CASA CIVIL 
 
SUBCHEFIA DE ASSUNTOS PARLAMENTARES

E.M.I. no 84/MF/C.Civil

Em 30 de abril de 2003.

 

Excelentíssimo Senhor Presidente da República,

 

Submetemos à apreciação de Vossa Excelência a inclusa Proposta de Emenda Constitucional que altera o Sistema Tributário Nacional e dá outras providências.

O tema “Reforma Tributária” tem sido recorrente nos debates nacionais, do ponto de vista do plano político, econômico ou social brasileiro, sem, entretanto, lograr-se êxito na efetivação das mudanças almejadas para a simplificação e a racionalização do Sistema Tributário Nacional.

Todavia, está claro que o Brasil necessita dessa reforma estrutural para elevação de sua eficiência econômica, estimulando a produção, o investimento produtivo e a geração de emprego e de renda.

Na busca da efetiva realização dessa reforma, foram desenvolvidos diversos debates sobre o tema, especialmente no âmbito do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, que congrega cidadãos atuantes da sociedade civil organizada e, também, com representações dos governos municipais e estaduais.

Há que se destacar o papel fundamental de todos os Governadores de Estado, que participaram ativa e construtivamente na concepção da proposta. A parceria dos Governadores com o Poder Executivo Federal foi essencial para que a presente proposta de Emenda verdadeiramente refletisse as demandas estaduais relativas à racionalização do Sistema Tributário Nacional.

Igualmente importante foi a participação das representações dos Municípios brasileiros, que contribuíram para o aperfeiçoamento da concepção do novo modelo e, em especial, da tributação desses Entes Federados.

Constitui-se, assim, em bases sólidas e democráticas, amplo e salutar fortalecimento federativo em torno das alterações a serem implementadas.

A partir desse conjunto de debates e do acordo sobre o tema obtido no Congresso Nacional, ao final do ano de 1999, produziram-se diagnósticos dos principais problemas a serem enfrentados e foram delineados os mecanismos necessários para o equacionamento de tais problemas, chegando-se a importantes convergências.

A presente proposta de reorganização do Sistema Tributário Nacional procura concretizar justamente o produto desses debates.

É certo que a reorganização desse Sistema é decisiva, da perspectiva das relações internas ou internacionais, para o bom funcionamento da economia e a melhor equação para as questões sociais, especialmente em decorrência do desenvolvimento da produção nacional.

No caso da seguridade social, a contribuição sobre a folha de salários tem se apresentado como um encargo que não estimula o emprego formal. Portanto, impõe-se mudar a lógica de financiamento da seguridade social para estimular a formalização das relações de trabalho, incentivando os setores que empregam mais trabalhadores e contribuindo, até mesmo, para torná-los mais competitivos.

A minoração da regressividade do sistema impositivo deverá resultar da ampliação e do aprimoramento da tributação direta, especialmente, pela progressividade que lhe está sendo conferida. No caso dos tributos indiretos, esse processo se dará pelos mecanismos de seletividade, observando-se a redução do ônus para as populações de baixa renda, mediante redução da carga tributária sobre os bens de consumo popular, em especial, sobre os gêneros alimentícios de primeira necessidade.

O novo modelo contemplará, também, a ampliação do universo de contribuintes, de forma a aumentar a distribuição do ônus tributário, com ênfase para a redução da evasão tributária e da informalidade. Nessa perspectiva, pode-se vislumbrar, inclusive, um redimensionamento das cargas tributárias individuais.

As mudanças no sistema de benefícios tributários também deverão contribuir para a ampliação da base impositiva e para o aumento do número de contribuintes, o que configurará grandes avanços para obtenção do equilíbrio concorrencial.

A maior eficiência será alcançada pela simplificação do sistema impositivo, reduzindo-se inclusive o custo do cumprimento das obrigações e do controle pelas administrações tributárias.

Reduzir a sonegação significa reduzir um dos mais injustos ônus sociais, pois com essa prática surge a competição desleal, trazendo vantagens econômicas para os sonegadores e reduzindo a competitividade dos bons contribuintes.

Não se pode olvidar também que o sistema tributário vigente sedimentou um nível de disponibilidade de receita para os entes federativos, o que torna inconveniente realizar uma reforma que reduza os níveis de arrecadação da União, dos Estados ou dos Municípios. Proceder à ruptura desse sistema poderia significar grandes transtornos à sociedade, inclusive pondo em risco a prestação dos serviços públicos.

Revela-se aí o desafio de mudar o modelo sem causar reduções nas receitas disponíveis e tampouco elevar a carga tributária total do País.

A superação desse desafio passa necessariamente pelo aumento da eficiência geral do sistema. Ou seja, arrecadar o mesmo, mas de forma mais justa, distribuída e eficiente, não causando impacto na disponibilidade dos entes federativos.

Adentrando ao detalhamento das mudanças propostas, tem-se, no que concerne ao imposto, de competência federal, incidente sobre as grandes fortunas, a eliminação da necessidade de regulamentação por lei complementar, equiparando-o, nesse aspecto, aos demais impostos que são regulamentáveis por lei ordinária.

Quanto ao imposto sobre a propriedade territorial rural (ITR), de competência federal, propõe-se transferi-lo para a competência dos Estados e do Distrito Federal, mantendo-se, porém, regulação por lei complementar. Tal medida objetiva permitir que a fiscalização, arrecadação e administração desse tributo sejam efetuadas pelos referidos entes federativos, que, por constituir a região geográfica em que se localiza o imóvel objeto da incidência, têm maior facilidade de controle da imposição.

A proposta contempla a determinação de sua progressividade, o que reforça a disposição constitucional de que o ITR deve desestimular a manutenção de propriedades improdutivas, sobretudo daquelas que possuam grandes extensões.

Ademais, permite o aprimoramento da utilização do imposto como instrumento efetivo de aplicação de políticas públicas relativas à ocupação de terras, uma vez que os Estados e o Distrito Federal contam com estruturas fiscalizatórias e arrecadatórias fisicamente mais próxima dos imóveis rurais. Mantém, outrossim, a destinação de 50% (cinqüenta por cento) da arrecadação desse tributo para o Município de localização do imóvel.

Determina-se, também, a progressividade para o imposto sobre a transmissão causa mortis e doação de quaisquer bens ou direitos – ITCD, objetivando torná-lo mais gravoso em relação às operações que importem transmissões de patrimônio de maior vulto, bem como o disciplinamento de suas alíquotas por meio de lei complementar, que trará para o âmbito do Congresso Nacional a discussão da matéria, antes restrita ao Senado Federal.

No tocante ao imposto de competência estadual sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação (ICMS), tem-se, atualmente, um quadro de grande complexidade da legislação. Cada um dos Estados mantém a sua própria regulamentação, formando um complexo de 27 (vinte e sete) diferentes legislações a serem observadas pelos contribuintes. Agrava esse cenário a grande diversidade de alíquotas e de benefícios fiscais, o que caracteriza o quadro denominado de “guerra fiscal”.

Tais circunstâncias trazem prejuízos ao cumprimento das obrigações tributárias pelos contribuintes, dificultam a administração, a arrecadação e a fiscalização do imposto e remetem, ainda, a graves problemas econômicos, pois os diferentes tratamentos estabelecidos provocam, muitas vezes, desequilíbrios concorrenciais e insegurança na definição de investimentos.

Para reversão desse quadro, atentando para a preservação da competência estadual desse tributo, propõe-se a uniformização das legislações, com regulação do imposto exclusivamente por normas de caráter nacional. Assim, o ICMS passará a ser regulado por lei complementar e por regulamento editado por órgão colegiado composto por representantes dos Estados e do Distrito Federal, sendo vedada adoção de norma estadual autônoma.

No mesmo sentido, há proposição de uniformização das alíquotas do imposto, que serão em número máximo de cinco. O estabelecimento dos padrões nacionais de alíquota será prerrogativa do Senado Federal, cabendo ao já mencionado órgão colegiado dos Estados definir a que mercadorias, bens ou serviços elas serão aplicadas.

Atentando-se para a seletividade do imposto e buscando reduzir a regressividade de sua incidência, propõe-se a aplicação da menor alíquota para as operações com gêneros alimentícios de primeira necessidade, conforme definição em lei complementar. O órgão colegiado dos Estados poderá prever a aplicação dessa alíquota para outras mercadorias, bens ou serviços.

Mantém-se o sistema de alíquotas interestaduais, que determina o sistema misto de partilha do imposto relativamente a operações e prestações ocorridas entre remetente e destinatário localizados em diferentes Estados.

Para ampliar a eficiência de sua administração e arrecadação, propõe-se, para essas operações interestaduais, a cobrança na origem, inclusive da parcela de imposto que caberá ao Estado de destino das mercadorias, bens ou serviços. Desse modo, uniformiza-se a incidência relativamente ao contribuinte que efetua a operação ou prestação, sejam elas internas ou interestaduais.

Ressalte-se que a cobrança na origem não se confunde com a questão da partilha da receita (observância do princípio da origem, do destino ou misto). Essa definição sobre a cobrança diz respeito apenas ao local onde será exigido o imposto, mas não a quem se destinará o produto de sua arrecadação.

Em realidade, implementadas a unificação da legislação e a cobrança do imposto na origem, prepara-se a estrutura para se enfrentar a questão da partilha de receita entre os Estados de origem e de destino, possibilitando eventual alteração do atual sistema, que observa um princípio misto.

Também alinhada às diretrizes de uniformização e simplificação, está a proposta de vedação de concessão de benefícios e incentivos fiscais ou financeiros, que propiciará, especialmente, o fim da competição predatória entre os Estados e a melhoria da eficiência arrecadatória do ICMS.

Propõe-se, ainda, elevar-se à sede constitucional a desoneração das exportações, assegurando-se o aproveitamento ou a manutenção dos créditos relativos aos insumos dos produtos exportados, situação que atualmente está regulada em lei complementar.

Por fim, a transição para o novo modelo do ICMS será definida pela lei complementar, ficando vedadas, desde logo, a concessão ou a prorrogação de quaisquer benefícios ou incentivos fiscais ou financeiros atualmente existentes.

Para o imposto municipal incidente sobre a transmissão inter vivos, por ato oneroso, de bens imóveis ou de direitos sobre estes (ITBI), também se autoriza, expressamente, a sua progressividade em razão do valor do imóvel alienado, possibilitando ainda a aplicação de alíquotas diferenciadas em função da localização ou uso do imóvel.

A partir de solicitação de entidades representativas dos Municípios e tendo em conta as distorções provocadas pelo atual sistema de distribuição da participação dessas pessoas políticas na arrecadação do ICMS, propõe-se retirar da Constituição os critérios definidores do índice de participação, remetendo-se a fixação desses critérios à lei complementar.

Com vistas à promoção do desenvolvimento integrado e sustentado do País, propõe-se destinar dois por cento do produto da arrecadação do imposto de renda (IR) e sobre produtos industrializados (IPI) para um fundo nacional de desenvolvimento regional, que terá seus recursos aplicados na realização de uma política voltada ao crescimento de regiões ou zonas menos desenvolvidas do País.

O Brasil apresenta desequilíbrios regionais gravíssimos, sendo, portanto, necessários instrumentos que viabilizem a correção desse cenário, estabelecendo mecanismos que promovam um novo equacionamento das vantagens comparativas para a realização de investimentos produtivos.

Tal medida assume, então, primordial importância para promoção do equilíbrio regional, também propiciando a eliminação de instrumento pouco saudável à Federação, a denominada “guerra fiscal”, incentivando o investimento e estimulando o crescimento das regiões e zonas menos desenvolvidas do País.

A presente proposta de Emenda Constitucional introduz, também, com a inserção do inciso IV ao art. 195, a contribuição sobre movimentação ou transmissão de valores e de créditos e direitos de natureza financeira, agora em caráter permanente, com o propósito de estabelecer a redução de sua alíquota no tempo, condicionada à instituição de fontes substitutivas de arrecadação, remanescendo alíquota mínima destinada, tão-somente, ao controle fiscal.

Todavia, para que a cobrança da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira – CPMF, instituída pela Lei nº 9.311, de 24 de outubro de 1996, não sofra solução de continuidade, está sendo inserido o art. 93 no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, com o fito de assegurar a sua cobrança até que seja exigida a contribuição permanente retromencionada.

Outra relevante alteração no Capítulo da Seguridade Social reside na opção criada pelo § 12 do art. 195, que possibilitará a substituição, total ou parcial, da contribuição social sobre a folha de salários por outra que incida sobre receita ou faturamento, de forma não-cumulativa.

A medida contempla transformação histórica na forma de cobrança da contribuição previdenciária incidente sobre a folha de salários, mediante a redução da carga tributária sobre a geração de emprego, que é objetivo econômico e social a ser perseguido. Assim, auxiliará no processo de formalização das relações de trabalho e estimulará os setores que empregam mais trabalhadores.

O resultado para a economia é positivo, assim como deverá trazer ganhos importantes em termos de competitividade, uma vez que permitirá, também, a desoneração das exportações. O aumento do emprego formal, além de seu reflexo social positivo, poderá auxiliar na própria arrecadação da Previdência Social.

A inserção do parágrafo único no art. 203 traz a previsão, de cunho altamente social, de instituição, pela União, do programa de renda mínima, destinada a assegurar e manter a dignidade das famílias de baixa renda, mediante financiamento solidário e realização de convênios com os Estados, o Distrito Federal e os Municípios.

Por sua vez, a inserção do § 15 ao art. 195 contempla a fixação de alíquota mínima da contribuição social sobre o lucro, aplicável às instituições referidas no inciso I do art. 192 da Constituição, definindo que a mesma não poderá ser inferior à maior daquelas estabelecidas para as demais empresas.

A nova redação dada ao art. 76 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias amplia o prazo de vigência de uma norma relevante na condução da política econômica do Governo Brasileiro. Embora os indicadores da economia nacional estejam, hoje, bem melhores do que no passado, a cautela exige que se mantenha vigente tal comando até que as condições macroeconômicas e as incertezas do cenário internacional desapareçam.

Por fim, os art. 3o a 9o da presente proposta de Emenda Constitucional contemplam a forma de disciplinamento do regime de transição, a vigência dos dispositivos alterados ou inseridos e as revogações pertinentes.

Por esses motivos, em conformidade com as diretrizes traçadas por Vossa Excelência, encaminho proposta de Reforma Tributária que, mantendo a arrecadação nas três esferas de governo e fortalecendo a Federação, objetiva estimular a atividade econômica e a competitividade do País, através da racionalização e simplificação dos tributos, e promover a justiça social, desonerando as pessoas de menor renda e ampliando a progressividade do sistema.

Respeitosamente,

   

ANTONIO PALOCCI FILHO
Ministro de Estado da Fazenda


JOSÉ DIRCEU DE OLIVEIRA E SILVA
Ministro de Estado Chefe da Casa Civil
da Presidência da República