SUBCHEFIA DE ASSUNTOS PARLAMENTARES

EM Interministerial nº  86 - MF/MAPA/MP

Brasília,  27 de  maio  de 2008.

 

                         Excelentíssimo Senhor Presidente da República,

 

1.                        Submetemos à elevada consideração de Vossa Excelência o anteprojeto de lei complementar que visa a aperfeiçoar os mecanismos institucionais que regem o seguro rural para a proteção da produção agrícola, pecuária, aqüícola e de florestas no Brasil contra catástrofes naturais, doenças e pragas.

2.                        Como é do conhecimento de Vossa Excelência, a atividade agrícola está exposta aos efeitos climáticos que podem apresentar forte oscilação no decorrer dos anos, ora afetando a produtividade positivamente, ora impondo perdas excessivas ao produtor rural. A eventual ocorrência de clima adverso a determinadas culturas e, conseqüentemente, perdas excessivas, leva o produtor rural a um ciclo vicioso. Esse ciclo tem início com a falta de capacidade financeira do produtor de honrar os compromissos assumidos no passado para o plantio da safra perdida. Estende-se pela sua incapacidade financeira de arcar com os custos do plantio da nova safra, levando-o a contrair novas dívidas, sem que a antiga tenha sido quitada. Com isso, o produtor se vê inserido em um ciclo de renegociações, que acaba por comprometer o seu patrimônio e, principalmente, a sua capacidade de realizar novos investimentos.

3.                        Neste sentido, o aperfeiçoamento legal, regulatório e institucional, bem assim a política de subvenção ao prêmio do seguro rural, que foi introduzida em 2003, com a edição da Lei nº 10.823, de 19 de dezembro de 2003, têm sido prioritários no Governo de Vossa Excelência, cuja contrapartida vem sendo o expressivo crescimento da demanda por esse seguro, por parte dos agricultores. O volume de prêmios do seguro rural teve um expressivo crescimento com o advento da referida subvenção, atingindo o volume total de prêmios de R$ 88,7 milhões em 2006 e R$ 138 milhões em 2007. O volume de subsídios, por sua vez, que em 2005 foi de apenas R$ 2,3 milhões, atingiu R$ 31,1 milhões em 2006, R$ 61 milhões em 2007 e, em 2008, R$ 160 milhões foram disponibilizados no orçamento pelo Governo. Com isso, conseguiremos ampliar a produção agropecuária segurada de R$ 2,7 bilhões em 2007 para R$ 7 bilhões em 2008.

4.                        Apesar de todo o progresso, o risco resultante de catástrofes ainda constitui barreira importante para o incremento da oferta do seguro rural. Uma vez que os sinistros são correlacionados, as catástrofes naturais geram impacto financeiro acentuado no âmbito securitário. Ainda que a dispersão geográfica amenize os impactos causados na produção, a ocorrência de um evento em determinada região ou microrregião gera uma série de sinistros, cujo número será tanto maior quanto maior o número de segurados, representando acentuado custo.

5.                        Vários países introduziram mecanismos em suas normas buscando amenizar esse problema. Podemos citar os Estados Unidos, a Espanha, o Canadá, a Austrália e o México, entre outros. Não há, no entanto, um padrão; cada país tem o seu modelo próprio, calcado nas suas peculiaridades agrícolas, institucionais e fiscais. Contudo, em todos os exemplos, o Governo apóia de forma efetiva e substancial, com recursos orçamentários, seja na forma de pagamento parcial do prêmio ou pela assunção de perdas decorrentes de eventos catastróficos. Os programas variam de subvenções a garantias de resseguro, diretas ou indiretas, através de fundos ou instituições garantidoras, públicas ou privadas.

6.                        No Brasil, para que a oferta de seguros se alinhe à crescente demanda dos agricultores, as seguradoras recorrem a mecanismos para gerenciar sua exposição ao risco climático. Hoje, o principal mecanismo utilizado é o resseguro, onde as seguradoras nacionais cedem a maior parte de seu risco a companhias resseguradoras estrangeiras. Outro mecanismo que as seguradoras podem utilizar é o Fundo de Estabilidade do Seguro Rural (FESR), fundo constituído por recursos públicos e privados, que também sofre de limitações devido à liquidez de suas garantias, além de apresentar um fraco desenho institucional, o que inibe a sua utilização pelas seguradoras.

7.                        A análise da estrutura legal do FESR (Decreto-Lei no 73, de 21 de novembro de 1966) e a experiência dos diversos anos demonstram a ineficiência de seu modelo. Isto porque a sua forma de operar inibe a participação tanto de seguradoras quanto de resseguradoras em operações de seguro rural com cobertura do FESR. No caso das seguradoras, os fatores inibidores decorrem da forma de contribuição ao FESR, que é baseado no lucro das respectivas operações, não tendo qualquer correlação com o risco, como é o padrão no setor securitário, bem como o fato do pagamento de eventuais indenizações estar condicionado à existência de dotação orçamentária, o que gera insegurança quanto à sua tempestividade. Já no caso das resseguradoras, os fatores inibidores estão associados à forma de cobertura do FESR, que garante às seguradoras proteção mesmo quando as receitas com prêmios recebidos são maiores do que as despesas com indenizações, não criando incentivos corretos para que estas realizem boas subscrições de risco, bem como o fato do FESR ser administrado por um ressegurador (concorrente), no caso, o IRB.

8.                        O desenho do FESR faz com que o alcance do seguro rural ainda seja bastante restrito. Para superar tais limitações, o Governo de Vossa Excelência já deu um importante passo ao abrir o mercado de resseguro. Uma outra forma de expandir, de forma consistente, a oferta do seguro rural será a instituição de um Fundo de Catástrofe, que dê cobertura às operações de seguro rural contra efeitos climáticos catastróficos.

9.                        O Fundo de Catástrofe permitirá que as seguradoras expandam sua cobertura para segmentos produtivos onde o risco constitui forte obstáculo à atuação da iniciativa privada. A constituição do Fundo de Catástrofe tratará, portanto, da necessidade de adequar a oferta de seguro rural à crescente demanda, incentivada pela subvenção ao prêmio do agricultor. Vale ressaltar que, apesar do forte crescimento, os agricultores contratam ainda cobertura securitária para menos de 3% do valor da produção vegetal. Há, dessa forma, urgência na medida, a qual viabilizará uma política agrícola mais completa e capaz de dar ao setor rural brasileiro melhores condições produtivas.

10.                        Neste sentido, o projeto de lei complementar anexo autoriza as seguradoras privadas a constituírem o Fundo de Catástrofe, em substituição ao FESR. Esse fundo será constituído na forma de um consórcio privado que, se atendidos determinados pré-requisitos definidos na lei e outros a serem estabelecidos pelo órgão regulador de seguros, poderá contar com subvenção pública destinada à capitalização do fundo.

11.                        Mediante a gestão privada do Fundo, pretende-se dispor de maior agilidade e eficiência operacional diante de eventos naturais que provoquem perdas relevantes aos produtores rurais, com efeitos na solvência das sociedades garantidoras desses riscos.

12.                        O consórcio será regido em seus diversos aspectos pelo órgão regulador de seguros, inclusive no que tange à base de contribuição (art. 13), buscando-se com isso estabelecer critérios que possam se adequar à expansão do ramo, de forma eficiente. Adicionalmente, o Fundo poderá contar com contribuições da União, na forma  de subvenções públicas (art. 2º). Tais recursos comporão provisões para garantia da cobertura futura, motivo pelo qual prevê-se a sua isenção tributária (art. 5º).

13.                        As diretrizes prudenciais e as regras de funcionamento e administração do consórcio serão definidas pelo órgão regulador de seguros, seguindo parâmetros que visem ao equilíbrio financeiro e atuarial do Fundo, observadas as diretirzes emanadas do órgão fiscalizador das seguradoras e do consórcio. Note-se, por oportuno, que as diretrizes para aplicação dos recursos caberão ao Conselho Monetário Nacional, conforme a sua competência legal.

 14.                        Embora tais recursos auxiliem no aumento da capacidade de cobertura suplementar de riscos do Fundo, não há como desconsiderar o estabelecimento de um limite de responsabilidade do consórcio ante suas disponibilidades financeiras. Desse modo, torna-se relevante prever a possibilidade de o Fundo obter no mercado instrumentos que auxiliem sua solvência e ampliação de capacidade. Por isso, o projeto estabelece a possibilidade de realizar tanto operações de resseguro quanto operações financeiras (art. 7º), reguladas pela legislação e órgãos competentes.

 15.                        O projeto contempla, ainda, a constituição de garantia adicional pública para absorver os riscos de catástrofe do seguro rural não suportados pelo consórcio (art. 15º), sendo administrado por um banco público federal e lastreado por títulos da dívida pública mobiliária federal interna, favorecendo seu uso em caso de catástrofes mais drásticas, frente à sua vinculação direta em rubrica do orçamento. Sua regulamentação específica, assim como o valor dessa garantia adicional, ficarão a cargo do Poder Executivo.

 16.                        Nesse contexto de reformulação do seguro rural, o projeto altera o art. 1º da Lei nº 10.823, de 2003 (art. 20), para prever a vinculação da subvenção ao prêmio à participação da seguradora no consórcio. Essa vinculação garantirá maior diversificação dos riscos transferidos ao consórcio e, como conseqüência, menor custo médio para os seguros adquiridos pelos agricultores.

 17.                        O projeto revoga ainda o art. 19 do Decreto-Lei nº 73, de 1966, de forma a adequar as isenções concedidas ao seguro rural ao art. 150, §6º, da Constituição Federal, que exige lei específica para a concessão de isenções, assim como art. 176 do Código Tributário Nacional que diz expressamente que a lei que concede isenção deve especificar os tributos a que se aplica.

 18.       Vale ressaltar que as seguradoras contribuem para o FESR, com base não apenas nas modalidades de seguros de que trata esta lei, mas também nas operações de Penhor Rural, cujo montante de prêmios arrecadados é quase três vezes superior ao das operações de seguro agrícola, pecuário, aqüícola e de florestas. Estas alterações propostas representam, portanto, uma redução potencial de custos para os agricultores.

19.                        Excelentíssimo Senhor Presidente, o instrumento proposto nesse anteprojeto de lei complementar permitirá não apenas o crescimento consistente e significativo do mercado de seguro rural, mas também a criação de importante instrumento anticíclico de apoio aos agricultores. Essa inovadora ação de Governo significará um grande incentivo para a política agrícola brasileira, constituindo-se em um passo extremamente importante para conferir maior sustentabilidade ao processo produtivo e ao agronegócio, o que propiciará estabilidade de renda, tranqüilidade social e geração de empregos para os agricultores e suas famílias.

20.                        São essas as razões que nos levam a submeter à consideração de Vossa Excelência o anexo anteprojeto de lei complementar.

Respeitosamente,  

 

Guido Mantega
Ministro de Estado da Fazenda
 

Reinhold Stephanes
Ministro de Estado da Agricultura e Pecuária
Paulo Bernardo Silva
Ministro de Estado do Planejamento,
Orçamento e Gestão