SUBCHEFIA DE ASSUNTOS PARLAMENTARES

 EM Interministerial nº 00204/2008 - MF

Brasília, 10 de dezembro de 2008.

Excelentíssimo Senhor Presidente da República,

 

1.                        Submetemos à elevada apreciação de Vossa Excelência a minuta do Anteprojeto da Lei Geral de Transação em Matéria Tributária, resultado das discussões com vários setores da sociedade, da administração tributária e do Poder Judiciário.

2.                        O anteprojeto vem no bojo de um conjunto de medidas destinadas à modernização da Administração Fiscal, para tornar a sua atuação mais transparente, célere, desburocratizada e eficiente. As outras medidas que caminham no mesmo sentido consistem na edição de outras duas leis ordinárias (uma referente aos mecanismos de cobrança dos créditos inscritos na dívida ativa da União e a outra, à execução fiscal administrativa) e uma lei complementar (alteração do Código Tributário Nacional), essa última indissociável do presente anteprojeto, visto que alguns de seus efeitos dependem das alterações naquela lei propostas (como os que tratam da interrupção da prescrição, das causas de suspensão da exigibilidade do crédito tributário e da prova da regularidade fiscal).

3.                        O escopo do anteprojeto é o de constituir nova relação entre a administração tributária e os contribuintes, possibilitando que as duas partes, mediante entendimento direto, alcancem uma aplicação mais homogênea da legislação tributária. O presente Anteprojeto de Lei parte dos permissivos já existentes nos artigos 156, incisos III e IV, 171 e 172 do Código Tributário Nacional (Lei nº 5172, de 1966, entre nós vigorando com força de Lei Complementar). Assim é que a transação em matéria tributária está prevista no CTN,  mas até a presente data não foi regulamentada.

4.                        Hoje se estima, no âmbito da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, que a fase administrativa do processo tributário tenha, em média, uma duração de 04 anos para ser concluída e a fase judicial, 12 anos. Esse fato, somado à ineficácia da execução fiscal dos créditos tributários, explica, em boa medida, o fato de que menos de 1% do estoque da dívida ativa da União de R$ 400 bilhões de reais ingressa nos cofres públicos a cada ano por essa via, sendo que o percentual do ingresso não ultrapassa a dois vírgula cinco por cento do estoque (R$ 9,6 bilhões de reais de arrecadação em 2006), mesmo com as medidas de parcelamento adotadas (REFIS, PAES e PAEX) e com a incorporação dos depósitos judiciais. O estoque da dívida ativa da União, incluída a da Previdência Social, já alcança a cifra de R$ 600 bilhões de reais e, uma vez incorporado o que ainda está em litígio administrativo, chega-se à impressionante cifra de R$ 900 bilhões de reais. Esse número representa 1,5 vezes a arrecadação da União de 2006 e, apenas no âmbito da arrecadação federal, cerca de metade do PIB do país.

5.                        Vale notar, ainda, que a morosidade na resolução dos litígios tributários produz graves distorções nos mercados, sendo profundamente danoso para a livre concorrência. As sociedades empresariais que honram pontualmente suas obrigações fiscais vêem-se, muitas vezes, na contingência de concorrer com outras que protraem no tempo o pagamento de tributos por meio de discussões administrativas e judiciais meramente protelatórias.

6.                        A concretização das medidas previstas no Anteprojeto em comento aumentará a eficácia do sistema arrecadatório nacional. Com efeito, os conflitos tributários serão resolvidos em menor prazo, no máximo em um ano, o que tornará, para o contribuinte, mais vantajosa a transação do que a aposta em longas discussões judiciais.

7.                        Assim sendo, a transação traduzir-se-á em uma maior participação do contribuinte na administração tributária, o que implica uma significativa mudança de paradigmas na relação Estado / contribuinte. Para a Fazenda Nacional, a vantagem será a realização imediata de créditos tributários, sem os altos custos do processo judicial, o que, sem dúvida, vem ao encontro do interesse público. Ademais, a adoção desses meios alternativos, a médio prazo, desafogará as instâncias administrativas de julgamento e o Poder Judiciário.

8.                        Também é certo que a transação tributária importará em maior segurança jurídica para o contribuinte, bem como no aperfeiçoamento e uniformização da interpretação das normas tributárias no âmbito da Administração Fiscal. De fato, o Anteprojeto prevê o julgamento por um órgão técnico especializado, único apto a lidar com a grande complexidade da legislação tributária pátria, garantindo, assim, a resolução eficiente, segura e justa dos litígios tributários. Além disso, terá efeitos significativos para aliviar o Poder Judiciário e as instâncias administrativas de julgamento, diminuir a litigiosidade na aplicação da legislação tributária, permitir a maior eficiência na arrecadação dos tributos e o aumento do cumprimento voluntário das obrigações tributárias, com a eliminação dos desperdícios públicos decorrentes da sistemática em vigor.

9.                        Importante ressaltar que em vários paises, como a Alemanha, França, Reino Unido, Itália, Estados Unidos e México adotam o instituto, que tem-se mostrado de grande valia para a efetiva recuperação dos créditos e para a própria realização da justiça fiscal. Na atual conjuntura, a falta de sua regulamentação tem sido sentida pelos operadores do direito tributário no Brasil.

10.                        O anteprojeto prevê quatro modalidades de transação - a transação em processo judicial; a transação em insolvência civil, recuperação judicial e falência; a transação por recuperação tributária e a transação administrativa por adesão, além de prever que o termo de transação poderá ser condicionado à exigência de assinatura de termo de ajustamento de conduta, prévio, suplementar ou incluso no próprio termo de transação, que especificará as condições para o cumprimento das obrigações e demais deveres tributários assumidos, inclusive prazos ou procedimentos a serem observados.

11.                        Caberá à Câmara-Geral de Transação e Conciliação - CGTC, vinculada à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional e composta paritariamente por procuradores da Fazenda Nacional e por auditores-fiscais da Receita Federal do Brasil, disciplinar, analisar e deliberar sobre os pedidos de transação.

12.                        O anteprojeto estabelece os seguintes requisitos gerais para a transação:

                        a) ocorrerá somente nos casos previamente disciplinados e autorizados pela Câmara Geral de Transação e Conciliação da Fazenda Nacional - CGTC (art. 4º);

                        b) nos casos de valores superiores a um milhão dependerá da prévia autorização do Procurador-Geral da Fazenda Nacional, e superiores a dez milhões, do Ministro da Fazenda (§3º do art. 4º);

                        c) para valores inferiores ao limite mínimo de execução fiscal, a PGFN, ouvida a CGTC, fixará os critérios de transação (§4º do art. 4º);

                        d) a transação não aproveitará nem prejudicará senão aos que nela intervirem (art. 5º);

                        e) a transação somente poderá dispor sobre multas, juros de mora, encargos de sucumbência e de natureza pecuniária nos seguintes limites (art. 6º):

                        1. Até cem por cento no casos de exigências de multas do descumprimento de obrigações acessórias;

                        2. Até cinqüenta por cento das sanções pecuniárias;

                        3. Até sessenta por cento dos juros de moras; e

                        4. Até cem por cento dos demais encargos pecuniários como a sucumbência.

                        f) a transação não poderá resultar na negociação do montante dos tributos devidos, nem dispor sobre matéria de inconstitucionalidade (art. 7º);

                        g) a transação poderá ser subordinada à assinatura de termos de ajustamento de conduta e à substituição e à solidariedade do administrador inidôneo (art. 8º);

                        h) o sujeito passivo facultará à Fazenda Nacional o acesso e a fiscalização dos documentos necessários ao procedimento de transação (art. 10);

                        i) a celebração da transação implicará renúncia, pelo sujeito passivo ao direito sobre que se funda a ação ou recurso administrativo ou judicial (art. 11);

                        j) o termo de transação somente poderá ser discutido, administrativa ou judicialmente quanto à sua nulidade (art. 12);

                        k) a transação não se anulará por erro de direito (§5º do art. 12);

                        l) o termo de transação poderá ser revisto pela Fazenda Pública, com efeitos ex nunc, quando fundando em lei ou ato normativo declarados inconstitucionais pelo STF ou aplicação ou interpretação da lei ou ato normativo contrário à jurisprudência definitiva dos tribunais superiores e do Supremo Tribunal Federal (§6º do art. 12);

                        m) o descumprimento das obrigações firmadas na transação (art. 13), autoriza a interrupção da prescrição, a revogação dos compromissos presentes e futuros após manifestação do sujeito passivo no prazo de 15 dias, a execução da dívida integral constante do termo de transação e a cobrança integral do crédito tributário devido na origem, atualizado e acrescido de juros de mora, descontando-se o valor arrecadado no período;

                        n) o sujeito passivo poderá propor ou submeter-se a termo de ajustamento de conduta perante a Fazenda Nacional, conforme plano de regularidade tributária, que deverá ser cumprido integralmente, caso admitido, sob pena de revogação do termo da transação.

13.                        O anteprojeto, ainda, introduz a consulta especial, para dirimir conflitos ou imprecisões quanto a interpretação da legislação tributária, aplicáveis às situações de interesse geral.

14.                        Estas são, Excelentíssimo Senhor Presidente da República, as razões que fundamentam a proposta que ora submetemos à elevada consideração de Vossa Excelência.

 

 Respeitosamente,

 

Guido Mantega
Ministro de Estado da Fazenda

José Antonio Dias Toffoli
Advogado-Geral da União