SUBCHEFIA DE ASSUNTOS PARLAMENTARES

EMI nº 00060/2016 MJ MMIRDH 

Brasília, 26 de abril de 2016.

Excelentíssima Senhora Presidenta da República,

                       

1.                 Submetemos à elevada consideração de Vossa Excelência proposta de anteprojeto de Lei que altera os arts. 161, 162, 164, 165, 169 e 292 do Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941- Código de Processo Penal, para dispor sobre procedimento de instauração de inquérito nos casos em que do emprego da força estatal resultar morte ou lesão corporal.

2.                 Considerando que a necessidade de controle da força estatal é tema que vem sendo debatido pela sociedade civil organizada e pelo governo brasileiro, especialmente por intermédio do Plano Juventude Viva, do Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial, da Juventude e dos Direitos Humanos, e de iniciativas do Ministério da Justiça, propõe-se novo marco legal via Executivo para sanar este grave problema de segurança pública.

3.                 Análise dos boletins de ocorrência lavrados para a formalização dos casos em que o emprego da força estatal resultou em mortes indica que grande parte dos casos é designada genericamente como “resistência seguida de morte” ou como “autos de resistência”. Além, diversos estudos apontam o número alarmante de pessoas mortas por agentes públicos, incluindo-se aqueles fora de serviço, com aumento percentual sensível nos últimos anos.

4.                 Ressalta-se aqui a dificuldade em se encontrar dados oficiais confiáveis sobre a letalidade policial. Essa dificuldade decorre não apenas da falta de transparência das estatísticas provenientes das secretarias de segurança pública dos Estados, mas também da forma como esses registros são feitos. Seja em razão da diversidade de nomenclatura que se adota nos boletins de ocorrência, seja em razão da não contabilização de determinadas categorias de mortes (por exemplo, mortes causadas por agentes públicos de segurança fora do horário de trabalho), a realidade é que não há dados confiáveis sobre o número total de mortes causadas por agentes públicos no país

5.                 Tal realidade ensejou o Relatório 141/11, de 31 de outubro de 2011, da Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos para o Estado Brasileiro, recomendando a eliminação imediata dos registros de mortes pela polícia por meio de autos de resistência. De igual forma dispõe o Relatório do Relator Especial da ONU para Execuções Extrajudiciais, Sumárias ou Arbitrárias - Philip Alston, que no item 21, b, expressa como inaceitável o modo de classificação e registro das mortes causadas por policiais com a designação de “autos de resistência”, impondo-se a investigação imparcial dos assassinatos classificados como “autos de resistência”.

6.                 Enfatiza-se que a deficiência das investigações desses casos de homicídios não só representa uma gritante violação dos direitos humanos, como também uma violação dos preceitos de Direito Internacional que o Brasil se comprometeu a respeitar perante a comunidade internacional.

7.                 A segunda consequência é mais grave, a influência deletéria que essa prática registral e essa subnotificação desempenham no incentivo à atuação estatal violenta. Designar um caso de morte violenta decorrente de intervenção policial como consequência do comportamento da vítima - que resistiu à ação policial -, faz com que toda a investigação seja conduzida a partir do pressuposto - ainda não provado -, de que o autor da morte agiu em legítima defesa ou em estrito cumprimento do dever legal.

8.                 Disso decorre que vários desses casos não são submetidos à devida apreciação do Poder Judiciário, porquanto são considerados como “mortes resultantes de confrontos entre policiais e criminosos” e tipificados como “resistência seguida de morte”, não sendo distribuídos à Vara do Júri, mas sim às Varas Criminais.

9.                 Nesse panorama, destacam-se as petições apresentadas sobre o tema na Comissão Interamericana de Direitos Humanos, nas Conferências de Políticas Públicas relativas à promoção da igualdade racial, aos direitos humanos e às políticas públicas para juventude, bem como ao Congresso Nacional e ao Poder Judiciário.

10.                Diversas organizações apresentaram reivindicações no sentido de disciplinar o registro de morte ou lesão decorrentes de emprego de força policial, dentre elas: Ação dos Cristãos Para Abolição da Tortura (ACAT-BRASIL); Associação Juízes Para a Democracia (AJD); Associação Pela Reforma Prisional (ARP); Coordenação Nacional de Entidades Negras (CONEN); Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD); Instituto Terra, Trabalho e Cidadania (ITTC); Justiça Global; Movimento Negro Unificado (MNU); Pastoral Carcerária – CNBB; e, por fim, Conectas Direitos Humanos.

11.                Dito isto, foi proposto, na Câmara dos Deputados, o Projeto de Lei n° 4.471, de 19 de setembro de 2012, que dispõe sobre procedimento de instauração de inquérito nos casos em que o emprego da força estatal resultar em morte ou lesão corporal grave. O Projeto, de autoria dos Deputados Paulo Teixeira (PT/SP), Fábio Trad (PMBD/MS), Delegado Protógenes (PCdoB/SP) e Miro Teixeira (PDT/RJ), foi encaminhado à Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado, na qual, em 26 de março de 2013, foi aprovado parecer do relator, Deputado Pastor Eurico, pela aprovação, com emendas. Em seguida, a proposição foi analisada pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania, e obteve parecer do relator, Deputado João Paulo Lima, pela aprovação, com emendas. O parecer foi aprovado em 7 de maio de 2013.

12.                Desde então, a matéria aguarda apreciação do Plenário. Apesar de terem sido protocolados requerimento de urgência e diversos requerimentos de inclusão na Ordem do Dia, o Projeto não foi votado. Por diversas vezes, o presidente da Casa se comprometeu a pautar o tema, o que, de fato, não ocorreu.

13.                Assim, o texto ora apresentado é resultado da consolidação de profundos debates ocorridos na Câmara dos Deputados a respeito do Projeto de Lei nº 4.471, de 2012, e tem por objetivo conferir celeridade à tramitação de pauta tão importante.

14.                No mérito, a presente iniciativa visa a proporcionar a ampliação do controle e da fiscalização sobre a atividade estatal, de maneira eficiente e independente, de modo a diminuir os abusos das autoridades públicas e garantir a responsabilização penal, reduzindo a violência e respaldando uma atuação dos agentes públicos condizente com o Estado Democrático de Direito.

15.                Os principais pontos da proposta são: a) veda o acompanhamento do exame de corpo de delito e da necropsia por pessoa estranha ao quadro de peritos e auxiliares; b) torna obrigatório, nos casos de morte violenta: exame interno, documentação fotográfica e coleta de vestígios encontrados durante o exame necroscópico; c) determina que os cadáveres sejam sempre fotografados na posição em que forem encontrados, bem como todas as lesões externas e vestígios deixados no local do crime; d) estabelece, no tocante ao exame do local, que a autoridade tome providências a fim de que não se altere o estado das coisas até a chegada dos peritos; e) fixa o prazo de até dez dias para entrega do laudo à autoridade requisitante nos casos de morte violenta ocorrida em ações com envolvimento de agentes do Estado; f) determina ao executor e aos auxiliares o uso moderado dos meios necessários para defesa ou para vencer a resistência no caso de haver, ainda que por parte de terceiros, resistência à prisão em flagrante, ou ao cumprimento de ordem judicial; g) estabelece que, se do emprego da força resultar ofensa à integridade corporal ou à vida do resistente, a autoridade policial competente deverá instaurar imediatamente inquérito para apurar esse fato, sem prejuízo de eventual prisão em flagrante – com imediata comunicação ao Ministério Público e à Defensoria Pública, sem prejuízo do posterior envio de cópia do feito ao órgão correcional correspondente e, onde houver, à Ouvidoria, ou órgão de atribuições análogas; e h) estabelece que o exame pericial do local deverá ser requisitado pela autoridade policial responsável pela investigação independentemente da remoção de pessoas e coisas, sempre que do evento resultar morte.

16.                Cumpre ressaltar, que o uso de força letal por parte dos agentes do Estado não configura necessariamente uma violência injustificada, sem causa excludente da ilicitude ou da culpabilidade que o acoberte. Por isso mesmo, é premente a necessidade de uma investigação imparcial diante da ocorrência de uma morte violenta causada por agente público.

17.                O Projeto ora proposto resguardará a ação devida dos agentes estatais, dado que será assegurada a produção de provas e o levantamento de indícios que autorizem a defesa da tese de existência da excludente de ilicitude na ação estatal. Ao se estabelecer que deverá ser instaurado inquérito policial próprio, se do emprego da força resultar lesão corporal ou morte no caso de resistência à prisão em flagrante ou àquela determinada por autoridade competente, resguarda-se o profissional de polícia no exercício regular de suas atribuições.            

18.                No mesmo sentido, em 4 de janeiro deste ano, resolução conjunta do Conselho Superior de Polícia, órgão da Polícia Federal, e do Conselho Nacional dos Chefes da Polícia Civil promoveu a uniformização dos procedimentos internos das polícias judiciárias federal e civis dos estados e aboliu o uso dos termos "auto de resistência" e "resistência seguida de morte" nos boletins de ocorrência e inquéritos policiais em todo o território nacional.

19.                Também, tendo como referência as diversas recomendações internacionais, as persistentes exigências da sociedade civil organizada e a legislação em direitos humanos sobre a matéria, o Conselho de Direitos da Pessoa Humana publicou, em 21 de dezembro de 2012, a Resolução n.º 08, que dispôs sobre a abolição de designações genéricas, como “autos de resistência” e “resistência seguida de morte” em registros policiais, boletins de ocorrência, inquéritos policiais e notícias de crime.

20.                O anteprojeto de Lei que ora se apresenta também fruto de ampla articulação da sociedade civil em reação ao uso desproporcional da força pelos agentes públicos e ao alto índice de letalidade das forças estatais no país. A origem da demanda data ainda da década de 90, a partir de notórias chacinas com participação policial, tendo ganhado força em 2011 com o aumento do número de casos de violência estatal.

21.                A presente iniciativa intenta, mediante alteração legislativa, garantir a adequada investigação de casos decorrentes do emprego da força estatal, extirpando as figuras da “resistência seguida de morte” e dos “autos de resistência”.

22.                Essas, Senhora Presidenta, são as razões que justificam a apresentação do Anteprojeto de Lei que ora submetemos à elevada apreciação de Vossa Excelência.

 

Respeitosamente,                                    

 

 

                                          

                                                                     Eugênio José Guilherme de Aragão                                            Nilma Lino Gomes

                                                                      Ministro do Planejamento, Orçamento                            Ministra das Mulheres, Igualdade Racial e

                                                                                           e Gestão                                                                   Direitos Humanos