SUBCHEFIA DE ASSUNTOS PARLAMENTARES

EM nº 00107-A - MJ/MF/MP

Brasília, 1 de setembro de 2005

Excelentíssimo Senhor Presidente da República,

            Submetemos à consideração de Vossa Excelência o anexo Projeto de Lei que estrutura o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência, dispõe sobre a prevenção e repressão às infrações contra a ordem econômica, e dá outras providências, a ser encaminhado ao Congresso Nacional.

2.         O Projeto de Lei ora apresentado reestrutura a defesa da concorrência no Brasil mediante o redesenho institucional do Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência e a alteração da Lei no  8.884, de 1994 (Lei de Defesa da Concorrência), de forma a permitir que tal Sistema possa funcionar com eficiência na proteção dos interesses dos consumidores e na promoção do desenvolvimento econômico sustentado.

3.         A estrutura atual do SBDC compreende a Secretaria de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda - SEAE, a Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça - SDE e o Conselho Administrativo de Defesa Econômica - CADE, autarquia vinculada ao Ministério da Justiça. A SEAE e a SDE são os órgãos encarregados da instrução dos processos, enquanto o CADE é a instância judicante administrativa. As decisões do CADE não comportam revisão no âmbito do Poder Executivo, podendo ser revistas apenas pelo Poder Judiciário.

4.         A existência de três órgãos distintos e a decorrente fragmentação da instrução processual, esta sem paralelo internacional, prolonga excessivamente o prazo de tramitação dos casos e aumenta o custo para o administrado. Note-se, ainda, que esta divisão aumenta significativamente o custo de coordenação entre os três órgãos e propicia inclusive que, em alguns momentos, haja trabalhos replicados.

5.         O redesenho institucional proposto unifica as funções de instrução e julgamento em um único órgão da administração indireta, vinculado ao Ministério da Justiça, mantendo-se o nome Conselho Administrativo de Defesa Econômica - CADE. Esta nova autarquia incorporará o Departamento de Proteção e Defesa Econômica da Secretaria de Direito Econômico, do Ministério da Justiça e o atual CADE. Este novo CADE será formado por uma Superintendência-Geral, responsável fundamentalmente pela instrução de investigações relativas a atos de concentração  e  condutas  anticoncorrenciais,  por   um Departamento de Estudos Econômicos, ao qual incumbirá elaborar estudos e pareceres econômicos, por uma Procuradoria Federal e por um Tribunal, que terá a verdadeira feição de um Tribunal Administrativo.

6.         Com a nova proposta, foi conferida maior autonomia à representação dos interesses dos consumidores no processo decisório. O Superintendente-Geral da Agência passa a exercer a função de "promotor da concorrência" perante o Tribunal. Ademais, além dos representantes legais das partes, o Superintendente-Geral também poderá sustentar oralmente suas posições perante o CADE, garantindo com isso, maior equilíbrio de interesses.

7.         Para dotar o CADE de recursos materiais, estão previstas receitas próprias oriundas do produto resultante da arrecadação da taxa processual sobre a análise de atos de concentração, de parte do produto da execução da sua dívida ativa e de dotações consignadas no Orçamento-Geral da União, entre outros.

8.         A Secretaria de Acompanhamento Econômico, do Ministério da Fazenda, permanece como órgão integrante do Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência, passando a ser responsável pela coordenação das atividades relativas à intersecção entre regulação e defesa da concorrência, concentrando-se nas discussões de marcos regulatórios ex ante e podendo se manifestar em qualquer caso de concentração econômica ou conduta anticompetiva. A SEAE passará a opinar sobre as normas enviadas pelas agências reguladoras para consulta pública, elaborará estudos avaliando a situação concorrencial de setores específicos da atividade econômica, poderá propor a revisão de normativos que afetem a livre concorrência e manterá a competência de promover procedimentos administrativos, com o objetivo de formular representação ao CADE. Para o cumprimento de suas atribuições, terá acesso irrestrito às informações da autarquia e poderá requisitar, sem efeitos suspensivos sobre os prazos previstos, informações, documentos ou esclarecimentos de pessoa físicas ou jurídicas ou solicitar à Superintendência-Geral do CADE a realização de diligências.

9.             Destaque-se que o presente projeto de lei resulta de trabalho iniciado com a edição de Decreto datado de 11 de agosto de 2000, pelo qual foi instituído Grupo de Trabalho Interministerial com a finalidade de concluir estudos e elaborar proposta para a reestruturação da defesa da concorrência no Brasil. O Grupo de Trabalho foi composto por representantes da Casa Civil da Presidência da República; do Ministério da Fazenda (SEAE); do Ministério da Justiça (SDE e CADE); do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão e do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior.

10.       Com a finalidade de elaborar uma proposta que significasse não apenas o redesenho institucional do SBDC, mas a efetiva solução de seus problemas substantivos, o Grupo de Trabalho realizou exaustivo estudo sobre o Sistema. Desse estudo, emergiu um detalhado diagnóstico sobre seu funcionamento. Concluiu-se que, não obstante os avanços já obtidos pelo SBDC nos poucos anos que se haviam seguido à edição da Lei no 8.884, de 11 de junho de 1994, tal sistema padecia de sérias dificuldades estruturais que lhe comprometiam o desempenho.

11.       Os problemas diagnosticados seriam decorrentes não só de uma inadequada estrutura do Sistema aliado à carência de recursos disponíveis, mas também de questões de ordem legal - impropriedades pontuais da Lei no 8.884, de 1994. Dessa forma, uma ação efetiva para o aperfeiçoamento do SBDC exigiria a alteração de seu desenho institucional e modificações na Lei de Defesa da Concorrência.

12.       As principais dificuldades enfrentadas pelo SBDC seriam referentes à reduzida eficiência administrativa e ao elevado custo para o administrado decorrentes da existência de três órgãos distintos, à carência do Sistema no que se refere a recursos materiais e humanos, à ênfase excessiva conferida a atos de concentração, ao controle de concentrações realizado a posteriori e mediante critérios de notificação excessivamente amplos e à dedicação do órgão judicante a todos os casos que dão entrada no Sistema.

13.       Assim, diante do diagnóstico efetuado, o desenho institucional acima referido, refletido na nova redação dada à Lei no 8.884, de 1994, visou justamente reduzir o número de órgãos - concentrando a instrução processual na Superintendência-Geral do CADE - sem, contudo, comprometer a independência do Tribunal como órgão judicante.

14.       O Sistema tem conferido ênfase excessiva à análise de atos de concentração, em detrimento da repressão a condutas anticompetitivas, ao passo que internacionalmente existe o consenso a respeito de que um sistema de defesa da concorrência deve privilegiar a última vertente, tendo em vista seu maior potencial lesivo aos consumidores.

15.       Nesse âmbito, cabe destaque para os cartéis "clássicos", acordos ou práticas concertadas entre concorrentes para a fixação de preços, a divisão de mercados, o estabelecimento de quotas ou a restrição da produção e a adoção de posturas pré-combinadas em licitações públicas. A prática de cartel é universalmente reconhecida como a infração mais danosa aos consumidores, visto que diminui a oferta dos produtos e eleva seus preços, provocando a transferência de renda daqueles para os produtores. Os cartéis, no entanto, prejudicam não apenas os consumidores finais, mas também a economia como um todo, uma vez que inibem a atividade econômica e drenam recursos que poderiam ser destinados para finalidades produtivas.

16.             Atualmente, toda operação de concentração em que quaisquer dos participantes tenham registrado faturamento bruto anual de quatrocentos milhões de reais deve ser notificada. Tal critério é excessivamente amplo, tendo em vista que mesmo operações com impacto insignificante na economia brasileira devem ser notificadas.

17.       Como conseqüência, o Sistema é congestionado por esse tipo de operação, muitas das quais sem necessidade de análise, uma vez que não são casos efetivos de concentração econômica ou visivelmente não são capazes de causar danos à concorrência. Isso significa que o Sistema vem empregando grande parte dos seus recursos escassos em análises de menor ou de nenhum potencial danoso para a sociedade, o que caracteriza uma alocação ineficiente de recursos públicos.

18.       O controle de concentrações não é prévio, o que significa que as partes podem consumar a operação antes da decisão do Sistema.  Isso as incentiva a tentar postergar a análise o máximo possível, ao mesmo tempo em que reduz substancialmente as opções para a solução de problemas concorrenciais eventualmente aventados. Vale observar que a grande maioria de condicionantes impostos para a aprovação de operações foi de caráter comportamental, em oposição aos condicionantes de caráter estrutural, muito mais efetivos para corrigir questões concorrenciais advindas de operações de concentração, de acordo com os ditames da moderna teoria antitruste.

19.       O órgão judicante analisa todos os casos de concentração que dão entrada no Sistema - quando, internacionalmente, sabe-se que, em média, noventa e cinco por cento deles não apresentam qualquer prejuízo à concorrência. A conseqüência é que esse órgão fica sem condições para conferir a devida atenção aos casos de maior potencial ofensivo aos consumidores, que demandam, por isso mesmo, soluções rápidas.

20.       Os recursos materiais e humanos disponíveis aos órgãos integrantes do SBDC são absolutamente insuficientes para fazer frente às suas atribuições, principalmente no que concerne à instrução dos processos. Tal atividade é eminentemente complexa e dispendiosa, notadamente nos casos de investigações atinentes à prática de cartel, infração que costuma ser de difícil detecção. Além disso, a inexistência de uma carreira própria nos órgãos hoje integrantes do SBDC, com uma remuneração adequada, torna inviável a formação e a manutenção de quadros de profissionais bem preparados, tendo em vista a altíssima rotatividade de servidores, razão pela qual o Projeto prevê a criação de 200 cargos de Especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental.

21.       Diante do exposto, como forma de sanear as dificuldades antes enumeradas, está sendo encaminhado um Projeto de Lei que propõe o redesenho institucional do SBDC, a ênfase no combate a condutas de alto potencial ofensivo, a divisão de competências entre o órgão encarregado da instrução e de julgamento, uma nova sistemática de análise de atos de concentração, mediante o estabelecimento do controle prévio, o aperfeiçoamento dos critérios de notificação e o estabelecimento de procedimentos claros para o combate de condutas anticoncorrenciais.

22.       O modelo proposto implicará a agilização do trâmite dos processos e a priorização de casos que representem maior probabilidade de dano aos consumidores, gerando o aumento da eficiência administrativa, a redução do custo para o administrado e uma implementação mais efetiva da defesa da concorrência.

23.       Isso será possível graças à unificação da instrução dos processos e a seleção dos casos que serão encaminhados pela Superintendência-Geral ao Tribunal, nos casos em que haja efetivamente risco de dano ou prejuízo à concorrência. O Superintendente-Geral, por seu turno, decidirá nos casos mais simples, sendo tais decisões sempre passíveis de revisão pelo CADE, inclusive com mecanismos de controle externo por terceiros, e pela SEAE.

24.             Submeter à análise do CADE todos os casos, considerando que parte substancial deles são casos nitidamente não prejudiciais à concorrência, é minar-lhe a possibilidade de ação efetiva, no horizonte de tempo necessário, em casos de mérito, por pura e absoluta sobrecarga de trabalho, perpetuando o modelo perverso que existe hoje, mediante o qual se confere prioridade ao que é menos importante.

25.       Cabe notar que, nesse aspecto, o modelo escolhido converge para as melhores práticas internacionais. Na Federal Trade Commission dos Estados Unidos, por exemplo, de setenta a setenta e quatro por cento das operações notificadas não são submetidas a qualquer análise pelos commissioners, de acordo com informações da própria agência.

26.       O atual art. 54 da Lei no 8.884, de 1994, trata, conjuntamente, de atos de concentração e de outros atos que possam, de qualquer forma, prejudicar a concorrência. A previsão de que esses "outros atos" precisariam, em tese, ser notificados implica ambigüidade à interpretação do artigo.

27.       O projeto estabelece o controle prévio de concentrações e aperfeiçoa os critérios de notificação. Está sendo proposto que o SBDC emita seu juízo em relação às operações de concentração que se enquadrem nos critério de notificação previamente à sua consumação. Dessa forma, as partes envolvidas são incentivadas a colaborar ao máximo para a celeridade da análise, ao mesmo tempo em que são grandemente ampliadas as opções para a solução de problemas concorrenciais eventualmente surgidos.

28.       O aperfeiçoamento do critério para a notificação de atos de concentração se dá mediante a inclusão de trava adicional para a necessidade de notificação de operações. Passa a ser necessário que, pelo menos um dos grupos envolvidos tenha registrado, no ano anterior à operação, o faturamento bruto ou volume de negócios no país igual ou superior a cento e cinqüenta milhões de reais e adicionalmente que, pelo menos outro grupo envolvido, tenha registrado faturamento ou volume de vendas igual ou superior a trinta milhões de reais. Adicionalmente, fica abolido o critério de notificação de operações baseado no domínio de parcela de mercado de vinte por cento após a concentração, que acarretava insegurança jurídica às empresas quanto à necessidade de notificação.

29.       Por fim, cabe dimensionar corretamente a importância da defesa da concorrência no contexto das políticas públicas. Uma política antitruste ativa é parte essencial de uma bem sucedida economia de mercado, constituindo um instrumento de defesa do consumidor e promoção da eficiência econômica. No ambiente econômico concorrencial, as empresas defrontam-se com os incentivos adequados para aumentar a produtividade e introduzir novos e melhores produtos.

30.       Não obstante, até recentemente, a defesa da concorrência cumpriu um papel secundário na política governamental. Características que marcaram a economia brasileira ao longo de décadas - forte presença do Estado, recurso a controle de preços, elevado nível de proteção à indústria nacional, altos índices de inflação - eram naturalmente incompatíveis com tal política. Os anos que se seguiram à edição da Lei  no 8.884, de 1994, foram de grande importância para demonstrar, de um lado, os benefícios da defesa da concorrência, e, de outro,  os grandes desafios que ainda se colocavam para o adequado funcionamento do Sistema Brasileiro.

31.       Não temos dúvida de que as alterações aqui propostas na Lei no 8.884, de 1994, consubstanciam-se como as melhores soluções técnicas para a correção dos problemas anteriormente elencados.

32.       Quanto ao disposto nos arts. 16 e 17 da Lei Complementar no 101, de 4 de maio de 2000, Lei de Responsabilidade Fiscal, pode ser considerado atendido, no que se refere aos novos cargos em comissão, uma vez que as despesas relativas ao exercício de 2005, no valor de R$ 40,2 mil, estão incluídas na Lei Orçamentária Anual e as relativas a 2006 estão previstas no Projeto de Lei Orçamentária para 2006, em dotação funcional específica no âmbito do Ministério da Justiça.

 33.       As medidas propostas ensejam um passo fundamental para a agenda de desenvolvimento proposta pelo Governo e constituem-se absolutamente necessárias para a consolidação do ambiente institucional-legal, que permitirá ao País desenvolver uma política de defesa da concorrência contemporânea, que, efetivamente, tenha condições de zelar pelo livre funcionamento dos mercados e, dessa forma, garantir condições estáveis e previsíveis para a livre iniciativa dos agentes econômicos neste País.

             São estas, em síntese, Senhor Presidente, as razões que nos levaram a submeter o presente projeto de lei à apreciação de Vossa Excelência, e que, se aceito, terá o condão de reestruturar a defesa da concorrência no nosso País.

Respeitosamente,

MÁRCIO TOMAZ BASTOS
Ministro de Estado da Justiça

ANTONIO PALOCCI FILHO
Ministro de Estado da Fazenda

PAULO BERNARDO SILVA
Ministro de Estado do Planejamento, Orçamento e Gestão