SECRETARIA-EXECUTIVA

EMI n° 00025/2019 BACEN ME

 

Brasília, 11 de Abril de 2019.

                    Excelentíssimo Senhor Presidente da República,


 

Submetemos à apreciação de Vossa Excelência o anexo Projeto de Lei Complementar, que dispõe sobre a autonomia técnica, operacional, administrativa e financeira do Banco Central do Brasil, define seus objetivos e altera a Lei nº 4.595, de 31 de dezembro de 1964.

2.                As experiências negativas observadas nas décadas de 70 e 80 ao redor do mundo, quando a inflação e o desemprego assumiram tendências persistentes de elevação, fortaleceram o entendimento de que bancos centrais devem ser institucionalmente focados na proteção do valor da moeda e isolados de pressões contrárias ao cumprimento desse mandato.

3.                A experiência nacional, da mesma maneira, evidencia como são elevados os custos de uma política não comprometida com a estabilidade monetária. Ao se revelar impotente para combater efetivamente a elevação dos preços, a política econômica adotada até o início da década de 1990 possibilitou o surgimento de círculo vicioso monetário e fiscal, em que a mera existência da inflação distorcia profundamente os resultados fiscais e ampliava os gastos públicos. Nesse contexto, o pretenso ajuste do setor público consistia, na realidade, em mera postergação de despesas e exigia, para subsistir, a manutenção e mesmo a ampliação das taxas inflacionárias anteriormente vigentes.

4.                Por outro lado, o sucesso do processo de estabilização econômica, iniciado em 1994, demonstra os benefícios decorrentes da estabilidade monetária, que se tornou patrimônio de toda a sociedade. A atuação responsável da autoridade monetária contribui para o crescimento da economia, ao gerar estabilidade monetária e financeira, o que leva a riscos e juros estruturais menores, assentando as bases para o aumento da produtividade, da eficiência na economia e, em última instância, do crescimento sustentável, objetivo da sociedade como um todo.

5.                A despeito desse significativo avanço histórico, o Brasil ainda se encontra em descompasso com a enorme maioria das jurisdições democráticas e liberais em todo o mundo, pois falta-lhe base estatutária consistente para a condução das políticas voltadas à estabilidade monetária e financeira. Para assegurar que o Banco Central continue desempenhando esse papel de maneira robusta e com segurança jurídica, mostra-se necessário consagrar em lei a situação de facto hoje existente, na qual a autoridade monetária goza de autonomia operacional e técnica para cumprir as metas de inflação definidas pelo Conselho Monetário Nacional (CMN).

6.                O primeiro elemento necessário para a autonomia da autoridade monetária é a definição expressa de seus objetivos. A definição do objetivo institucional do Banco Central confere maior credibilidade à atuação da autoridade monetária, na medida em que traça diretriz com fundamento na qual a sociedade pode acompanhar seus resultados e fiscalizar a execução das correspondentes políticas. Assim, em linha com as melhores recomendações e práticas internacionais, propõe-se estabelecer expressamente a manutenção da estabilidade de preços como objetivo fundamental da autoridade monetária.

7.                Em conformidade com esse objetivo fundamental, compete ao Banco Central utilizar os instrumentos que a lei põe à sua disposição, mediante labor eminentemente técnico, objetivo e imparcial, para implementar as metas de política monetária estabelecidas pela autoridade política competente (o Conselho Monetário Nacional).

8.                Sem perder de vista o objetivo fundamental de manutenção da estabilidade de preços, revela-se também importante consagrar, como objetivo complementar do Banco Central, a manutenção da estabilidade financeira. A explicitação desse mandato complementar harmoniza-se com a importância de se dispor de um sistema financeiro funcional e apto a prover à sociedade brasileira, com eficiência e segurança, o crédito necessário para o crescimento sustentável da economia, além de preservar canais efetivos de transmissão da política monetária.

9.                Outro aspecto relevante do arcabouço legal orientado à autonomia do Banco Central refere-se ao estabelecimento de mandatos fixos e escalonados e à definição clara das hipóteses de designação e exoneração de seus dirigentes. Com tais medidas, busca-se dissociar a política monetária do ciclo político eleitoral, eliminando interferências que poderiam ser deletérias para a manutenção da estabilidade monetária e financeira e, consequentemente, para a sustentabilidade em longo prazo da economia brasileira.

10.              Ademais, mostra-se imprescindível a introdução de arranjos administrativos que salvaguardem a gestão necessária para dar suporte à autonomia operacional do Banco Central, conferindo-se à autoridade monetária a condição de autarquia de natureza especial, caracterizada pela ausência de vinculação a Ministério, de tutela ou de subordinação hierárquica, bem como pela autonomia técnica, operacional, administrativa e financeira. Consequência desse arranjo institucional é que se preveja o Banco Central como órgão setorial integrante dos sistemas da administração pública federal, de modo a conciliar os procedimentos administrativos específicos da autoridade monetária com as diretrizes governamentais gerais de gestão orçamentária, financeira e funcional, respeitando, no entanto, as especificidades da autoridade monetária para garantir o adequado registro, acompanhamento e controle dos atos e fatos ligados à sua gestão.

11.              Aspecto igualmente relevante e salientado na experiência internacional corresponde à adequada proteção legal de dirigentes e servidores da autoridade monetária, com vistas na maior assertividade e eficácia das políticas públicas de que se encontram incumbidos. É importante, assim, resguardar tais agentes públicos quanto às ações praticadas de boa-fé no exercício de suas atribuições legais, conferindo-lhes a serenidade necessária para a adoção de medidas voltadas à manutenção da estabilidade monetária e financeira, em especial em cenários de crise.

12.              Por fim, como contrapartida à autonomia na execução das políticas públicas sob sua responsabilidade, cumpre destacar a necessidade de mecanismos de prestação de contas e de responsabilização do Banco Central. Tais mecanismos visam a propiciar a supervisão da sociedade sobre a atuação da autoridade monetária no cumprimento de seus mandatos legais, o que, em última instância, consolida a legitimidade da condução de suas políticas e fortalece a integridade da instituição. Adicionalmente, a transparência das ações da autoridade monetária alinha-se à adequada conformação de expectativas em mercado, ampliando a eficácia da política monetária e incentivando a melhoria do desempenho institucional e a coordenação entre as políticas macroeconômicas.

13.              Assentadas tais premissas, permitimo-nos trazer à consideração de Vossa Excelência o anexo Projeto, que define os objetivos do Banco Central do Brasil, dispõe sobre sua autonomia técnica, operacional, administrativa e financeira e altera a Lei nº 4.595, de 31 de dezembro de 1964.

14.              A ementa e o art. 1º, seguindo a boa técnica de redação de atos normativos, estipulam o objeto da proposição e delimitam seu âmbito normativo. Dedica-se o art. 2º, a seu turno, à fixação do objetivo fundamental de assegurar a estabilidade de preços, destacando ainda que, sem prejuízo desse objetivo, compete igualmente ao Banco Central do Brasil zelar pela estabilidade financeira.

15.              No art. 3º, explicita-se a competência do Conselho Monetário Nacional para fixar as metas de política monetária, bem como a competência privativa do Banco Central para conduzir a política necessária ao cumprimento de tais metas.

16.              O art. 4º lança as bases da autonomia técnica, operacional, administrativa e financeira do Banco Central, especificando tratar-se de autarquia de natureza especial, não vinculada a qualquer Ministério e não sujeita a tutela nem subordinação hierárquica. Dispõe ainda o referido preceito que o Banco Central integra os sistemas da administração pública federal na condição de órgão setorial. Para registro, execução e controle de suas atividades, poderá o Banco Central manter sistemas informatizados próprios, compatíveis com sua natureza especial.

17.              O art. 5º dispõe que o Banco Central será administrado por Diretoria Colegiada, composta por um Presidente e oito Diretores, escolhidos entre cidadãos brasileiros caracterizados por idoneidade, reputação ilibada e comprovados conhecimentos que os qualifiquem para a função.

18.              O art. 6º cuida, inicialmente, da nomeação do Presidente e dos Diretores do Banco Central, explicitando a sistemática de nomeação pelo Presidente da República, após a aprovação dos nomes pelo Senado Federal, em consonância com a disciplina constitucional em vigor.

19.              Tendo em vista o estabelecimento de mandatos para os dirigentes (nos arts. 7º e 8º, adiante comentados), o art. 6º estabelece ser possível uma recondução para os ocupantes dos cargos de Presidente e Diretor, além de estabelecer, em enumeração exaustiva, as hipóteses de exoneração. Duas são as sistemáticas para a exoneração:

(a) por ato do Presidente da República:

(i) a pedido do próprio dirigente;

(ii) em função de enfermidade incapacitante; ou

(iii) em razão de condenação com trânsito em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, pela prática de atos de improbidade ou de crimes cuja pena acarrete proibição de acesso a cargos públicos;

(b) por ato do Presidente da República, antecedido de aprovação pela maioria absoluta do Senado Federal, em caso de comprovado e recorrente desempenho insuficiente para alcance dos objetivos do Banco Central, mediante proposta submetida ao Presidente da República pelo Conselho Monetário Nacional.

20.              Os arts. 7º e 8º fixam em quatro anos os mandatos do Presidente e dos Diretores do Banco Central, com início no dia 1º de março do correspondente ano. Os mandatos dos dirigentes são fixados de maneira escalonada em relação ao mandato do Presidente da República, iniciando-se o mandato do Presidente do Banco Central no segundo ano de mandato do Presidente da República. Quanto aos Diretores, o art. 8º prevê a nomeação de dois a cada ano do mandato presidencial.

21.              O art. 9º promove alterações na Lei nº 4.595, de 31 de dezembro de 1964, buscando explicitar e aprimorar a forma de tratamento contábil dos fatos da gestão do Banco Central, de maneira compatível com sua natureza especial e com o papel de autoridade monetária, além de alinhar a regulação e utilização dos instrumentos de política monetária e a governança interna da autarquia especial ao contexto de autonomia.

22.              O art. 10 consagra a proteção legal de dirigentes e servidores do Banco Central por atos praticados de boa fé no exercício de suas atribuições legais, alinhando-se às recomendações internacionais na matéria.

23.              O art. 11, a seu turno, especifica os instrumentos orientados à transparência e prestação de contas pelo Banco Central, sem prejuízo das demais obrigações previstas na legislação em vigor. O referido preceito destaca, nessa linha, os comunicados e atas das decisões de política monetária, os relatórios de inflação, os relatórios de estabilidade financeira, os indicadores de conjuntura e outras informações de interesse geral, a utilização de consultas públicas e outros mecanismos de participação da sociedade, os relatórios de administração, os relatórios de execução orçamentária e financeira e a auditoria independente das demonstrações financeiras da autoridade monetária, sem prejuízo das auditorias conduzidas pelo TCU.

24.              O art. 12 estabelece regra de transição, assinalando o dia 1º de março de 2020 como marco para o início dos mandatos do Presidente e dos Diretores do Banco Central. O dispositivo prevê prazos diferenciados para os mandatos iniciais, de modo a permitir que se alinhem ao escalonamento previsto nos arts. 7º e 8º do Substitutivo.

25.              Por fim, tendo em vista que a possibilidade de exoneração ad nutum do titular de cargo de Ministro de Estado é incompatível com o exercício de mandatos fixos, o art. 13 dispõe sobre a transformação do cargo de Ministro hoje detido pelo Presidente do Banco Central em cargo de natureza especial.

Essas são, Excelentíssimo Senhor Presidente, as razões que recomendam a adoção do anexo Projeto de Lei Complementar, que ora submetemos a vossa elevada consideração.


 

                   Respeitosamente,

 

 

ROBERTO DE OLIVEIRA CAMPOS NETO

Presidente do Banco Central do Brasil

MARCELO PACHECO DOS GUARANYS

Ministro de Estado da Economia, substituto