivas que serão apresentadas para implementá-lo, motivo pelo qual é necessário empenhar-se na construção de uma democracia da informação que proteja tanto a autodeterminação e a liberdade de controle das informações pessoais pelo cidadão, como também a tutela contra a utilização discriminatória dos dados. Nesse contexto, a minuta ora apresentada visa possibilitar que a sociedade brasileira obtenha os benefícios econômicos e sociais potencializados pela tecnologia da informação, ao criar no país uma arquitetura regulatória capaz de fazer emergir o tema da proteção de dados pessoais como um verdadeiro vetor de políticas públicas, composto por instrumentos estatutários, sancionatórios, bem como por um órgão administrativo, responsável pela implementação e aplicação da legislação.

15.              Ainda, o texto abre espaço para que categorias profissionais e segmentos empresariais estabeleçam regras comuns, a título de boas práticas, outorgando ao mercado um grau necessário de autorregulamentação, sem prejuízo da observância aos princípios gerais da lei.

16.              Com o objetivo de dar efetividade à regulamentação sugerida, a proposta prevê um órgão competente para a proteção de dados pessoais no país. Será sua responsabilidade elaborar diretrizes de uma Política Nacional de Proteção de Dados Pessoais e Privacidade, promover entre a população o conhecimento das normas e das políticas públicas sobre proteção de dados pessoais, bem como das medidas de segurança, estimular a adoção de padrões para serviços e produtos que facilitem o exercício de controle dos titulares sobre seus dados pessoais, entre outras medidas.

17.              Como auxiliar deste órgão, propõe-se a criação de um Conselho Nacional de Proteção de Dados Pessoais e Privacidade, composto por representantes do poder público, setor privado, academia, comunidade técnica e organizações não-governamentais.

18.              A consolidação de um regime integrado de proteção de dados no Brasil mostra-se, assim, fundamental no ordenamento jurídico pátrio, de modo a possibilitar uma regulação integral do tema e a coesão de diversas iniciativas na área. Somente uma regulação geral assegurará a instituição de princípios harmônicos sobre o tema, proporcionando o controle dos riscos envolvidos no processamento de dados e assegurando o controle do cidadão em relação às suas próprias informações pessoais e, assim, garantindo a necessária segurança jurídica para a atividade empresarial e para a administração pública no tratamento de dados pessoais.

19. Essas, Senhora Presidenta, são as razões que justificam a apresentação do Anteprojeto de Lei que ora submetemos à elevada apreciação de Vossa Excelência.

 

Respeitosamente,                                    

 

 

                                                              Eugênio José Guilherme de Aragão                                                    Valdir Moysés Simão                                                      

                                                                            Ministro da Justiça                                                        Ministro de Estado do Planejamento,     

                                                                                                                                                                           Orçamento e Gestão