SUBCHEFIA DE ASSUNTOS PARLAMENTARES

   EM Nº 13/MTE

Brasília, 03 DE MAIO DE 2006

 

    Excelentíssimo Senhor Presidente da República,

          Submeto à elevada consideração de Vossa Excelência o anexo anteprojeto de lei que dispõe sobre a organização e o funcionamento das Cooperativas de Trabalho, institui o Programa Nacional de Fomento às Cooperativas de Trabalho - PRONACOOP e dá outras providências.

2.           O cooperativismo é um fenômeno social e econômico cujas raízes históricas datam de meados do século XIX e tem como lema a solidariedade econômica e social pelo trabalho em comum.

Surge, historicamente, como alternativa ao emprego, caracterizada pela coletivização da propriedade dos bens de produção, autogestão coletiva e repartição coletiva dos resultados da produção.

3.           A Constituição da República Federativa do Brasil determina, no § 2 º do artigo 174, que a lei apóie e estimule o cooperativismo e outras formas de associativismo, ficando claro que as cooperativas revelam-se como um instrumento de desenvolvimento local e regional que permite o estabelecimento de formas democráticas no espaço da produção e, por isso, devem ser aprendidas como um valioso recurso no processo de construção da cidadania.

4.           Desde a publicação da Lei nº 8.949/94, porém, sérias ameaças ao cooperativismo e aos direitos trabalhistas materializaram-se por meio da criação de cooperativas que, no processo de terceirização largamente instalado nas empresas brasileiras, vêm substituindo postos formais de emprego e inserindo trabalhadores subordinados no mercado de trabalho, tolhendo-lhes, todavia, o acesso aos direitos sociais. É a mercancia da mão-de-obra que não cria oportunidades novas, mas, ao contrário, torna precários os postos de emprego, de forma nunca vista em nosso país.

5.           A par da necessidade de se regulamentar adequadamente o fenômeno de terceirização nas empresas, faz-se, premente, o regramento do cooperativismo de trabalho que, como se sabe, está na própria raiz das virtudes e dos problemas acima apontados.

6.           A presente proposta visa a coibir as fraudes, vedando, terminantemente, a intermediação de mão-de-obra sob o subterfúgio das cooperativas de trabalho. Esta prática abusiva vem se revelando como meio degradante de prestação de trabalho, uma vez que o trabalhador presta serviços em condições próprias de emprego, privado dos direitos reconhecidos pela Constituição Federal e pela legislação trabalhista.

7.           Estas cooperativas de intermediação de mão-de-obra apresentam mera aparência de cooperativas, uma vez, não obstante formalizem-se como tal, obedecendo aos requisitos legais para tanto, substancialmente não o são, pois o trabalhador “cooperado” que presta serviços pessoais e subordinados a terceiros, nada mais é, senão empregado. Sua força de trabalho transfere lucro aos tomadores, o que é compatível com o vínculo de emprego, mas não com o cooperativismo. Trata-se, portanto, de emprego precário, porque não protegido pelos direitos sociais que lhe seriam inerentes.

8.           A Organização Internacional do Trabalho, em conferência realizada em julho de 2002, em Genebra, editou o texto da Recomendação 193, cujo tema é o cooperativismo. O item 8.1, b daquela Recomendação, assim estabelece:

          “8.1) As políticas nacionais deveriam nomeadamente:

          (...)

          b) velar para que não se possam criar ou utilizar cooperativas para iludir a legislação do trabalho nem para estabelecer relações de trabalho dissimuladas, e lutar contra as pseudo-cooperativas, que violam os direitos dos trabalhadores, velando para que a legislação do Trabalho seja aplicada em todas empresas.”

9.           Esse item reflete a aspiração da comunidade internacional no sentido de repudiar a alienação do trabalho humano, desprotegida dos direitos universais historicamente consagradas, e a utilização dos ideais cooperativistas como um pretexto para aviltamento deste mesmo trabalho humano.

10.           Entretanto, as cooperativas de trabalho são uma realidade incontestável, nos dias de hoje. Atuando de maneira correta e dentro da lei, podem revelar importante alternativa para geração de trabalho e renda às pessoas.

11.           A presente medida legal parte do pressuposto, amadurecido nos estudos teóricos do cooperativismo, de que as formas de associação cooperativista de trabalho dividem-se em duas vertentes, quais sejam a cooperativa de produção e a cooperativa de serviço. A primeira caracteriza-se por um processo em que os trabalhadores detêm os bens de produção e, sob a forma de autogestão, oferecem ao mercado produtos acabados. A segunda notabiliza-se pela cooperação de trabalhadores para potencializar a sua capacidade de captação de clientes e qualificação profissional, com intuito de oferecer ao mercado serviço acabado e livre de ingerência de terceiros.

12.           A proposta de lei ora apresentada tem a finalidade de criar as condições jurídicas para proporcionar o adequado funcionamento destas sociedades, de maneira a melhorar a condição econômica e as condições gerais de trabalho de seus sócios.

13.           Para tanto, faz-se necessário reconhecer efetividade dos modernos princípios que devem fundamentar e orientar o funcionamento destas cooperativas. Neste sentido, a proposta destaca aqueles considerados essenciais, cuja rigorosa observância é condição para a existência de autênticas cooperativas de trabalho.

14.           O ordenamento jurídico, conforme previsto na Constituição Federal, em seu Artigo 5º, XVIII, prevê que “a criação de associações e, na forma da lei, a de cooperativas independem de autorização, sendo vedada a interferência estatal em seu funcionamento”. O papel da lei, portanto, deverá ser o de estabelecer os contornos para o correto funcionamento das cooperativas, dispondo sobre as regras a serem adotadas para se assegurar a aplicação dos princípios cooperativos.

15.           A proposta de lei especial ressalva a preexistência das leis gerais que versam sobre o tema, prevendo expressamente a aplicação subsidiária da Lei Geral do Cooperativismo - Lei nº 5.764/71 e do Código Civil - Lei nº 10.406/2002.

16.           Cuida-se também da fixação do conceito jurídico de cooperativa de trabalho, de onde se evidencia que os trabalhadores deverão executar suas tarefas sem a ingerência de terceiros, com autonomia, exercida de forma coletiva e coordenada, ou seja, mediante a fixação, em assembléia geral efetivamente representativa e democrática, das regras de funcionamento da cooperativa e da forma de execução dos trabalhos.

17.           A assembléia geral assume proeminência nunca antes experimentada. Se a cooperativa afigura-se como a união de esforços entre seus membros, deve-se evidenciar, na prática, a affectio societatis. Isto significa que o funcionamento, de fato, deva se dar como sociedade, exigindo-se, portanto, a real participação de seus integrantes nos destinos do empreendimento. Assim, a lei procura, de todas as maneiras e formas, prestigiar a assembléia como sendo o grande momento de reunião dos sócios para decidirem sobre seus interesses. As assembléias gerais deverão ser efetivamente democráticas e representativas; fixar as regras de funcionamento, a forma de execução dos trabalhos e até uma garantia de uma retirada mensal não inferior aos rendimentos auferidos por trabalhadores da categoria profissional vinculada ao serviço prestado; realiza-se em periodicidade não superior a noventa dias; contar com a real participação dos sócios, cujo comparecimento será obrigatório; e suas decisões, para serem válidas, deverão obter a aprovação da maioria absoluta de seus integrantes. Além disto, a exigência de convocação dos sócios por notificação pessoal garante o caráter democrático e participativo das decisões assembleares. As atas devem ser assinadas por, no mínimo 30% (trinta por cento) dos sócios e não há mais a necessidade de seu registro no órgão competente.

18.           Neste sentido, e com o objetivo de combater a precarização do trabalho neste ambiente, determina-se que as cooperativas de trabalho assegurem um conteúdo mínimo de direitos aos seus cooperados, que serão custeados por fundos específicos da própria cooperativa, formados a partir da receita apurada. Reconhecendo o desafio econômico que a garantia de tais direitos representará para algumas cooperativas, a lei concede um prazo de até trinta e seis meses para que elas assegurarem aos seus sócios a retirada mínima.

19.           É preciso ainda promover o desenvolvimento e a melhoria do desempenho econômico das cooperativas de trabalho, a fim de garantir aos seus membros condições dignas de trabalho e de remuneração. Para tanto, o projeto de lei institui o PRONACOOP - Programa Nacional de Fomento às Cooperativas de Trabalho. Caberá ao PRONACOOP propiciar instrumentos e ações de estímulo às cooperativas de trabalho, permitindo-lhes melhorar continuamente o seu desempenho econômico, mediante acompanhamento técnico, qualificação de recursos humanos e oferta de linhas de crédito diferenciadas.

20.           A lei vedará, ainda, a distribuição, entre sócios, de taxas, comissões ou verbas de qualquer espécie, exceto a retribuição devida em razão do exercício de sua atividade como sócio, ou por conta de reembolso de despesas comprovadamente realizadas em proveito da cooperativa. Visa tal dispositivo a coibir fraudes e assegurar aplicação do princípio da participação econômica dos membros de forma equânime, sem distorções.

21.           Propõe-se reduzir o número mínimo de sócios para cinco, como incentivo à formação das pequenas cooperativas.

22.           Distingue-se de maneira especial o tratamento que passa a adotar para os pagamentos periódicos realizados aos sócios das cooperativas. Observando seus resultados financeiros e econômicos, poderão estas fixar diferentes faixas de retiradas, com base em critérios a serem estabelecidos em assembléia. As retiradas consistem na retribuição devida aos integrantes da sociedade, de acordo com as tais faixas. E, visando impedir as distorções, determinará que, em havendo tais faixas, a diferença entre as de maior e menor valores não poderá exceder a seis vezes.

23.           A lei prevê, ainda, hipótese de ilícito administrativo pertinente à utilização fraudulenta da cooperativa, no escopo de coibir a utilização destas como formas nefastas de precarização do trabalho e de burlar à legislação trabalhista. Neste mesmo contexto, determina-se a possibilidade de dissolução judicial da cooperativa utilizada como fraude à legislação trabalhista.

24.           Enfim, o presente anteprojeto de lei tem como objetivo a criação de um ambiente jurídico que possibilite o desenvolvimento do verdadeiro cooperativismo de trabalho por intermédio da existência de instrumentos jurídicos que afastem a utilização desta forma de organização dos trabalhadores como mecanismo de precarização da legislação laboral. Ao mesmo tempo, busca-se garantir que o Estado impulsione por múltiplas ações o crescimento dessas organizações de economia solidária. 

          Estas são, Senhor Presidente, as razões que justificam o encaminhamento do presente anteprojeto de lei, que ora submeto à consideração de Vossa Excelência, solicitando, ante o exposto, o seu encaminhamento ao Congresso Nacional.

Respeitosamente,

Luiz Marinho
Ministro de Estado do Trabalho e Emprego