SECRETARIA-GERAL

EM n° 00003/2022 MEC 

Brasília, 3 de Janeiro de 2022

                   Senhor Presidente da República,

 

1.                Submeto, para apreciação, a minuta de Projeto de Lei que tenciona alterar o inciso III do art. 4º, o art. 58, o art. 59 e o parágrafo único do art. 60 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação – LDB (Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996), para substituir a terminologia “Transtornos Globais do Desenvolvimento – TGD” por “Transtorno do Espectro Autista – TEA”.

2.                O Anteprojeto de Lei ora submetido propõe a adoção de medidas que contribuam para atualização da LDB, de modo que se torne compatível com os demais marcos legais e referenciais clínicos utilizados no Brasil, como o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais – DSM (1), da Associação Americana de Psiquiatria – APA (2).

3.                Considerando a competência para tratar da matéria em apreço, e com fulcro no poder regulamentar, segundo o qual confere à Presidência da República a prerrogativa de editar atos gerais para complementar as leis e possibilitar sua efetiva aplicação, este Órgão Ministerial solicita a apreciação dos argumentos ensejadores que sustentam a publicação do referido ato.

4.                A desatualização da LDB, hoje, representa atraso e descompasso, uma vez que o advento da Lei nº 12.764, de 27 de dezembro de 2012, que institui a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista, trouxe para o mundo jurídico a nova terminologia, sem, entretanto, alterar a lei anterior (LDB). Ocorre que ambas as leis têm temáticas e implicações no campo educacional. Sendo assim, a articulação dos dois textos, necessária e frequente, gera conflito em relação ao público a quem se destina, quando da produção de documentos oficiais.

5.                Ao ser sancionada em 1996, a LDB identificou parte do público da educação especial, utilizando-se da categoria nosológica Transtornos Globais do Desenvolvimento.

Art. 58. Entende-se por educação especial, para os efeitos desta Lei, a modalidade de educação escolar oferecida preferencialmente na rede regular de ensino, para educandos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação.

6.                A adoção desse termo encontrava-se, então, de acordo com o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais DSM-IV(3), da Associação Americana de Psiquiatria, de 1994, que foi traduzido para o Português e publicado no Brasil em 1995. O Transtorno Global do Desenvolvimento reunia: o Transtorno Desintegrativo da Infância, a Síndrome de Rett, o Transtorno Autista, o Transtorno ou Síndrome de Asperger e Transtornos Globais do Desenvolvimento sem outra especificação.

7.                Em 2000, o DSM IV foi atualizado, e gerou o DSM-IV-TR, o qual foi, também, traduzido para o Português e publicado no Brasil em 2002. Tanto no DSM IV quanto no DSM-IV-TR, já existia a concepção do autismo como um espectro, e, por esse tempo, o termo transtorno de espectro autista já era utilizado para designar essas condições, embora sua definição tenha se tornado mais concisa em 2013, quando foi lançado o DSM-V, e procedeu-se à fusão do transtorno autista, transtorno global do desenvolvimento e transtorno de Asperger no transtorno do espectro autista. Em seu prefácio, o DSM-V apresenta os motivos dessa mudança:

Fusão de transtorno autista, transtorno de Asperger e transtorno global do desenvolvimento no transtorno do espectro autista. Os sintomas desses transtornos representam um continuum único de prejuízos com intensidades que vão de leve a grave nos domínios de comunicação social e de comportamentos restritivos e repetitivos em vez de constituir transtornos distintos. Essa mudança foi implementada para melhorar a sensibilidade e a especificidade dos critérios para o diagnóstico de transtorno do espectro autista e para identificar alvos mais focados de tratamento para os prejuízos específicos observados (DSM V, 2013, p. XX).

8.                Ao tratar dos critérios de diagnóstico, o DSM-V faz a seguinte orientação: “Nota: Indivíduos com um diagnóstico do DSM-IV bem estabelecido de transtorno autista, transtorno de Asperger ou transtorno global do desenvolvimento sem outra especificação devem receber o diagnóstico de transtorno do espectro autista (DSM V, 2013, p. 51[1])”.

9.                No Brasil, a classificação trazida pelo DSM-V foi incorporada nas publicações, em especial, nas de cunho científico, e é um consenso desde 2013.

10.              Ressalta-se que a Lei nº 12.764, de 2012, adotou a terminologia “transtorno do espectro autista”, mesmo antes do lançamento do DSM-V, por ser amplamente utilizada para designar esse público.

11.              A Lei nº 12.796, de 4 de abril de 2013, alterou a redação de vários dispositivos da LDB, mas não considerou a atualização dessa terminologia, muito embora a difusão ampla dessa no campo acadêmico e científico e já estivesse introduzida no arcabouço jurídico pela Lei nº 12.764, de 2012. Ressalta-se que a Lei de Diretrizes da Educação vem sendo atualizada sistematicamente com redações decorrentes de novas leis, entretanto permanece a terminologia Transtornos Globais do Desenvolvimento no campo da Educação Especial.

12.              Nesse sentido, a atualização da LDB, quanto a essa terminologia, evitará problemas que têm sido enfrentados pelo MEC que, impossibilitado de redigir documentos em desacordo com a lei de diretrizes, permanece em desacordo com a academia, com amplos setores da sociedade, além das evidências científicas. Portanto, a unificação da normativa beneficiará o entendimento e a orientação para as políticas destinadas a esse público nos sistemas de ensino e no desenvolvimento das políticas intersetoriais, bem como o progresso da pesquisa científica que envolve essa área de estudo.

13.              Informa-se que o Censo Escolar, realizado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira – Inep, utiliza a terminologia Transtorno do Espectro Autista para coleta de dados nas escolas, e atualmente registram-se 246.769 matrículas desse público da Educação Especial na Educação Básica.

14.              Esclarece-se, por fim, que a proposta deste ato normativo não irá gerar despesas, diretas ou indiretas, nem diminuição de receita para o ente público. 

(1) AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION. Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais: DSM-5. 5. ed. Porto Alegre: Artmed, 2014. 

(2) American Psychiatric Association. 

(3) DSM-IV é um sistema diagnóstico e estatístico de classificação dos transtornos mentais, segundo o modelo categorial, destinado à prática clínica e à pesquisa em psiquiatria.

     

Respeitosamente,


Milton Ribeiro
Ministro de Estado da Educação