Presidência da República
Casa Civil
Secretaria Especial para Assuntos Jurídicos

EMI n° 00005/2023 BACEN MF

 

Brasília, 13 de Abril de 2023.

          

Excelentíssimo Senhor Presidente da República,

  1. Submetemos à elevada apreciação de Vossa Excelência minuta de projeto de lei que trata de aprimoramento no arcabouço legal relativo às Infraestruturas do Mercado Financeiro no âmbito do Sistema de Pagamentos Brasileiro.
  2. O Sistema de Pagamentos Brasileiro (SPB) é integrado pelos serviços de compensação de cheques, de compensação e liquidação de ordens eletrônicas de débito e de crédito, de transferência de fundos e de outros ativos financeiros, de compensação e de liquidação de operações com títulos e valores mobiliários, de compensação e de liquidação de operações realizadas em bolsas de mercadorias e de futuros, de depósito centralizado e de registro de ativos financeiros e de valores mobiliários. As estruturas que realizam isolada ou conjuntamente essas atividades a partir de um conjunto homogêneo de regras e de procedimentos, operacionalizadas por meio de sistemas de tecnologia da informação são denominadas Infraestruturas do Mercado Financeiro (IMFs).
  3. No Brasil, as IMFs estão sujeitas à supervisão do Banco Central do Brasil (BCB) e da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), em suas respectivas áreas de competência. A maior parte do arcabouço normativo vigente foi montado para a reforma do Sistema de Pagamentos Brasileiro em 2001 (Lei nº 10.214/2001; Lei nº 10.303/2001). Esse arcabouço, contudo, apresenta pontos a serem aprimorados, tratados na presente proposta.
  4. Nesse sentido, a proposição busca consolidar e atualizar as normas legais aplicáveis às IMFs e às respectivas entidades operadoras, em linha com as melhores práticas internacionais constantes do documento “Princípios para Infraestruturas do Mercado Financeiro” (Principles for Financial Market Infrastructures ou PFMI), publicado, em conjunto, em 2012, pelo Comitê de Sistemas de Liquidação e de Pagamentos (Committee on Payment and Settlement Systems - CPSS), atualmente, denominado Comitê de Pagamentos e de Infraestruturas do Mercado (Committee on Payments and Market Infrastructures - CPMI) do Banco de Compensações Internacionais, e pelo Comitê Técnico da Organização Internacional de Comissões de Valores (International Organization of Securities Commissions - IOSCO).
  5. Como membros respectivamente da IOSCO e do CPMI, a CVM e o BCB são participantes ativos da iniciativa global de referência representada pelos Princípios para Infraestruturas do Mercado Financeiro. O BCB e a CVM utilizam os PFMI na supervisão, no monitoramento e na fiscalização das entidades por eles autorizadas a funcionar, o que é demonstrado pelas normas infralegais em vigor (resoluções do CMN, comunicados e resoluções do BCB e instruções ou resoluções da CVM).
  6. Ressalte-se que, no âmbito do G20, o Brasil já se comprometeu a incorporar em seu ordenamento jurídico as melhoras práticas trazidas pelos PFMI e que a avaliação da CPMI e IOSCO, referente a maio de 2018 e publicada em novembro de 2020, considerou as estruturas regulamentares e de supervisão brasileira das IMFs aderentes aos princípios, com base não apenas na regulação infralegal de BCB e CVM, mas também na publicação de documentos de política (policy) emitidos por esses reguladores. Porém, houve por parte dos avaliadores indicação explícita quanto à necessidade de se aprimorar o arcabouço jurídico, com vistas a lhe conferir maior robustez, clareza e segurança, em especial, no que se refere à superação do paradigma anterior em prol do novo paradigma instituído a partir da publicação dos PFMI.
  7. Com relação ao objeto de aplicação do novo arcabouço jurídico, substituem-se os termos “câmara” e “prestador de serviço de compensação e de liquidação” por “entidade operadora de infraestrutura do mercado financeiro”; da mesma forma, o termo “sistema de compensação e de liquidação” torna-se “infraestrutura do mercado financeiro”, passando a abarcar, com a nova designação, todas as atividades tratadas no âmbito dos PFMI.
  8. Redefine-se a abrangência do Sistema de Pagamentos Brasileiro (SPB), que passa a ser entendido como o arcabouço jurídico, procedimental e tecnológico por meio do qual são realizados: i) o processamento e a liquidação de operações de transferência de fundos, de ativos financeiros e de valores mobiliários; ii) a guarda centralizada de ativos financeiros e de valores mobiliários, fungíveis e infungíveis, o controle de sua titularidade efetiva e o tratamento de seus eventos; iii) o armazenamento de informações referentes a ativos financeiros e a valores mobiliários, incluindo as operações com eles realizadas e as garantias a elas vinculadas; e iv) a prestação de serviços de pagamento disciplinados no âmbito dos arranjos de pagamento de que trata a Lei nº 12.865, de 9 de outubro de 2013.
  9. Em atenção à maior complexidade e especificidade das atividades abarcadas pelos PFMI, definem-se as infraestruturas do mercado financeiro como a realização de atividades delineadas por um conjunto homogêneo de regras, de procedimentos e de sistemas de tecnologia da informação destinados, isolada ou conjuntamente, i) ao processamento de operações para liquidação; ii) ao gerenciamento dos riscos inerentes à liquidação; iii) à manutenção de contas financeiras; iv) ao depósito centralizado; e v) ao registro.
  10. Nas normas atualmente em vigor, as competências tanto do BCB quanto da CVM estão dispostas de maneira genérica. Pela Proposta, há divisão mais clara de competências. BCB e CVM terão a competência conjunta de regulamentar a organização e governança das IMFs, as atividades de depósito centralizado e registro informacional, o gerenciamento dos riscos gerais do negócio e processamento de operações para liquidação. Questões de interesse dos dois órgãos reguladores e que afetam a entidade operadora de infraestrutura como um todo devem ser regulamentadas pelas duas autarquias conjuntamente. As questões relacionadas à contenção de risco sistêmico e à promoção da estabilidade financeira e do bom funcionamento do Sistema Financeiro Nacional configuram competência privativa do BCB. À CVM competirá se manifestar sobre IMFs que atuem com valores mobiliários.
  11. A competência para autorizar o funcionamento das infraestruturas será exercida pelo BCB e, naquelas atividades supervisionadas pela CVM, também por esta Autarquia. Da mesma forma, o exercício do poder de polícia deve ser realizado relativamente às matérias avaliadas por cada uma das autarquias por ocasião da autorização para funcionamento.
  12. Prevê-se que o Conselho Monetário Nacional (CMN) poderá editar normas complementares para a coordenação de competências entre BCB e CVM, e que a regulamentação eventualmente expedida por essas autarquias deverá observar as diretrizes editadas pelo CMN.
  13. A fim de garantir a saída ordenada do mercado, delimita-se a obrigatoriedade de pedido de cancelamento da autorização de funcionamento pela entidade que deseje encerrar atividades exercidas no âmbito de uma infraestrutura do mercado financeiro.
  14. Em relação às entidades operadoras de infraestruturas do mercado financeiro que atuam no mercado de capitais, mantiveram-se os poderes a elas conferidos na Lei nº 6.385, de 7 de dezembro de 1976, no papel de órgãos auxiliares da CVM, para fiscalizar seus participantes e as operações nelas realizadas, visando ao bom funcionamento do sistema de distribuição de valores mobiliários. A proposta faculta, ainda, ao BCB atribuir poderes de fiscalização a essas entidades nas matérias atinentes ao SPB.
  15. Em relação à organização e à governança das instituições operadoras de IMFs, propõe-se que devam ser constituídas sob a forma de sociedade anônima. Para as instituições operadoras não constituídas sob a forma de sociedade anônima que operem em infraestruturas do mercado financeiro que tenham sido autorizadas a funcionar até a entrada em vigor desta Lei, os reguladores competentes estabelecerão prazo para conversão em sociedade anônima.
  16. Definem-se critérios de participação ampla nas infraestruturas do mercado, admitindo-se restrições somente para a contenção de riscos. Dessa forma, poderão figurar como participantes diretos para fins de liquidação financeira: i) instituições financeiras e de pagamentos e demais instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil; ii) instituições operadoras de infraestruturas do mercado financeiro, sediadas no Brasil ou no exterior; ou iii) autoridades monetárias e bancos centrais estrangeiros, além de organismos internacionais.
  17. Com relação à estabilidade do Sistema Financeiro Nacional, matéria que já tem destaque no ordenamento jurídico vigente, amplia-se o rol de exigências de caráter prudencial, em linha com as melhores práticas internacionais, além de conferir maior segurança jurídica aos mecanismos de mitigação dos riscos financeiros. Nesse sentido, além das contrapartes centrais (CCP) – cuja necessidade de atuação em determinada infraestrutura será avaliada pelo BCB –, acrescenta-se a figura do garantidor, com atribuições similares à de uma CCP, para aquelas situações em que o pagamento é unilateral (i.e., não há na infraestrutura uma obrigação conexa ao pagamento).
  18. Aprimoram-se, dessa forma, questões relacionadas ao gerenciamento dos riscos inerentes à liquidação. Havendo compensação, bilateral ou multilateral, considera-se liquidada a obrigação: i) quando iniciado o ciclo de liquidação, em IMFs que contem com a atuação de contraparte central ou de garantidor; e ii) no momento em que todas as posições devedoras, financeiras ou em ativos financeiros ou valores mobiliários, forem adimplidas, em IMFs que não contem com a atuação de contraparte central ou de garantidor.
  19. Como forma de aprimorar o gerenciamento dos riscos gerais do negócio, propõe-se que as instituições operadoras de IMFs devem manter recursos suficientes para suportar perdas decorrentes do risco geral do negócio, em montante por ela definido e aprovado pelos reguladores competentes. O montante dos recursos mantidos pela instituição operadora deverá considerar seu perfil de risco e o tempo necessário para recuperação ou para o encerramento ordenado das atividades das infraestruturas do mercado financeiro que opera, não podendo ser inferior ao limite mínimo estabelecido pelos reguladores competentes.
  20. Cite-se, também, a obrigatoriedade de as instituições operadoras possuírem um plano de recuperação aprovado pelo Banco Central do Brasil. O plano deve contemplar as ações e os procedimentos a serem realizados na ocorrência de eventos que caracterizem o estado de recuperação, objetivando restaurar a solidez e a viabilidade da instituição, necessárias para a continuidade das atividades desempenhadas. No estado de recuperação, isto é, no momento de grave comprometimento da situação econômica ou financeira da instituição, o Banco Central do Brasil e a Comissão de Valores Mobiliários definirão critérios específicos de vigilância e de supervisão.
  21. Acrescenta-se, por fim, o Artigo 36-A ao Decreto-Lei nº 73, de 21 de novembro de 1966, que dispõe sobre o Sistema Nacional de Seguros Privados. Propõe-se a regulamentação da atividade de registro de operações de seguros, de previdência complementar aberta, de capitalização e de resseguros, desempenhada por entidades registradoras autorizadas a operar nos mercados supervisionados pela Superintendência de Seguros Privados (SUSEP). Ainda que essa atividade já seja conduzida no âmbito da legislação vigente, a presente proposta busca aproximação à estrutura regulatória das autoridades de supervisão do mercado financeiro e de capitais, incorporando necessários aclaramentos e aperfeiçoamentos implementados recentemente às atividades de registro realizadas sob a alçada do BCB e da CVM.
  22. O registro de ativos financeiros e valores mobiliários consiste em prática antiga e usual no âmbito do mercado financeiro e de capitais, desde a constituição de antigas câmaras de custódia e de sistemas de liquidação financeira e de registro. Mais recentemente, no âmbito da Lei nº 12.810, de 15 de maio de 2013, que aperfeiçoou o instituto do depósito centralizado de ativos financeiros e de valores mobiliários por meio da definição do conceito de “titularidade fiduciária”, entre outros aprimoramentos, entendeu o legislador pertinente conferir maior robustez jurídica para o ambiente de regulação e de fiscalização atinente à atividade de registro desses mesmos instrumentos.
  23. O registro, que nessa base legal é definido como o “o armazenamento e a publicidade de informações referentes a transações financeiras, ressalvados os sigilos legais”, produz efeitos que vão além de benefícios informacionais para a atuação do BCB e da CVM em sua atuação como autoridades de regulação e de supervisão, buscando uma a maior transparência da informação e eficiência operacional para os participantes de mercado e consumidores financeiros. É nessa perspectiva que se propõe a regulamentação da atividade de registro de operações de seguros, de previdência complementar aberta, de capitalização e de resseguros, desempenhada por entidades registradoras autorizadas a operar nos mercados supervisionados pela SUSEP.
  24. Retomando a questão, a despeito da avaliação positiva do arcabouço jurídico pátrio pela comunidade internacional, é fato que o atual arcabouço legal, que, como já dito, foi criado para atender às melhores práticas à época de sua edição (2001), encontra-se defasado e incompleto em relação aos PFMI, publicados em 2012. Mesmo a Lei nº 12.810, de 2013 (publicada, portanto, após os PFMI) tem foco limitado, seja nas modalidades de infraestruturas do mercado financeiro ali tratadas, seja nos temas abordados na referida lei, que não contemplam todos os aspectos presentes nos PFMI. Evidencia-se, portanto, real necessidade de se trazer o arcabouço legal para o necessário nível de maturidade com que o tema já é tratado nas principais jurisdições.
  25. Reforça essa necessidade o desenvolvimento recente desse mercado, em parte devido às medidas relacionadas à melhora das condições de financiamento, que impactam a competição não só no provimento das atividades típicas das IMFs – a exemplo do registro de ativos financeiros –, mas também têm potencial de resultar em aumento da competição no próprio SFN. Ademais, a tendência global de digitalização de vários setores da economia, com reflexos nas atividades financeiras e de pagamentos, tende a incrementar ainda mais a demanda pelos serviços prestados pelas IMFs.
  26. Nesse sentido, diversas empresas vêm buscando autorização para atuar no registro de ativos financeiros, a exemplo dos recebíveis de arranjos de pagamento e das duplicatas escriturais, o que deve melhorar as condições de obtenção de crédito de importantes segmentos de nossa sociedade – em especial, micro e pequenas empresas. Se, de um lado, a crescente entrada de novos agentes nesse segmento é auspiciosa sob a ótica concorrencial, é preciso garantir que a entrada e permanência desses agentes ocorra de forma eficiente e segura para a sociedade brasileira.
  27. Assim, Senhor Presidente, faz-se necessário repisar que, embora o Banco Central do Brasil e a Comissão de Valores Mobiliários exerçam com competência os papéis de regulador e de supervisor desse mercado, a atual condição normativa implica inseguranças, especialmente se considerada a corrente disparidade entre o arcabouço normativo vigente no Brasil e as melhores práticas internacionais. Destaca-se, uma vez mais, a relevância da presente Proposta, que alça ao nível de lei regras atualmente infralegais e incorpora ao ordenamento jurídico brasileiro as melhores práticas adotadas internacionalmente, cuja internalização, repise-se, é objeto de compromissos internacionais assumidos pelo Brasil.
  28. Busca-se, assim, auxiliar na preservação da estabilidade e na ampliação da eficiência do Sistema de Pagamentos Brasileiro e, consequentemente, do Sistema Financeiro Nacional. Essas, Excelentíssimo Senhor Presidente, são as razões que motivam a presente Proposta de Lei.

          

 Respeitosamente,         

   

Roberto de Oliveira Campos Neto
Presidente do Banco Central do Brasil

Rogério Ceron de Oliveira
Ministro de Estado da Fazenda, substituto