SUBCHEFIA DE ASSUNTOS PARLAMENTARES

EM Nº 00022/2005 - MF

Brasília, 09 de março de 2005.

Excelentíssimo Senhor Presidente da República,

 

                        

Tenho a honra de submeter à elevada consideração de Vossa Excelência o anteprojeto de lei complementar que visa estabelecer a política de resseguros e retrocessão e respectiva intermediação, regulando assim parte do Sistema Financeiro Nacional, nos termos do art. 192 da Constituição Federal. Adicionalmente, este anteprojeto dispõe sobre operações de cosseguro, seguro no exterior e operações em moeda estrangeira do setor securitário, em função de atribuições hoje específicas do órgão ressegurador monopolista - IRB-Brasil Resseguros S.A., conforme disposições do Decreto-Lei no 73, de 21 de novembro de 1966.

2.                        O principal aspecto que esse anteprojeto visa disciplinar é a abertura do mercado de resseguros, uma vez que desde o advento da Emenda Constitucional no 13, de 1997, o resseguro deixou de ser constitucionalmente monopólio do Estado. Apesar da Lei 9.932, de 1999, ter sido introduzida visando a transferência de atribuições de governo do IRB-Brasil Resseguros S.A. para a Superintendência de Seguros Privados, bem como a abertura desse mercado, sua implementação foi prejudicada, uma vez que pairam dúvidas quanto a sua constitucionalidade, diante do art. 192 da Constituição Federal, que estabelece que a regulamentação do Sistema Financeiro Nacional seja feita por Leis Complementares. Tais incertezas vêm prejudicando a concretização de investimentos que poderiam estar sendo realizados neste setor, motivo pelo qual propõe-se a sua revogação e a introdução do regramento geral da atividade através de lei complementar.

3.                        Além de novos investimentos, acreditamos que a abertura do mercado de resseguro contribuirá de forma significativa para o desenvolvimento do setor securitário local e, consequentemente, para o desenvolvimento econômico e social brasileiro. A possibilidade de instalação de novos resseguradores trará consigo elementos facilitadores para a ampliação da retenção nacional, o incremento da capacidade de subscrição das seguradoras e o aperfeiçoamento dos agentes econômicos envolvidos, ajudando, inclusive, a eliminar ineficiências hoje existentes que são importantes entraves ao desenvolvimento do mercado securitário nacional. A participação de novos agentes contribuirá para o aperfeiçoamento institucional, das seguradoras e dos próprios resseguradores locais, facilitando também a introdução de novos produtos. Todo esse movimento esperado levará à ampliação da demanda por especialistas no segmento, gerando novos postos de trabalhos que, dada a qualificação específica, levará à ampliação da demanda acadêmica, gerando um círculo virtuoso.

4.                        Os consumidores, provavelmente, serão os principais beneficiados, pelas perspectivas na maior oferta de produtos inovadores. Esta vantagem não se restringe ao setor de seguros propriamente dito, alcançando também o segmento de previdência complementar, na medida em que a lei complementar no 109, de 2001, previu, em seu art. 11, a possibilidade de contratação de operações de resseguro pelas entidades de previdência, o que é ratificado neste projeto através da inclusão dessas entidades como cedentes de risco em operações de resseguro (art. 2o, §1o, I).

5.                        A proposição almeja, na verdade, atender a um dos princípios gerais e constitucionais da atividade econômica: a livre concorrência (art. 170, IV da CF). Contudo, preocupa-se também em criar condições para o desenvolvimento do mercado de resseguros nacional, motivo pelo qual prevê oferta preferencial pelas seguradoras aos resseguradores que se instalarem localmente, sendo essa preferência de pelo menos 60% nos dois primeiros anos após a regulamentação dos requisitos específicos para atuação de resseguradores (além do IRB-Brasil Re) no país e de 40% nos anos subseqüentes. Naturalmente, essa preferência poderá ser ou não exercida pelos resseguradores locais, em face da natureza do risco envolvido e das estratégias das empresas, entre outros fatores (art. 11), mas observando-se a garantia de que a oferta dê-se em base equânime aos concorrentes internacionais (art. 11, § 2o).

6.                        A oferta estabelece um incentivo às empresas instaladas não apenas no momento inicial de captação de negócios, mas no período de estabilização de sua atividade empresarial, permitindo melhor planejamento e projeção de atuação em mais longo prazo. A preferência, no entanto, poderá ser ajustada, por meio de lei ordinária, após o quarto ano, pressupondo-se que a partir deste prazo o mercado aberto já estará consolidado e as empresas a ele adaptadas (art. 11, §1o) - motivo pelo qual o ajuste é limitado a 40% das cessões.

7.                        O órgão regulador disporá sobre a forma em que tal oferta ocorrerá, podendo realizar as adaptações que se façam necessárias no dia-a-dia do mercado, ao mesmo tempo em que regulará os demais aspectos da atividade do ressegurador local, em consonância com a legislação aplicável ao setor de seguros, mas observando-se as peculiaridades do resseguro (art. 5o).

8.                        Dentro deste contexto, integra-se o IRB-Brasil Resseguros S.A. como ressegurador local (art. 22), sem solução de continuidade, concedendo-lhe a lei um prazo de 180 dias para a adaptação de suas operações de resseguro e retrocessão ao novo ordenamento jurídico (art. 22, parágrafo único). Neste ínterim, mantêm-se as disposições legais referentes aos seus aspectos operacionais em vigor, revogando-se inicialmente apenas suas funções e dispositivos de natureza típica de Estado.

9.                        Contudo, considerando-se o papel do IRB-Brasil Re hoje na instrumentação de políticas setoriais do governo, pretende-se a criação de um grupo de trabalho intra-governamental para avaliar em maior profundidade esse papel e delinear o grau de participação requerido para o governo neste segmento.

10.                        O modelo de abertura prevê não apenas a possibilidade de que haja mais competidores instalados no país, mas também que as cedentes nacionais (seguradoras, entidades de previdência complementar e resseguradores locais) possam realizar operações com resseguradores estrangeiros (art. 4o). Trata-se de uma prática comum internacionalmente e mesmo atualmente no mercado nacional, e que já ocorre no modelo hoje em vigor, uma vez que o ressegurador IRB-Brasil Resseguros S.A., ao não dispor de capacidade para reter todos os riscos por ele subscritos, transfere para resseguradores estrangeiros uma parcela destes.

11.                        Considerando que as necessidades de transferência de risco às vezes demandam a pulverização em diversos resseguradores, especialmente nos casos de seguros vultosos, e considerando a possibilidade de haver resseguradores especializados que não tencionem atuar diretamente no país, são propostas duas modalidades de resseguradores estrangeiros: o admitido e o eventual (art. 4o, II e III). O primeiro é aquele com efetivo interesse de atuação no mercado nacional, mas sem pretensão de se instalar como empresa local, e o segundo aquele que não dispõe de interesse em atuar localmente, podendo, entretanto, vir a fazê-lo em função do risco transferido. Para ambos, são previstas exigências de cunho jurídico, econômico-financeiro e de qualificação (art. 6o), a serem detalhadas pelo ordenamento infralegal, propiciando, com isso, uma maior sintonia com a dinâmica das alterações da sociedade. Entretanto, a exigibilidade será maior para o ressegurador que opte por não se instalar de qualquer forma no país (ressegurador eventual), uma vez não estar sujeito à fiscalização direta, mas indireta via cedentes.

12.                        Ao mesmo tempo, visando caracterizar perfeitamente a falta de interesse no mercado local, propõe-se a existência de um limite de cessão para o ressegurador eventual pelas cedentes nacionais (art. 8o, §1o). Ao ressegurador admitido, possibilita-se a abertura de conta em moeda estrangeira no país (art. 6o, parágrafo único, inciso I), favorecendo sua atuação e operacionalização financeira, ao mesmo tempo em que se exige demonstrações financeiras de sua atuação (inciso II). Também se introduz a sujeição desse ressegurador à taxa de fiscalização prevista para o ressegurador local (art. 7o), dado que será ele, assim como o ressegurador local, fiscalizado pelos órgãos governamentais do país e para o qual também será possível ceder-se riscos não apenas de seguradoras, mas de entidades de previdência complementar.

13.                        Deste modo, considerando que os resseguradores eventuais não estão sujeitos à fiscalização direta dos órgãos governamentais locais e dada a natureza de mais longo prazo das operações de previdência complementar e de seguro de vida por sobrevivência, restringe-se o resseguro destes segmentos (art. 9o, parágrafo único) exclusivamente àqueles resseguradores dispostos a atuar efetivamente no país (locais e admitidos).

14.                        Trata-se de medida que resguarda o consumidor, à qual se agrega aquela que permite que o ressegurador ou retrocessionário pague diretamente ao segurado em caso de insolvência ou falência da empresa que cedeu os riscos, nos casos tecnicamente possíveis e previstos contratualmente (art. 14). É medida de relevo, especialmente minimizando o risco dos segurados de riscos vultosos, que têm contratos de resseguro firmados especificamente para cobertura de seus riscos e para os quais é elevada a cessão de resseguro. Nesses casos, há uma vinculação direta entre a operação de seguro e a de resseguro, nem sempre existente, uma vez que o resseguro cobre a seguradora ou entidade de previdência complementar e não o segurado/participante. O pagamento direto, entretanto, somente poderá ocorrer caso não tenha sido realizado pela entidade insolvente ao beneficiário, nem pelo ressegurador à cedente, uma vez que neste caso o ressegurador estaria pagando duas vezes e levando o ônus para toda a carteira de contratantes, pelo aumento de seu custo não estimado. Ressalvados os casos de cláusula de pagamento direto, prevê-se a manutenção das responsabilidades do ressegurador perante a massa liquidanda (art. 13) nas situações de insolvência das cedentes mesmo que estas não tenham realizado o pagamento dos sinistros, o que pode ter ocorrido, por exemplo, em função de sua própria solvabilidade.

15.                        As operações de transferência de risco poderão ser feitas tanto diretamente quanto através de corretor de resseguro (art. 8o), sendo este qualificado como corretor de seguros habilitado e especializado na atividade, e vinculado à corretora autorizada. Considerando a responsabilidade existente na colocação de riscos e seus efeitos relacionados, busca-se introduzir no ordenamento jurídico nacional o seguro de responsabilidade profissional deste intermediário, visando a proteção das entidades cedentes de riscos contra seus erros e omissões. Cláusulas contratuais, prazos para formalização contratual, restrições quanto a realização de determinadas operações de cessão de risco e requisitos para operações intra-grupo são algumas das variáveis relevantes a serem consideradas pelo órgão regulador (art. 12, parágrafo único).

16.                        No que tange às corretoras de resseguro e sua relação contratual com as cedentes e resseguradores, são previstos alguns salvaguardas, além do seguro, àqueles que têm suas operações por elas intermediadas. Em primeiro lugar, a atuação da corretora não pode limitar ou restringir a relação direta entre as partes que intermedeie (art. 15). Em segundo lugar, a transparência da responsabilidade quanto à tramitação financeira através da corretora deve ser caracterizada contratualmente, de modo a inibir práticas inadequadas (art. 16, caput). Em terceiro lugar, resguarda-se, em última instância, o segurado ou participante da atuação intermediadora da corretora, uma vez que a entrega do prêmio à corretora implica a cobertura nos termos contratuais e a recuperação de sinistro a ela tramitado não libera o ressegurador, somente ocorrendo quando concluída a operação - regra que demanda um melhor monitoramento deste da atuação da corretora, melhor seletividade e maior profissionalização (art. 16, parágrafo único), justificável em face dos volumes financeiros envolvidos.

17.                        Adicionalmente ao modelo de abertura, transfere-se as atribuições reguladora e fiscalizadora do segmento para o órgão regulador e fiscalizador da atividade de seguros no país conforme definido em lei (art. 2o e 3o), convergindo nossa legislação à do mercado internacional. Tendo em vista o acervo que o IRB-Brasil Resseguros S.A, como monopolista, regulador e fiscalizador da atividade no país, acumulou ao longo de seus mais de 60 anos de atuação, propõe-se que tal acervo seja fornecido ao novo órgão fiscalizador da atividade (art. 3o, parágrafo único), mediante cópia, permitindo o aproveitamento do histórico das informações do setor, na medida que a realidade assim impuser. O IRB-Brasil Re, neste contexto, perde suas funções de órgão regulador e fiscalizador do cosseguro, resseguro e retrocessão, bem como de colocações no exterior para o mercado.

18.                        Por outro lado, os ativos garantidores das provisões técnicas, bem como os recursos exigíveis no país para os resseguradores ficam subordinados à regulação do Conselho Monetário Nacional - CMN (art. 17), como ocorre com todas as cedentes seguradoras e entidades de previdência complementar. Também caberá ao CMN dispor sobre as operações de seguro, resseguro e retrocessão em moeda estrangeira (art. 18), observada a legislação em vigor, sendo que as especificidades de tais operações caberão ao órgão regulador da atividade de seguros. O dispositivo se enquadra dentro da competência do CMN, conforme definida no inciso V do art. 4o da Lei no 4.595, de 31 de dezembro de 1964, alterado pelo Decreto-Lei no 581, de 14 de maio de 1969, voltado no presente caso ao setor securitário. Ao CMN, ainda, caberá dispor sobre a abertura e manutenção de contas em moeda estrangeira, necessária para a operacionalização das operações nesta moeda.

19.                        Conjugado às questões em moeda estrangeira, o projeto trata do seguro no exterior (art. 19 e 20), atualmente disposto pelo art. 6o do Decreto-Lei no 73, de 1966, que prevê sua realização exclusivamente em casos em que não haja cobertura no país ou que não convenham aos interesses nacionais. A tramitação das exceções de contratação no país era realizada através do IRB-Brasil Resseguros S.A. que não deterá mais as funções de governo de controle destas operações. A nova redação dada ao citado artigo, para o qual se propõe revogação, visa tornar mais clara e transparente ao público em geral as situações em que a exigibilidade de contratação incide no país, bem como introduz-se a faculdade de leis ordinárias disporem sobre excepcionalidades, como ocorre, por exemplo, no art. 11 da Lei no 9.432, de 1997, no limite nela estabelecido, para os seguros de embarcações registradas no Registro Especial Brasileiro - REB.

20.                        No âmbito do resseguro e suas operações correlatas, por outro lado, introduz-se o regime sancionatório (art. 21), por descumprimento à lei que ora se propõe e também à sua regulamentação infralegal, aplicável pelo órgão fiscalizador de seguros, especificando-se a exigibilidade de depósito de multa por força do §2o do art. 56 da Lei no 9.784, de 29 de janeiro de 1999, uma vez que sua inexistência pode induzir à entrada de recursos como veículo de postergação para o respectivo pagamento, situação não salutar para o sistema. Adicionalmente, elevam-se (art. 24) os montantes das multas aplicáveis às sociedades seguradoras e de capitalização, igualando-os àqueles incidentes às entidades de previdência complementar, conforme lei complementar no 109, de 2001, e aos ora propostos para as operações relacionadas a resseguro e retrocessão.

21.                        Introduz-se dispositivo que possibilita a troca de informações entre os órgãos que fiscalizam o setor (art. 23), objetivando-se maior eficiência de sua atuação perante as pessoas físicas e jurídicas de que trata a lei proposta, estendendo-se ao órgão fiscalizador de seguros, no âmbito de suas responsabilidades, as disposições aplicáveis à Comissão de Valores Mobiliários previstas na Lei Complementar no 105, de 10 de janeiro de 2001, para cujo setor também a referida lei se aplica. Deste modo, as entidades fiscalizadas estão sujeitas a sigilo em suas operações e ao órgão fiscalizador é dada a amplitude fiscalizatória necessária para melhor aferir a realidade das operações realizadas e das movimentações financeiras correspondentes, podendo inclusive firmar convênios com outros órgãos internacionais que favoreçam à sua melhor atuação.

22.                        Tal função assume especial relevância diante da abertura do mercado de resseguros, devido às operações que envolvem riscos vultosos, em certa medida realizadas com o mercado internacional, algumas das vezes sem a supervisão direta do órgão fiscalizador local. Dentro deste contexto e diante de situações de risco, como insolvência, que podem vir a afetar as empresas cedentes de riscos, o órgão fiscalizador de seguros poderá solicitar à autoridade competente, mediante a instauração de inquérito administrativo, o levantamento do sigilo de informações relativas a bens, direitos e obrigações das instituições por ele supervisionadas, propiciando sua ação mais ágil na solução dos problemas e nos efeitos correlatos. São medidas possibilitadas pela Lei Complementar no 105.

23.       Enfim, é o projeto de lei complementar que ora submetemos à superior consideração, com a finalidade de estabelecer o marco regulatório geral do mercado de resseguros e regular operações correlatas, realizadas no país e com o exterior, revogando dispositivos legais afetos à matéria.

Respeitosamente,

 

ANTONIO PALOCCI FILHO
Ministro de Estado da Fazenda