SUBCHEFIA DE ASSUNTOS PARLAMENTARES

EMI  28  – MCT/MDIC/MF/Casa Civil

Brasília, 27 de abril de 2004

            Excelentíssimo Senhor Presidente da República,

           Um passo relevante para a consecução das metas na área de ciência e tecnologia é a formulação de sistema legal, cujo conteúdo possa dinamizar a relação entre universidades, institutos de pesquisa e o setor produtivo nacional.

        Em situações de economia saudável a inovação tecnológica deve ser decorrente de um ambiente que produz ciência de ponta e influencia direta e indiretamente o setor produtivo, principalmente através dos setores de pesquisa e desenvolvimento constituídos no interior das empresas. Ocorre que, fruto do modelo de desenvolvimento adotado por décadas no país, resultou na prática que raramente as empresas, mesmo as de grande porte e utilizadoras de tecnologia de ponta, contam com tais setores nas suas estruturas.

          Nesse contexto, tendo em vista que a produção científica, especialmente aquela proveniente das Universidades públicas, que constituem significativa parte da produção nacional, evidencia um contraste marcante entre um país que produz ciência de fronteira mas que não interage, como poderia e deveria, com o setor produtivo. Como conseqüência, incorporamos pouca tecnologia de ponta diretamente nos produtos, tornando-os pouco competitivos, seja no mercado interno como externo.

          O desafio de preparar, viabilizar e consolidar o salto tecnológico indispensável ao País é um caminho árduo da mudança não somente institucional ou econômica, mas, sobretudo, cultural. Não é crível admitir que, em pleno século XXI, ainda pairem olhares desconfiados para a união de esforços em um ambiente de interação entre iniciativa pública e iniciativa privada. O primeiro passo, portanto, para o aumento consistente da produção científica e tecnológica no País é a criação de mecanismos reguladores dessa relação.

          Para tanto, temos a honra de submeter à elevada consideração de Vossa Excelência o anexo Projeto de Lei que “dispõe sobre incentivos à inovação e à pesquisa científica e tecnológica no ambiente produtivo e dá outras providências”, em substituição ao Projeto de Lei nº 7.282, de 2002, cuja retirada já foi por Vossa Excelência solicitada ao Congresso Nacional. Esta nova proposta apresenta soluções há muito debatidas na sociedade, carecedoras, tão somente, de marco legal, de iniciativa do Governo Federal.

                    O Projeto de Lei em questão tem o grande emérito de tentar enfrentar esse desafio, em particular quando reconhece que entre as soluções apontadas para corrigir rumos está incrementar a interação entre Instituições Científicas e Tecnológicas, incluindo os Centros de Educação Tecnológica, que afinal produzem ciência de qualidade, pelo menos algumas delas, e o parque produtivo. Em perspectiva, é correto prever que tal interação possa constituir mais um diferencial positivo a favor de gradativamente incorporarmos mais tecnologia nos nosso produtos e desta forma os transformarmos em mais competitivos.

          Ressalte-se, por oportuno, que a proposição tem como princípio adjacente dar mais  racionalidade e organicidade ao texto proposto pelo PL nº 7.282/2002, além de adaptá-lo as estratégias e políticas do atual Governo, em especial à nova Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior, recentemente lançada. Com efeito, o Governo Federal aperfeiçoou e remodelou uma proposta existente, ao invés de reinventar a roda, trazendo como característica principal para esse novo texto ser fruto de amplo processo de discussão com a sociedade civil e com órgãos do Governo.

          É bem verdade que o texto legal, por si só, não terá o condão de transformar a realidade da produção científica e tecnológica nacional, mas é elemento relevante para a garantia do ambiente propício ao desenvolvimento de cultura de inovação e emancipação tecnológica do País.

          De início, o Capítulo I do texto apresenta as definições conceituais que conduzem à compreensão das disposições normativas. Na estrutura estabelecida, o Capítulo II trata do estímulo à construção de um ambiente de inovação, trazendo os comandos permissivos para a interação profícua entre as entidades de pesquisa e a iniciativa privada. Em especial, destaca-se a sinergia para viabilização de empresas emergentes, por meio do processo de incubação, e a colaboração com empresas consolidadas.

          No contexto de estímulo à participação das entidades públicas de pesquisa no processo de inovação, o Capítulo III traz mecanismo de suma relevância. Trata-se da transferência e o licenciamento de tecnologia de nossas universidades e institutos de pesquisa públicos para o setor produtivo nacional. Evitando tangenciar o problema da aplicação inadequada da Lei nº 8.666/1993, cuja formulação não foi direcionada para a matéria tecnológica, o presente Projeto traz modificação ao texto dessa Lei, dispensando das modalidades de licitação a contratação para transferência e licenciamento de tecnologia pelas instituições científicas e tecnológicas.

          O texto apresentado estabelece duas formas de tratamento à questão. Primeiramente, em se tratando de contratação com cláusula de exclusividade para exploração da criação, o Projeto prevê a modalidade de chamada pública, cujo procedimento será oportunamente regulamentado. Em outra hipótese, havendo fundamento para contratar sem exclusividade de exploração, as entidades públicas de pesquisa poderão fazê-lo diretamente com os interessados do setor produtivo.

          Com a disposição acima proposta, findam-se os inúmeros obstáculos que impediam a exploração pela sociedade dos produtos e processos inovadores produzidos dentro das universidades e instituições públicas de pesquisa. É selada, assim, de forma objetiva a relação entre tais entidades públicas e o setor produtivo nacional.

          A esse respeito, é importante ressaltar que as instituições científicas e tecnológicas não exercem a atividade de exploração econômica, tal como previsto no artigo 173, da Constituição Federal do Brasil. Isso porque, em primeiro lugar, o objeto do contrato de que trata o art. 6o do Projeto não consiste na atividade primária das instituições científicas e tecnológicas, mas é resultante secundário das atividades de pesquisa. É de se lembrar que a exploração econômica propriamente dita dar-se-á pelo licenciado, cujo intuito é justamente adquirir o direito de uso e exploração do objeto contratado. As instituições científicas e tecnológicas, por sua vez, não têm por escopo explorar a criação resultante das suas atividades de pesquisa.

          O comando normativo do art. 6º é fundado em relevante interesse coletivo, visto que sua finalidade é fazer chegar à sociedade produtos e processos que garantam a melhoria da qualidade de vida da população. O setor produtivo, objetivo final dos ditames do artigo 173, da Constituição Federal, é o maior interessado na implementação das medidas trazidas no artigo sob comento, vez que será ele diretamente beneficiado pela possibilidade de explorar economicamente produtos e processos resultantes de linhas de pesquisa.

          Outra relevante alteração proposta  é a permissão legal à prestação de serviços por parte das instituições científicas e tecnológicas. A iniciativa fará permitir ao setor produtivo maior simbiose com os pesquisadores públicos brasileiros, sendo certo que a relação artificial hoje vigente passará à transparência necessária no convívio público-privado. A prestação de serviços implicará no pagamento de remuneração ao pesquisador envolvido, sob a forma de adicional variável.

          No que concerne à parceria prevista no art. 9o para desenvolvimento de projetos de pesquisa científica e tecnológica, dada entre instituições públicas de pesquisa e instituições privadas, o texto ora proposto impõe a consecução de contrato cujo objeto trate os aspectos envolvendo a titularidade da propriedade intelectual das criações resultantes da parceria. Nesse caso, os pesquisadores públicos poderão perceber bolsas de estímulo à inovação, uma nova categoria de bolsa. No contexto apresentado, prevê o art. 13 o reconhecimento do pesquisador público ao garantir sua participação, em até um terço do total dos ganhos previstos contratualmente, caso tenha sido inventor, obtentor ou autor da criação objeto da relação.

          A fim de estimular a atividade empreendedora, latente nas instituições científicas e tecnológicas, pretende-se possibilitar o afastamento, por prazo de até três anos consecutivos, renovável por igual período, do pesquisador público interessado em estabelecer atividade empresarial relativa à inovação. Entretanto, fica definitivamente excluído do texto ora apresentado a hipótese, cogitada no Projeto de Lei nº 7.282/2002, de pagamento de indenização ao pesquisador que solicita o afastamento definitivo para desenvolvimento de atividade empresarial. Acreditamos que a proposta original implica em medida sem benefício relevante à sociedade e conduz ao ônus injustificado, por parte das instituições científicas e tecnológicas, de perderem um pesquisador e ainda serem obrigadas a pagar indenização.

          A intenção de formar um contexto propício ao desenvolvimento tecnológico do País ensejou inúmeras discussões acerca do papel do Governo Federal e da forma de utilização de ferramentas como os fundos setoriais de ciência e tecnologia. O resultado da análise da experiência estrangeira e a contribuição de atores diretamente envolvidos com o tema da inovação sustentaram a defesa de uma posição antes polêmica. Ponto nevrálgico do desenvolvimento tecnológico de um País, o fomento direto ao setor produtivo foi incluído na presente proposta com o objetivo de fortalecer a inovação de processos e produtos, consolidando, assim, a competitividade da indústria nacional.

          Cabe ressaltar que o mecanismo de incentivo público ao setor produtivo para desenvolvimento tecnológico é conduta permitida nos acordos e tratados internacionais, em especial, no âmbito da Organização Mundial do Comércio. Nos principais países cuja produção tecnológica é significativa, a atuação do Poder Público não prescinde do apoio direto à iniciativa privada, verdadeiro pólo atrativo e interessado na inovação.

          Assim é que o Projeto prevê a possibilidade de concessão de recursos financeiros, humanos, materiais ou de infra-estrutura ao setor produtivo nacional. Nos termos do seu art. 19, a União, as ICT e as agências de fomento promoverão e incentivarão o desenvolvimento de produtos e processos inovadores em empresas nacionais e nas entidades nacionais de direito privado sem fins lucrativos voltadas para atividades de pesquisa, mediante a concessão de recursos financeiros, humanos, materiais ou de infra-estrutura, a serem ajustados em convênios ou contratos específicos, destinados a apoiar atividades de pesquisa e desenvolvimento. Autoriza-se a concessão de recursos financeiros, sob a forma de subvenção econômica, financiamento ou participação societária, visando ao desenvolvimento de produtos ou processos inovadores, será precedida de aprovação de projeto pelo órgão ou entidade concedente. No caso de subvenção econômica a empresa beneficiária deverá assumir obrigação de contrapartida, na forma estabelecida nos instrumentos de ajustes específicos. Será, finalmente, assegurada a destinação de percentual mínimo dos recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – FNDCT e sua aplicação nas finalidades específicas a que por lei estejam vinculados.

          A medida impõe mudanças culturais de grande relevo ao País, superando o obstáculo ideológico na utilização de recursos públicos pela iniciativa privada. A importância e ousadia de uma proposição dessa natureza serão fatores definitivos para o alcance dos resultados esperados, vale dizer, o estímulo ao ambiente de produção inovadora de produtos e processos pelas empresas nacionais.

          Configuram-se, ainda, duas propostas de atuação da União Federal, de tal sorte que fique garantida a possibilidade de contratar empresas nacionais e entidades sem fins lucrativos para a execução de atividades de pesquisa e desenvolvimento com vistas à solução de problema especifico e estratégico para o País. Dessa forma, pretende-se assegurar, para o mesmo escopo, a possibilidade de a União participar da constituição de empresa de propósito específico.

          A proposição destaca atenção ao pesquisador independente, garantindo um canal de interlocução entre esse particular e as instituições científicas e tecnológicas. Pretende-se assegurar o suporte técnico necessário à viabilização de uma idéia inovadora objeto de pedido de patente.

          Por fim, conhecidos os percalços a que se submetem as empresas nacionais na tentativa de investir em pesquisa e desenvolvimento, assume-se como essencial o esforço futuro na concepção de um regime fiscal favorável à inovação. Tal medida, porém, será objeto de proposição específica, a ser desenvolvida no âmbito do Governo de Vossa Excelência, e cuja proposta ser-lhe-á oportunamente apresentada, em consonância com os objetivos do presente projeto.

          Essas são as razões precípuas que motivaram a formulação das medidas de incentivo à inovação e à pesquisa científica e tecnológica, cujo conteúdo compõe a anexa proposta que ora submeto à elevada consideração de Vossa Excelência.

          Finalmente, face à importância crucial do tema e a forte expectativa que em torno dele se criou, rogo à Vossa Excelência que, na forma do artigo 64, § 1º, da Constituição Federal, seja solicitada urgência constitucional para tramitação deste Projeto.

           Respeitosamente,

 

Eduardo Campos
Ministro de Estado da Ciência e Tecnologia
Luis Fernando Furlan
Ministro de Estado do Desenvolvimento, Indústria e
Comércio Exterior
Antonio Pallocci
Ministro de Estado da Fazenda

José Dirceu de Oliveira e Silva
Ministro de Estado Chefe da Casa Civil da
Presidência da República