SUBCHEFIA DE ASSUNTOS PARLAMENTARES

EMI Nº 00014

Brasília, 18 de maio de 2006.

Excelentíssimo Senhor Presidente da República,

 

                Submetemos à elevada consideração de Vossa Excelência a anexa proposta de Projeto de Lei que, alterando a destinação de receitas decorrentes da Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional - CONDECINE constante da Medida Provisória nº. 2.228-1, de 06 de setembro de 2001, e a Lei nº. 8.685 de 20.07.1993 - Lei do Audiovisual, dispõe sobre a criação do Fundo Setorial do Audiovisual junto ao Fundo Nacional de Cultura e atualiza o sistema jurídico normativo de mecanismos de incentivo à produção audiovisual e cinematográfica existente.

1. Esse Projeto de Lei é resultado do esforço desenvolvido pelo Ministério da Cultura, pela Casa Civil da Presidência da República, pelo Ministério da Fazenda e pela Agência Nacional do Cinema, além de dispor das contribuições valiosas do Ministério da Ciência e Tecnologia e de outros órgãos do Governo. As principais medidas propostas foram colhidas ao longo de um amplo processo de debates com o setor e no interior do comitê da sociedade civil do Conselho Superior do Cinema.

2. A Exposição de Motivos está estruturada em duas partes. Na primeira delas é feita uma introdução ao assunto, o contexto no qual está inserida a indústria audiovisual no Brasil e no mundo e apresentando a natureza dos fundos públicos voltados ao financiamento das atividades audiovisuais. Na segunda parte se expõem os fundamentos do Projeto de Lei.

I - Da Apresentação

3. A indústria audiovisual é considerada uma das mais dinâmicas da economia internacional. Os diversos mercados para consumo de obras audiovisuais - filmes e programas de televisão - movimentaram em 2002, segundo dados do Institut de l'Audiovisuel et des Télécommunications en Europe, cerca de € 255 bilhões, apenas nos países desenvolvidos.

4. O tamanho da população brasileira faz do Brasil um dos maiores e mais promissores mercados mundiais para produtos audiovisuais, tendo faturado em 2003 cerca de US$ 3,8 bilhões. Tais valores referem-se, ao câmbio da época, à publicidade na TV aberta, às assinaturas na televisão paga, à venda de ingressos nas salas de exibição e à venda de unidades pré-gravadas de vídeo doméstico (VHS e DVD).

5. Contudo, os números do mercado audiovisual no país mostram-se tímidos diante do gigantismo do mercado mundial e mesmo diante das grandes empresas internacionais do setor: em 2002 as duas maiores obtiveram faturamento superior a US$ 20 bilhões com vendas de produtos audiovisuais. Comparando, todo o mercado audiovisual brasileiro seria menor do que o faturamento da empresa em 18ª posição no ranking mundial nas vendas em produtos audiovisuais. Ademais, parte considerável do mercado audiovisual brasileiro é ocupada pela produção audiovisual estrangeira, impactando negativamente o balanço de pagamentos do país. A título de ilustração, programadoras estrangeiras com atuação no mercado brasileiro de televisão por assinatura - cerca de 4 milhões de assinaturas - remeteram ao exterior o equivalente a R$ 475 milhões.

7. Nas duas últimas décadas do século XX a indústria audiovisual mundial experimentou grandes transformações. Consolidaram-se novos mercados para produtos audiovisuais, tais como o vídeo doméstico e a televisão por assinatura, e a indústria audiovisual foi alçada ao centro da dinâmica econômica mundial, na medida em que se avançou a convergência tecnológica e empresarial entre as mídias, as tecnologias da informação e as telecomunicações.

8. Além do inegável valor econômico, a indústria audiovisual é portadora de inestimável valor cultural. As obras cinematográficas e audiovisuais brasileiras, pilar desta indústria, constituem fator determinante da integração nacional, expressão da contribuição particular do povo brasileiro aos povos no mundo. É por meio desta indústria que os valores, a tradição e o imaginário dos brasileiros se multiplicam em sua rica diversidade. Trata-se de um fator indispensável ao entendimento do passado e do presente do país, ao mesmo tempo em que perscruta o futuro, da nação e do mundo. Deste modo é indispensável que o Brasil se mantenha e aperfeiçoe sua inserção entre os países que se mantêm como centros produtores de obras audiovisuais no mundo, elemento determinante da nossa soberania.

9. Cientes do desafio que se descortinava com a convergência, vários países procuraram aproveitar essas mudanças, tornando-as janelas de oportunidade para a confecção de políticas públicas focadas na geração de emprego e renda, na afirmação das culturas regionais e nacionais e na obtenção de importantes divisas com exportação. A soberania, o desenvolvimento econômico e cultural e a promoção da diversidade cultural figuraram como pano de fundo para a afirmação de tais políticas públicas, cujas medidas variaram de país a país e abarcaram diversos instrumentos, tais como o estabelecimento de cotas de veiculação da produção nacional, regional, comprometimento das emissoras de televisão com a produção independente, mecanismos de financiamento à produção e distribuição de obras audiovisuais suportados por fundos públicos voltados exclusivamente ao setor e a reformulação do marco regulatório pertinente às telecomunicações, à comunicação social e ao audiovisual.

10. Os novos marcos regulatórios relativos à indústria audiovisual dos países mais desenvolvidos, longe de implicarem qualquer tipo de cerceamento qualitativo dos conteúdos audiovisuais passíveis de produção ou veiculação, procuraram garantir recursos para a produção audiovisual e centraram foco em dois princípios fundamentais: estímulo à competição nos meios de comunicação social eletrônica e a busca pela ampliação da diversidade das fontes de informação e entretenimento disponíveis para a sociedade. A construção de políticas públicas alicerçadas nesses dois princípios que se reforçam mutuamente possibilitou maior demanda por produções nacionais e regionais, maior competitividade sistêmica na produção de conteúdos audiovisuais, novas formas de acesso à informação e entretenimento e serviços mais baratos aos consumidores, assim como o fortalecimento da democracia e da cultura nacional.

11. Dentre os fatores sistêmicos da competitividade de uma determinada indústria figura como fundamental, além dos aspectos regulatórios, o acesso aos meios de financiamento adequados às atividades em questão. Os fundos públicos voltados exclusivamente para a indústria audiovisual, comuns em vários países, buscam essencialmente a competitividade sistêmica das atividades audiovisuais, focando o financiamento da produção independente de obras audiovisuais, além de outros gargalos existentes na indústria. Os produtores independentes - sem ligações com grandes estruturas de distribuição e veiculação de obras audiovisuais - constituem, reconhecidamente, o elo mais frágil da cadeia produtiva da indústria audiovisual, ainda que tenham fundamental importância para a sustentabilidade de uma produção audiovisual competitiva, diversa e plural.

12. Os fundamentos para a constituição dos fundos públicos às atividades audiovisuais são similares às razões pelas quais se criam fundos públicos para o financiamento de inovações tecnológicas. Pressupõe-se que o desenvolvimento de uma obra audiovisual, tal como o desenvolvimento de uma inovação tecnológica, implica em grandes riscos, na medida em que não se pode prever, em princípio e com exatidão, se essa obra - tal como uma inovação tecnológica - encontrará, no mercado, os recursos que remunerem o custo do seu desenvolvimento.

13. Constitui senso comum que a pesquisa tecnológica deve ser incentivada, mesmo a fundo perdido, pois é sabido que, ainda que a maior parte das pesquisas não venha a redundar em produtos vencedores no mercado, algumas pesquisas implicarão em inovações que beneficiarão sistemicamente a economia. Ou seja, justifica-se o investimento público em pesquisa e desenvolvimento pelas substanciais externalidades positivas que geram para a sociedade como um todo - benefícios que superam a quantidade de recursos públicos inicialmente investidos. O mesmo princípio se aplica à produção audiovisual: a produção e a veiculação de obras audiovisuais nacionais geram importantes externalidades positivas para toda a sociedade, na medida em que mostram temas nacionais, reforçam as identidades regionais e nacionais, promovendo a cidadania e a cultura.

14. Os fundos públicos de apoio às atividades audiovisuais existentes em vários países procuram não se sustentar exclusivamente em recursos orçamentários. De modo geral, a maior parte dos recursos aportados é derivada da própria indústria, procurando, com isso, garantir certa sustentabilidade às atividades audiovisuais - uma sustentabilidade que não poderia ser obtida exclusivamente via mercado. Assim, o fundo público argentino, por exemplo, obtém recursos advindos das emissoras de televisão, das salas de cinema e do mercado de vídeo doméstico, tal como alguns fundos existentes na Alemanha. No Reino Unido o fundo público recebe parcela importante dos recursos da loteria daquele país.

15. O caso mais emblemático é o fundo público francês que, em 2002 contou com € 468 milhões, sendo que 67% dos recursos foram derivados das redes de televisão, 22% de taxas sobre os ingressos e apenas 7,6% dos recursos (€ 35,6 milhões) foram advindos de recursos orçamentários. A maior parte dos recursos recolhidos da televisão retorna para o segmento, incentivando a produção independente voltada para esse veículo e parte importante do fundo é direcionada à manutenção e ao aperfeiçoamento do parque exibidor de cinema. A título de comparação, no mesmo ano o governo federal aportou, na produção audiovisual brasileira (essencialmente, obras cinematográficas), cerca de R$ 66 milhões provenientes de renúncia fiscal e mais R$ 18 milhões advindos de aportes diretos.

16. De modo geral, os fundos públicos simulam mecanismos de mercado na concessão dos recursos, de maneira que raramente tais recursos são concedidos a fundo perdido. Os mecanismos utilizados para a concessão dos recursos às atividades audiovisuais compreendem, por exemplo, empréstimos com juros mais baixos, participação direta em determinadas obras e o aporte em fundos de aval destinados a garantir empréstimos privados na produção de filmes. Os fundos públicos geralmente são "sócios" nos riscos que envolvem naturalmente a produção audiovisual, e os mecanismos de financiamento à produção geridos garantem que parte considerável dos recursos aportados na produção audiovisual retornem ao fundo, retro-alimentando as atividades para as quais foram criados.

II - Dos Fundamentos do Projeto de Lei

17. O texto do Projeto de Lei proposto tem suas premissas inspiradas na diretriz de encontrar, dentro do sistema jurídico vigente, solução institucional capaz de garantir e ampliar conquistas importantes da indústria audiovisual brasileira, instituídas através Lei Rouanet, na Lei do Audiovisual e na Medida Provisória nº. 2.228-1, que criou e instituiu a Agência Nacional do Cinema.

18.  O presente Projeto de Lei tem como principal inovação a criação de uma categoria de programação específica, denominada Fundo Setorial do Audiovisual que será instituída junto ao Fundo Nacional da Cultural, criado pela Lei nº. 7.505, de 1986, e regulamentado pelo Decreto nº. 5.761, de 27 de abril de 2006. O Fundo Setorial do Audiovisual visa o financiamento de programas e projetos voltados para o desenvolvimento e a maior competitividade da indústria audiovisual brasileira. Adicionalmente, este Projeto de Lei cria dois incentivos em benefício da produção independente e da televisão brasileiras e prorroga a vigência de outros incentivos existentes.

19. Os recursos que acorrerão ao Fundo Setorial do Audiovisual serão advindos essencialmente da Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional - CONDECINE, restabelecida pela Medida Provisória nº. 2.228-1, de 2001. Em 2005, a arrecadação da CONDECINE foi de cerca de R$ 36 milhões. A categoria de programação específica proposta neste Projeto de Lei não cria qualquer novo tributo, nem ocasiona aumento nos já existentes.

20. Os recursos do Fundo Setorial do Audiovisual poderão ser aplicados, por intermédio de agente financeiro, em investimentos retornáveis e empréstimos reembolsáveis destinados a projetos audiovisuais, na equalização dos encargos financeiros incidentes nas operações de financiamento de obras audiovisuais. Poderão ainda ser aplicados, por meio de valores não-reembolsáveis, em casos específicos a serem previstos em regulamento.

21. Visando estabelecer as diretrizes gerais, os planos de investimento e monitorar a implementação das ações definidas no âmbito do Fundo Setorial do Audiovisual será instituído um Comitê Gestor composto por representantes do Ministério da Cultura, da Agência Nacional do Cinema, do setor audiovisual e das instituições financeiras credenciadas como agentes financeiros repassadores dos recursos da categoria de programação específica. 

22. Dois novos incentivos são criados por este Projeto de Lei. O primeiro inclui o art. 1º-A na Lei nº 8.685, de 1993, mais conhecida como Lei do Audiovisual. Esse novo incentivo vem ocupar o lugar que será deixado, a partir de 2007, pelo mecanismo disposto no art. 25 da Lei nº 8.313, de 1991, denominada Lei Rouanet, que possibilita a renúncia fiscal dos valores aportados, como patrocínio, por pessoas jurídicas na produção de obras cinematográficas de longa-metragem. Tal mecanismo foi responsável em 2005 por R$ 36 milhões alocados na produção cinematográfica brasileira, e tem prazo de vigência até 1º de janeiro de 2007 - conforme o art. 52 da MP 2.228 de 2001.

23. O segundo incentivo criado por este Projeto de Lei inclui o art. 3º-A na Lei nº 8.685 possibilitando que empresas de radiodifusão e programadoras nacionais de televisão por assinatura venham a dispor de parte do imposto de renda devido sobre a remessa de recursos enviados ao exterior - derivados da exploração de conteúdos audiovisuais estrangeiros - na co-produção de obras audiovisuais brasileiras de produção independente.

24. O mecanismo criado no art. 3º-A da Lei do Audiovisual contribui para a isonomia de tratamento entre programadoras brasileiras e programadoras estrangeiras com atuação no Brasil, haja vista que estas últimas desfrutam de incentivos para a co-produção de obras audiovisuais de produção independente (art. 39 da MP 2.228 de 2001). Ademais, o mecanismo poderá constituir um importante incentivo para a aproximação das emissoras de televisão com a produção independente brasileira. A consolidação de tal parceria é especialmente importante para suprir de conteúdos audiovisuais nacionais os novos "canais" que surgirão com a digitalização das transmissões televisivas.

25. Este Projeto de Lei atualiza o escalonamento gradativo para a dedução do imposto de renda dos Fundos de Financiamento da Indústria Cinematográfica Nacional - Funcines, instituídos pela Medida Provisória nº. 2.228-1. Os Funcines são fundos privados, constituídos sob a forma de condomínio fechado, administrados por instituições financeiras e monitorados pela Comissão de Valores Mobiliários. A MP nº 2.228 previu mecanismos de incentivo fiscal, decrescentes ano a ano, para o investimento das pessoas jurídicas em tais fundos.

26. Apesar de terem sido criados em 2001, os Funcines foram regulamentados em 2003 e passaram a funcionar efetivamente em 2005. Ocorre que parte substancial da dedução do imposto de renda foi suspensa em dezembro de 2005, o que, no presente momento, torna o aporte em tais fundos um investimento pouco competitivos frente aos outros mecanismos de incentivo fiscal voltados à indústria cinematográfica. Assim, a atualização do escalonamento para diminuição dos percentuais envolvidos na dedução do imposto de renda é de fundamental importância para que tais fundos possam se consolidar.

27.  A vigência do mecanismo disposto no Art. 1º da Lei nº. 8.685, de 1993 também é prorrogada por este Projeto de Lei. Tal mecanismo tornou-se a maior fonte de recursos à indústria cinematográfica brasileira no período conhecido como "Retomada", que começa em 1995. Em 2005 o mecanismo aportou cerca de R$ 38 milhões na produção de obras cinematográficas de produção independente. Esse mecanismo, tal como está a norma legal existente, deixará de vigir em dezembro de 2006.

28. Por fim, o presente texto cuida de atualizar procedimentos de monitoramento das atividades e disciplinamento de condutas das empresas pertinentes ao escopo de atuação da Agência Nacional de Cinema.

São estas, Excelentíssimo Senhor Presidente, as razões que submetemos à elevada apreciação de Vossa Excelência ao propor o encaminhamento do presente Projeto de Lei ao Congresso Nacional.

Respeitosamente,

Gilberto Gil
Ministro de Estado da Cultura
Dilma Rousseff
Ministra de Estado Chefe da Casa Civil
Guido Mantega
Ministro de Estado da Fazenda