SUBCHEFIA DE ASSUNTOS PARLAMENTARES

 EM Nº 00102/2006 - MF

 Brasília, 12 de setembro de 2006.

 

Excelentíssimo Senhor Presidente da República,

1.                        Tenho a honra de submeter à elevada consideração de Vossa Excelência Anteprojeto de Lei que visa introduzir medidas para o fortalecimento do Sistema Nacional de Seguros, Previdência Complementar Aberta e Capitalização, em especial através de garantias adicionais que salvaguardem os consumidores quanto a problemas de insolvência das sociedades seguradoras, entidades de previdência complementar aberta e capitalização.

2.                        O mercado constituído por essas entidades cresceu nos últimos dez anos, em termos nominais, cerca de 255%, favorecido pela estabilidade da moeda, pela introdução de novos produtos e por uma gradativa ampliação na percepção de que o consumidor deve ser atendido em suas necessidades. Dentre os ramos que apresentaram relevante progresso, destacam-se os seguros de vida e a previdência complementar aberta, além dos seguros de riscos de propriedades e responsabilidades, bem como os seguros de riscos financeiros, favorecidos pela maior consciência da exposição a risco dos consumidores, preocupação com a renda futura e expansão de outros setores da economia que demandam cobertura de seguros.

3.                        Entretanto, estes segmentos não atingiram ainda toda a sua potencialidade. As perspectivas futuras também são favoráveis.  O potencial de crescimento, especialmente do setor de seguros, pode ser estimado se observarmos o desempenho em outras economias, cuja participação do setor no Produto Nacional Bruto (PNB) é bem superior à brasileira. De acordo com estatísticas globais de 2003, o Brasil ocupa a 51ª colocação, com uma relação prêmio/PNB de apenas 2,96%, bem inferior a outras economias desenvolvidas e emergentes, como África do Sul (15,88%), Chile (4,09%), Cingapura (7,59%), Inglaterra (13,37%), Japão (10,81%), Portugal (7,31%) e Canadá (6,82%). Em termos de prêmio per capta, o Brasil ocupa a 55ª posição.

4.                        Diante desse quadro, o governo tem adotado medidas nos últimos anos visando aperfeiçoar o marco regulatório do setor, criando um ambiente institucional que permita a sua ampliação na economia. Dentre as medidas já implementadas, destacam-se: (1) a redução gradativa do Imposto sobre Operações de Crédito, Câmbio e Seguro, ou relativas a Títulos ou Valores Mobiliários - IOF, nos seguros de vida e acidentes pessoais, que passará a ser zero em setembro deste ano; (2) a possibilidade de utilização das quotas de fundos previdenciários e de seguros de vida por sobrevivência de titularidade do participante/segurado como garantia de financiamento imobiliário; e (3) o subsídio aos prêmios de seguro rural.

5.                        Adicionalmente, pretende-se a abertura do mercado de resseguro, cujo projeto encontra-se em tramitação no Congresso Nacional. Quando aprovado pelo Congresso e sancionado por V.Exa., a implantação desse projeto tende a produzir uma nova dinâmica no setor, através das vantagens provenientes de um mercado competitivo, favorecendo, em especial, a ampliação da oferta de capacidade de subscrição das seguradoras locais.

6.                        Neste contexto de mudanças e ampliação do mercado, torna-se fator fundamental sua maior sustentabilidade e confiabilidade. Com este objetivo, uma das medidas já adotadas foi a introdução da "blindagem" de produtos de previdência complementar e de seguros de vida estruturados na modalidade de sobrevivência, através da constituição de fundo(s) de investimento com patrimônio segregado das sociedades seguradoras e entidades abertas de previdência complementar. Com essa medida, introduzida pela Lei nº 11.196, de 2005, eventuais falências não mais afetarão a poupança previdenciária acumulada pelos segurados na modalidade de produto introduzida, uma vez que os recursos poderão ser transferidos para outra seguradora sumariamente, independentemente do desenrolar do processo de falência, o qual pode perdurar por anos. Entretanto, essa medida tem abrangência parcial e apenas no período de acumulação, a partir de quando, por questões técnicas de cobertura, os recursos passam a compor o patrimônio das seguradoras e entidades.  Deste modo, resta pendente uma maior proteção durante o gozo de benefício, permanecendo certa vulnerabilidade, exatamente no momento que o cidadão mais precisa, que é a sua aposentadoria. Esse problema, que é bem caracterizado para o caso dos produtos de cunho previdenciário, está presente também nos demais ramos de seguros, bem como nos instrumentos de capitalização.

7.                        Em função do exposto e visando complementar o rol de medidas para fortalecimento do Sistema Nacional de Seguros Privados, Previdência Complementar Aberta e Capitalização - SNSPC, propõe-se introduzir a possibilidade de constituição de garantias suplementares aos consumidores de seguros, previdência complementar e títulos de capitalização, em casos de insolvência das sociedades seguradoras, entidades abertas de previdência complementar e sociedades de capitalização.

8.                        Para tanto, a proposta visa autorizar a constituição de um Fundo de Proteção ao Consumidor - FPC, no âmbito do SNSPC, com objetivo de reduzir ou mesmo eliminar o impacto financeiro ao consumidor em caso de liquidação e falência dessas empresas. O FPC será constituído, gerido e terá objetivos similares  ao Fundo Garantidor de Crédito - FGC do Sistema Financeiro Nacional, cuja experiência dos seus quase 10 anos de existência é altamente profícua no cumprindo do seu papel de estabilidade do Sistema Financeiro Nacional. Nesse período, o FGC já "protegeu" os recursos de mais de mais de 4 milhões de clientes de 25 instituições financeiras liquidadas, pagando acima de R$ 3,6 bilhões de garantias.

9.                        No âmbito internacional, vários países dispõem de instrumentos similares,  tendo sido  introduzidos fundos, no segmento securitário, no Canadá, na Inglaterra e no Japão, entre outros países. Apesar de formatos e focos principais peculiares, todos têm o objetivo comum de minimizar os efeitos negativos de insolvências de empresas de um setor que requer confiabilidade, credibilidade e garantias para o cumprimento de obrigações contratuais, tendo em vista que suas falhas podem afetar tanto pessoas físicas quanto jurídicas, no âmbito pessoal e na esfera das atividades econômicas.

10.                        A legislação brasileira, em caso de liquidação das sociedades em foco no projeto, estabelece que o consumidor afetado compõe o quadro de credores, assim como qualquer outro credor, inclusive o fisco e o trabalhista, porém com grau de preferência inferior. Com isso, o consumidor vê suspenso o cumprimento de suas garantias contratuais e despende tempo à espera de soluções para o problema, que pode ou não ser sanado. Isto se agrava considerando casos como os benefícios de cunho previdenciário ou mesmo empresariais, em que incêndios ou eventos de outra natureza afetam o exercício da atividade de uma empresa segurada, podendo causar-lhe até mesmo sua falência e afetando, em cadeia, o emprego de trabalhadores e fornecedores. Ademais, uma instabilidade do Sistema pode inibir a realização de investimentos nos diversos setores da economia, tendo em vista a menor propensão dos investidores a atuar em situações de grande exposição a risco, ou seja, de inexistência ou fragilidade no ambiente de seguros.

11.                        Para tanto, o anteprojeto que se apresenta visa possibilitar a criação de fundos garantidores para os segmentos de seguros, previdência complementar aberta e capitalização, geridos por empresa a ser constituída pelas próprias entidades participantes (Fundo de Proteção do Consumidor de Seguros Privados, Previdência Complementar Aberta e Capitalização - FPC - art. 3º), todas reguladas pelo Conselho Nacional de Seguros Privados - CNSP e fiscalizadas pela Superintendência de Seguros Privados - SUSEP. Não se inclui nesse rol (arts. 1º e 7º, §9º): 1) os seguros estruturados ou geridos por meio de consórcios ou convênios, uma vez que possuem estrutura e garantias peculiares; 2) os seguros de vida com cobertura por sobrevivência e os planos de previdência constituídos por fundos de investimento com patrimônio segregado, durante a fase de acumulação; e 3)  o seguro saúde, oferecido por sociedades seguradoras especializadas e sujeitas a ordenamento jurídico e fiscalizatório diverso das demais seguradoras.

12.                        Os fundos terão como principal objetivo priorizar o pagamento dos compromissos contratuais, ainda que parcialmente (art. 7º), de forma mais ágil para os beneficiários em casos de liquidação ou falência, sub-rogando-se no direito de receber da entidade liquidada ou falida os valores pagos.

13.                        Adicionalmente e não menos importante, os fundos poderão exercer atuação preventiva, facilitando o saneamento de situações de insolvência com a continuidade dos contratos em curso, através de operação de crédito ou transferência de carteira (art. 6º), quando técnica e financeiramente viável, mediante autorização do órgão fiscalizador de seguros. A atuação ex ante possibilita que os mercados consumidor e fornecedor não sintam os efeitos negativos que acompanham tais insolvências. No campo da demanda, o consumo permanece nos patamares de estabilidade de mercado, não tendo os clientes nem prejuízos nem o desgaste que a decretação de uma liquidação ou falência de empresa contratada lhes causa, diante de todos os procedimentos que se seguem. No campo da oferta, as empresas continuam atuando competitivamente em um ambiente equilibrado, sem reduções de captações que podem ter efeitos negativos em suas carteiras e, conseqüentemente, em sua solvência. Deste modo, esta opção de atuação é menos custosa e benéfica aos diversos agentes envolvidos.

14.                        Os fundos serão constituídos por recursos acumulados provenientes de aportes das entidades participantes (art. 5º), os quais poderão ter sua definição estabelecida por critérios quantitativos e qualitativos, inclusive com base no risco das empresas - o que permitirá melhor equalização entre as mesmas e minimizará o risco moral. A forma e periodicidade dos aportes, bem como de pagamento aos titulares de crédito constarão de estatuto aprovado pelo órgão fiscalizador (art. 8º), observados requisitos mínimos estabelecidos pelo órgão regulador de seguros, os quais exercerão seu papel similarmente ao que possuem com relação às entidades participantes. 

15.                        Para pagamento dos benefícios, poderão ser estabelecidos limites percentuais ou absolutos de caráter individual (art. 7º), considerando uma hierarquia dentro de cada segmento, partindo-se dos que já estão em gozo de benefício. 

16.                        O incentivo para a constituição do FPC é o fato de que se os recursos acumulados atingirem valor a ser definido pelo órgão regulador de seguros, as entidades participantes poderão, na forma definida pelo órgão regulador de seguros, considerar como resseguro, para fins de cálculo de índices mínimos de solvência e capital, a garantia suplementar do FPC, independentemente de novas contribuições.

17.                        Busca-se estabelecer tratamento tributário similar ao Fundo Garantidor de Crédito - FGC, do Sistema Financeiro Nacional, para os recursos provisionados, o que se justifica diante da função do fundo. Deste modo, eles não estarão sujeitos à incidência do Imposto de Renda, nem mesmo sobre os ganhos líquidos mensais e retenção na fonte sobre os rendimentos auferidos em operações e aplicações financeiras de renda fixa e renda variável. Também não estarão sujeitos à incidência da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido.

18.                        Enfim, estas são as linhas gerais do projeto de lei que ora submetemos à superior consideração, com a finalidade de aperfeiçoar o ambiente competitivo das seguradoras, entidades abertas de previdência complementar e sociedades de capitalização. A existência de fundos dessa natureza traz uma série de benefícios: 1) prepara uma saída mais suave de operadores ineficientes do sistema; 2) favorece o aperfeiçoamento das empresas do setor, e 3) propicia um nivelamento de ambiente entre os setores securitário e financeiro propriamente dito. Além disso, possibilita uma proteção especial aos segurados não profissionais, em face da existência de assimetria de informações, bem como auxilia na manutenção da confiança do público em geral, trazendo resultados para o desenvolvimento sustentável desse setor e dos diversos setores da economia, tendo em vista seus efeitos na percepção de segurança dos investimentos. Deste modo, os fundos trarão efeitos positivos para uma atuação competitiva eficiente dos operadores do mercado, uma vez que sua existência possibilita o monitoramento entre si dessas empresas e a busca de soluções ao menor custo, em benefício do consumidor.

  

Respeitosamente,

 

 Guido Mantega
Ministro de Estado da Fazenda