SUBCHEFIA DE ASSUNTOS PARLAMENTARES

EM Interministerial nº 00122/2004 - MF MTE MPS MDIC

Brasília, 10 de setembro de 2004.

 

Excelentíssimo Senhor Presidente da República,

 

                         Submetemos à elevada consideração de Vossa Excelência o anexo projeto de lei complementar que institui regime tributário, previdenciário e trabalhista especial à microempresa com receita bruta anual até R$ 36.000,00 (trinta e seis mil reais) e dá outras providências.

2.                         As medidas propostas no projeto de lei em questão resultam de estudo realizado sobre os pequenos negócios informais no Brasil. Esse estudo é parte integrante de uma ampla agenda de reformas microeconômicas que visam aperfeiçoar o ambiente de negócios no País e fomentar o empreendedorismo, favorecendo a retomada do crescimento econômico, a redução do desemprego e a elevação da renda e do bem-estar social.

3.                         Nesse caso em particular, o estímulo ao empreendedorismo cumpre importante papel no sentido de ampliar a capacidade de geração de renda da população mais pobre, criando alternativas para que possa suplantar sua condição de miséria e pobreza. Nesse sentido, as medidas de apoio ao empreendedorismo complementam a ação social do Governo, uma vez que a legalização do negócio do pequeno empreendedor e de sua família, além de trazer dignidade e cidadania ao indivíduo, possibilita a elevação de seu patamar de renda, com impactos positivos sobre os níveis de escolaridade e as condições de saúde da população pobre.

4.                         Hoje em dia, a população pobre tem tido dificuldades de melhorar sua condição social pela via do empreendedorismo. Isso ocorre, pois, entre a situação de informalidade e a constituição de uma empresa formal, existe um fosso cuja travessia tem se revelado difícil. Ao entrar em funcionamento, a empresa formal, além de dificuldades associadas à constituição, registro e legalização da empresa, foco de outras políticas em estudo pelo Governo Federal, fica obrigada a uma série de encargos de natureza tributária, trabalhista e previdenciária, cujo cumprimento exige a necessidade de escrituração complexa de custo não desprezível.

5.                         As dificuldades para a constituição e operação de um negócio formal certamente explicam, ao menos parcialmente, o porquê de termos um grande contingente de trabalhadores informais, hoje em dia, no Brasil. Os dados da pesquisa mensal de emprego do IBGE revelam que, ao final do primeiro semestre de 2004, 22,5% da população ocupada era composta de empregados sem carteira assinada. Além disso, outros 20,1% da população ocupada consistiam de trabalhadores por conta própria. Ou seja, quase 43% da população ocupada nas seis maiores regiões metropolitanas brasileiras (Recife, Salvador, Belo Horizonte, São Paulo, Rio de Janeiro e Porto Alegre) encontram-se nessas categorias de ocupação que se encontram no âmago da informalidade.

6.                         Os dados nacionais são ainda mais expressivos. Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios - PNAD de 2002, do IBGE, o total de trabalhadores sem carteira assinada ou por conta própria, com 21 anos ou mais, em atividade não agrícola e que não contribuem para a previdência, com renda até R$ 36.000,00 ao ano do trabalho principal, perfil que constitui o núcleo de nosso público-alvo, alcançavam a cifra dos 16,9 milhões.

7.                         Diante dos obstáculos à formalização, o que ocorre é que a maior parte daqueles que buscam iniciar um pequeno negócio acabam aprisionados na situação de informalidade. Uma recente pesquisa encomendada pelo Governo Federal, realizada entre novembro de 2003 e janeiro de 2004, entrevistou 640 empreendedores informais nos Municípios de São Paulo, Franca, São José do Rio Preto e Ribeirão Preto. Essa pesquisa constatou que 65% dos empreendimentos informais tinham tempo de funcionamento acima de 3 anos, sendo que 45% entre 3 e 10 anos, o que indica que os empreendedores informais normalmente permanecem longo período nessa condição. E, para 63% dos empreendedores informais entrevistados, o negócio por eles administrado é a única fonte de renda.

8.                         Essa constatação é motivo de preocupação, uma vez que a condição de informalidade traz diversos prejuízos ao empreendedor e, sobretudo, à economia do País.  O empreendedor informal enfrenta dificuldades de transacionar com as empresas maiores, pois não emite notas fiscais. Não possuindo personalidade jurídica bem definida, o empreendedor informal encontra dificuldades de oferecer garantias na tomada de empréstimos, limitando o seu acesso ao crédito. O empreendedor informal tem ainda receio de ficar visível para o Fisco caso o seu negócio cresça. O mesmo receio é observado em relação às obrigações trabalhistas, o que faz com que a rotatividade do trabalhador seja maior nos empreendimentos informais. Com uma maior rotatividade da mão-de-obra, menor tende a ser a produtividade do trabalhador e, conseqüentemente, menores os salários pagos.

9.                         A pesquisa revelou ainda que as principais razões que desestimulam a formalização são questões relativas à burocracia enfrentada pelo pequeno empreendedor. Cerca de 40% dos empreendedores entrevistados apontaram como principal entrave à formalização a burocracia do processo de registro e legalização de empresas e a burocracia do dia-a-dia do funcionamento da empresa.

10.                         O diagnóstico aqui sintetizado aponta para um grande desafio no sentido de criar as condições para a inserção desse grande contingente de pequenos empreendedores informais no setor formal da economia. Para isso, torna-se imprescindível a criação de uma alternativa juridicamente segura e economicamente viável para esses empreendedores. O que se busca é promover a formalização de seu negócio, sua inclusão previdenciária e a de seus empregados, assim como o estímulo ao emprego formal. O que se propõe são regimes simplificados e de reduzida oneração para suas obrigações tributárias, previdenciárias e trabalhistas como empresa, assim como o apoio de sistema informatizado a fim de tornar ainda mais simples a gestão de negócios do pequeno empreendedor.

11.                         Adicionalmente, vale dizer que a medida se destina à microempresa composta pelo típico empresário por conta própria em que a pessoa física e o ente jurídico se confundem no exercício da atividade econômica. O faturamento é limitado a R$ 36.000,00 ao ano a fim de focalizar melhor a política e por entender-se que, caso o empreendedor adquira escala em seu negócio, já existem outras alternativas pelas quais optar.

12.                         O regime tributário simplificado dá à microempresa a vantagem de arrecadar de forma unificada tributos federais, estaduais e municipais. A microempresa ficará desonerada de um conjunto de impostos e contribuições federais, entre eles o Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas - IRPJ, a Contribuição para os Programas de Integração Social - PIS/PASEP, a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido - CSLL, Contribuição para Financiamento da Seguridade Social - COFINS e o Imposto sobre Produtos Industrializados - IPI para bens produzidos no País. Na esfera federal, a microempresa recolherá apenas a Contribuição para a Seguridade Social, a cargo da empresa. Ademais, impostos estaduais e municipais como Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal - ICMS e Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza - ISS também fazem parte dessa sistemática unificada de pagamento de tributos. Uma escrituração tributária simplificada e de baixo custo também é facultada à microempresa.

13.                         É importante ressaltar que a inclusão do ICMS e do ISS objetiva permitir que a microempresa possa cumprir de uma única vez todas suas obrigações, que deverão ser calculadas mensalmente. O projeto de lei complementar tem a flexibilidade necessária, em especial no que tange à determinação de alíquotas, para permitir a adaptação dos diferentes programas voltados ao pequeno empreendedor existentes em Estados e Municípios. A lei inclusive prevê a criação de Comitê Gestor com a participação de representantes do Governo Federal, dos Estados e dos Municípios a fim de realizar os devidos ajustes na política de maneira consensuada entre os entes federativos.

14.                         Nesse regime tributário simplificado, a microempresa estará obrigada mensalmente a uma alíquota única de 1,5% sobre o faturamento, montante dirigido à contribuição previdenciária a cargo da empresa. Caso a microempresa seja contribuinte de ICMS poderá haver um acréscimo de até 1,5% sobre o faturamento ou de alíquota ad rem de até R$ 45,00. Caso o seja do ISS, poderá haver acréscimo de até 2% sobre faturamento ou alíquota ad rem de até R$ 60,00.

15.                         No que concerne às obrigações trabalhistas, busca-se incentivar o emprego formal, regido pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), no âmbito do pequeno empreendimento, desonerando os encargos percebidos pela microempresa de algumas contribuições. A contribuição ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço - FGTS é reduzida de 8% para 0,5% sobre o salário, desde que com expressa concordância do empregado. Além disso, a microempresa fica desobrigada das contribuições sindicais e ao Sistema S (SESC, SESI, SENAI, dentre outros) e de outras obrigações acessórias. Com isso, os trabalhadores que hoje se encontram no subterrâneo da economia passarão a contar com a proteção da CLT, reduzindo-se o grau de precarização da relação de trabalho, dando maior segurança jurídica a empregado e empregador.

16.                         O Projeto é complementado por ajustes na Legislação da Previdência Social para contemplar o sistema especial de inclusão social previsto na Emenda Constitucional nº 41, de 19 de dezembro de 2003, aplicável aos contribuintes individuais que trabalham por conta própria e sem qualquer vínculo de serviço com empresa e contribuintes facultativos. Esse sistema especial de inclusão social está sendo estendido também para o empresário da microempresa de que trata este Projeto de Lei Complementar.

17.                         Por esse sistema, a esse empresário, aos trabalhadores por conta-própria e aos contribuintes facultativos é dada a opção de se filiar à Previdência Social e ter direito a todos os benefícios assegurados pelo regime - à exceção da aposentadoria por tempo de contribuição, de resto um benefício de difícil acesso para os segurado de baixa renda -, mediante contribuição de, apenas, 11% (onze por cento) sobre o salário mínimo.

18.                         É relevante esclarecer que, no setor privado, existem 27 milhões de pessoas que não estão cobertas pela Previdência Social, conforme dados da PNAD 2002/IBGE. Isso corresponde a 38,3% da população ocupada no setor privado. No futuro, caso não possua renda de aposentadoria, esse contingente dependerá de benefícios assistenciais ou viverá às custas de suas famílias. Mesmo no presente, se o trabalhador não estiver filiado à previdência, a perda da capacidade de trabalho temporária ou permanente devido a acidentes e doenças, ou mesmo o falecimento, trará conseqüências nefastas para ele e para a sua família, devido à ausência de garantias à reposição de renda para si e para seus dependentes.

19.                         Registre-se que a cobertura previdenciária brasileira é extremamente baixa, principalmente em relação àqueles que trabalham por conta própria, posição na ocupação esta em que a probabilidade de existir um trabalhador desprotegido é quase 2 vezes maior do que dentre o total da população ocupada. Nesta categoria estão 6,9 milhões de excluídos. Cumpre destacar que, por atender também à categoria de segurados facultativos,  sobretudo os que possuem baixa renda, o regime especial aqui instituído abre a possibilidade de que donas-de-casa e estudantes, que hoje contam com baixíssimas taxas de adesão à Previdência Social, possam ingressar no sistema. Com isso, estarão sendo atendidos justificados anseios destes grupos, reiteradamente levados à consideração do governo de Vossa Excelência.

20.                         No caso do empresário da microempresa de que trata esta Lei, para a contribuição devida pelos seus empregados aplicar-se-á a legislação em vigor, que prevê, para a primeira faixa de renda, alíquota de 8% sobre o salário de contribuição. A contribuição a cargo da empresa, único tributo federal apurado na sistemática unificada conforme já mencionado, é de 1,5% do faturamento da microempresa. Com isso, cria-se um incentivo real à inclusão previdenciária tanto desse empresário quanto de seus empregados, elevando o nível de cobertura do sistema previdenciário.

21.                         O Projeto em questão promove também outras alterações na legislação da Previdência Social. Em relação à Lei de Custeio da Previdência Social, propõe-se adequar a base de contribuição de que trata o art. 45 ao mesmo critério utilizado para a apuração do salário-de-benefício e limitar em 50% o percentual de juros moratórios incidentes sobre o valor das contribuições atrasadas dos contribuintes individuais ou relativas à indenização de períodos anteriores à filiação obrigatória, como forma de manter razoável equilíbrio contributivo, independentemente do período que se pretenda indenizar ser mais ou menos antigo.

22.                         É importante salientar que a base de cálculo das contribuições relativas a período anterior a abril de 1995 (Lei nº 9.032, de 28 de abril de 1995) devidas por contribuintes individuais, ou por quem pretenda indenizar período anterior à filiação obrigatória, é, atualmente, a média aritmética simples dos seus 36 últimos salários-de-contribuição e será, caso seja acolhida nossa proposta, a média aritmética simples dos maiores salários-de-contribuição, reajustados, correspondentes a oitenta por cento de todo o período contributivo decorrido desde a competência julho de 1994. Ou seja, sobre um valor atual aplica-se a alíquota de 20% e acrescenta-se mais 10% de multa e mais 0,5% ao mês, capitalizado anualmente, sem qualquer limite. O fato é que a aplicação dos juros desequilibra o valor devido, em razão do período que se pretende regularizar. Se a base de incidência é atual não faz sentido exigir contribuição em valores muito divergentes para competências mais ou menos antigas.

23.                         Ademais, foi incluído dispositivo que prevê que o trabalhador que contribua de conformidade com a nova sistemática, ora proposta, e que depois pretenda contar esse tempo para aposentadoria por tempo de contribuição só possa fazê-lo se complementar as contribuições, ou seja, a exigibilidade da complementação, na hipótese, não estará sujeita a qualquer prazo.

24.                         Completa os ajustes na Legislação Previdenciária as adequações necessárias no estatuto dos benefícios decorrentes da criação do mencionado regime especial de contribuição e da necessidade de manter o necessário equilíbrio financeiro e atuarial do Regime Geral de Previdência Social - RGPS, sob pena se comprometer a sua viabilidade financeira no longo prazo.

25.                         Nesse sentido, propõe-se que o período em que o segurado por conta própria e facultativo contribuir com essa alíquota reduzida não seja computado para fins de aposentadoria por tempo de contribuição, a qual não exige limite de idade. Nenhum prejuízo haverá para os demais benefícios, tais como aposentadoria por invalidez, aposentadoria por idade, salário-maternidade, auxílio-acidente de qualquer natureza ou causa, pensão por morte e auxílio-reclusão.

26.                         Sendo um período de contribuição diferenciado, há que se estabelecer restrição quanto ao plano de benefícios. Cumpre lembrar que os segurados especiais (pequenos produtores rurais que trabalham em regime de economia familiar) também não têm acesso à aposentadoria por tempo de contribuição, mas somente à aposentadoria por idade e invalidez, em face de também terem um tratamento contributivo e específico.

27.                         Coerente com as disposições anteriores, propõe-se adequar a regra cálculo dos benefícios do segurado que tenha menos de doze contribuições mensais no período básico de cálculo, para coibir a prática de se criar benefícios de valor elevado mediante o artifício de recolhimento de apenas uma contribuição, no caso de auxílio-doença, quando tratar-se de situação que dispensa o cumprimento do período carência, ou por apenas quatro meses de contribuição, por parte de quem já tenha perdido o vínculo com a Previdência Social mas já havia sido filiados ao RGPS antes de julho de 1994.

28.                         Como o valor do benefício constitui a média aritmética simples dos salários-de-contribuição, segue-se que o valor a ser pago pela Previdência Social corresponderá ao valor base da única contribuição recolhida, o que constitui injustificável tratamento privilegiado aos oportunistas de última hora, em prejuízo do sistema previdenciário e dos contribuintes regulares. O mesmo se dá em relação àqueles que há muito pararam de contribuir para a Previdência Social e que, para fazer jus aos benefícios, têm que cumprir tão somente 1/3 da carência prevista.

29.                         A proposta consiste em determinar que, no caso do segurado ter recolhido menos de 12 contribuições durante todo o período contributivo, isto é, desde julho de 1994 até os dias de hoje, o valor do benefício corresponderá a 1/12 avos da soma dos salários-de-contribuição, corrigidos, correspondentes às contribuições recolhidas, respeitado, o valor do salário mínimo.

30.                         Importante ressaltar, ainda, a coerência da proposta com a política de inclusão social do atual Governo, neste caso, permitindo aos servidores públicos de baixa renda vinculados a regime próprio de previdência social, o acesso a empréstimos em condições mais favoráveis.

31.                         Diante de todo o exposto, pretende-se que a adoção dessas medidas atue como uma ponte entre a situação de informalidade hoje experimentada por milhares de pequenos negociantes e a constituição formal de uma empresa. Os incentivos previstos nesse projeto de lei complementar deverão fornecer a oportunidade para que muitos dos pequenos empreendimentos possam crescer. Além disso, o regime previdenciário para inclusão social deverá beneficiar a um enorme contingente de trabalhadores por conta-própria, enquadrados como contribuinte individual, e contribuintes facultativos.

32.                         O encaminhamento destas medidas sob forma de lei complementar está amparado no disposto pelos artigos 146, 170 e 179 da Constituição Federal.

33.                         O pedido de tramitação especial em regime de urgência, nos termos do § 1º do artigo 64 da Constituição Federal, para o Projeto de Lei Complementar apresentado justifica-se pela retomada em curso da economia brasileira que terá efeitos ainda mais positivos e mais abrangentes no sentido de elevar o bem-estar da população mais pobre, que, com sua inclusão no setor formal, passará a colher diretamente os frutos do crescimento econômico.

34.                         É o que submetemos à consideração de Vossa Excelência.

Respeitosamente,

ANTONIO PALOCCI FILHO
Ministro de Estado da Fazenda
LUIZ FERNANDO FURLAN
Ministro de Estado do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior
RICARDO JOSÉ BERZOINI
Ministro de Estado do Trabalho e Emprego
AMIR FRANCISCO LANDO
Ministro de Estado da Previdência Social