Presidência da República
Casa Civil
Secretaria Especial para Assuntos Jurídicos

EM nº 00105/2023 MF

Brasília, 24 de Agosto de 2023

Senhor Presidente da República,

1.                Submeto à apreciação de Vossa Excelência o Projeto de Lei que trata das regras de incidência do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF) sobre os rendimentos auferidos em aplicações financeiras no exterior, entidades domiciliadas no exterior (offshores) e trusts no exterior.

Panorama da situação atual

2.                Atualmente, os investimentos financeiros de pessoas físicas no exterior podem ser estruturados de diversas maneiras. Uma dessas maneiras são estruturas societárias no exterior, tais como sociedades propriamente ditas (conhecidas como “Private Investment Companies” – PIC), classes de cotas de fundos de investimento e fundações, vulgarmente conhecidas como entidades “offshore”. Nessas entidades, o contribuinte brasileiro detém o controle, decidindo o que fazer com os recursos, onde investir e quando liquidar o investimento. Uma vez criada a estrutura, a entidade passa a auferir os rendimentos dos ativos e pode represar estes rendimentos no exterior, ficando anos sem distribuí-los para o sócio pessoa física no Brasil.

3.                Esse represamento implica o diferimento da tributação no Brasil até o momento da efetiva transferência de recursos pela entidade para o sócio pessoa física residente no Brasil, em conta corrente no Brasil ou no exterior, ou o uso dos recursos da entidade para pagar despesas pessoais do sócio – por exemplo, quando a entidade paga despesas do sócio em compras de artigos pessoais e viagens no exterior.

4.                Esse diferimento da tributação das offshores cria uma vantagem financeira relevante para o investimento sob essa estrutura, em comparação com investimentos financeiros feitos diretamente pela pessoa física no exterior, que são tributados pelo regime de caixa, violando a isonomia tributária.

5.                Essa vantagem se verifica, ainda, em relação a investimentos financeiros no Brasil, que também são tributados pelo regime de caixa, gerando-se uma vantagem tributária de se remeter recursos para investir no exterior, em detrimento do investimento no Brasil, e criando uma quebra da neutralidade tributária e distorção alocativa, em prejuízo dos interesses nacionais.

6.                Vale observar que, na prática, o diferimento tributário na tributação dos lucros das entidades controladas no exterior pode se estender por toda a vida da pessoa física, ou até mesmo após o seu falecimento, criando uma situação de grave injustiça tributária e atuando como um mecanismo de concentração de renda, ao desonerar os contribuintes de alta renda, que são os titulares dos investimentos no exterior.

7.                Observando dados do Banco Central do Brasil sobre investimento no exterior, verifica-se que as pessoas físicas possuem ativos no exterior em valor total superior a USD 200 bilhões e parte expressiva se refere a participações em empresas e fundos de investimento, especialmente em países ou regimes de baixa ou nula tributação (“paraísos fiscais”), sendo que os rendimentos auferidos pelas pessoas físicas por meio de tais estruturas investimentos raramente são levados à tributação do imposto de renda brasileiro.

8.                Em relação aos trusts, instrumentos contratuais de planejamento patrimonial e sucessório de famílias de alta renda, a ausência de regulamentação dos seus efeitos tributários no Brasil é fonte de insegurança jurídica.

Capítulo I – Das disposições gerais

9.                O art. 2º traz uma nova regra geral de tributação dos rendimentos oriundos do capital aplicado no exterior, visando a tornar mais uniforme e progressiva a tributação. São criadas alíquotas de 0%, 15% e 22,5%, a depender do nível de renda do capital da pessoa física. A pessoa física com renda no exterior de até R$ 6.000,00 (seis mil reais) por ano estará sujeita à alíquota de 0%. Essa pode ser a situação das pessoas que têm utilizado contas bancárias estrangeiras remuneradas para arcar com pequenas despesas pessoais no exterior, por exemplo, em viagens internacionais. A renda entre R$ 6.000,00 (seis mil reais) e R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) por ano ficará sujeita à tributação pela alíquota de 15%, enquanto a renda superior ao patamar de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) ficará sujeita à alíquota de 22,5%, sendo essa a alíquota máxima já aplicada para aplicações financeiras de curto prazo no Brasil.

10.              O § 3º do art. 2º preserva a isenção para variação cambial de depósitos não remunerados no exterior que consta, atualmente, do § 4º do art. 25 da Lei nº 9.250, de 1995, com melhoria de redação, possibilitando mais segurança jurídica. Os §§ 4º e 5º do art. 2º consolidam no Projeto as regras de tributação dos ganhos na alienação de moeda estrangeira em espécie, que constavam do art. 24 da Medida Provisória nº 2.158-35, de 2001.

Capítulo II – Das aplicações financeiras no exterior

11.              O art. 3º trata da primeira modalidade de investimento do capital no exterior, diretamente pela pessoa física, em aplicações financeiras. É apresentado um rol exemplificativo de aplicações financeiras e é apresentada uma lista também exemplificativa dos rendimentos sujeitos a essa regra. Os rendimentos das aplicações financeiras deverão ser tributados quando forem auferidos (efetivamente percebidos) pela pessoa física, pelo regime de caixa.

12.              O art. 4º prevê o direito de a pessoa física residente no Brasil compensar o imposto de renda pago no exterior, desde que a compensação esteja prevista em tratado ou haja acordo de reciprocidade. A dedução fica limitada ao valor do imposto pago no exterior, que não for passível de recuperação pelo contribuinte no exterior, até o montante do imposto de renda devido no Brasil sobre o rendimento.

Capítulo III – Das controladas no exterior

13.              O art. 5º endereça os problemas de subtributação dos lucros das sociedades no exterior (offshores). É introduzida uma regra de tributação periódica dos lucros de sociedades e demais entidades, personificadas ou não, no exterior controladas por pessoas físicas residentes no Brasil (conhecidas internacionalmente como regras de “controlled foreign corporations” – “CFC”).

14.              O Brasil conta, há muitos anos, com uma regra desse tipo para investimentos feitos por empresas brasileiras em controladas no exterior (regras de tributação em bases universais – “TBU”). Entretanto, não há, até hoje, uma regra equivalente para investimentos feitos por pessoas físicas. O Brasil é uma das raras exceções, no mundo, que ainda permite a utilização de estruturas offshores por pessoas físicas para diferir indefinidamente o pagamento do tributo, contrariando as melhores práticas internacionalmente aceitas.

15.              A Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (“OCDE”) recomenda a utilização de regras anti-diferimento na Ação 3 do Projeto BEPS. A maioria dos países adota regras anti-diferimento da tributação de offshores, tanto para pessoas jurídicas, quanto para pessoas físicas. Podemos citar, como exemplos, na América Latina, o Chile, Colômbia e México, na União Europeia, a Alemanha, Áustria, Bélgica, França, Holanda, Portugal, e, no restante do mundo, os Estados Unidos, o Reino Unido e a Austrália, dentre outros.

16.              O Projeto adequa o Brasil à experiência internacional, ao criar regras anti-diferimento específicas para evitar o acúmulo de capital em entidades controladas no exterior, sem tributação, por pessoas físicas residentes no País.

17.              As entidades sujeitas ao regime tributário do Projeto são aquelas controladas por pessoa física residente no Brasil isoladamente ou com pessoas vinculadas, como familiares próximos, incluindo as classes de cotas de sociedades ou fundos com patrimônios segregados (§§ 1º a 4º do art. 5º).

18.              Além disso, para se submeter à regra de tributação automática dos lucros, há dois critérios alternativos. O primeiro é o critério jurisdicional: a entidade deve estar constituída em jurisdição de tributação favorecida, ou em regime fiscal privilegiado (vulgarmente conhecidos como “paraíso fiscal”), observadas as definições da lei tributária (inciso I do § 5º do art. 5º). Como a lista de “paraísos fiscais” não cobre, na prática e de forma exaustiva, todas as jurisdições de baixa tributação, ou com regimes fiscais favorecidos específicos para expatriados de alta renda, há um segundo critério, da renda passiva. Nesse sentido, a regra também inclui as sociedades no exterior com renda ativa própria inferior a 60% (sessenta por cento) da renda total, trazendo as definições expressas de renda ativa e renda total (inciso II do § 5º e § 6º do art. 5º).

19.              Os dois critérios elegidos são utilizados, em medidas variadas, pelos demais países do mundo para aplicação das suas regras de CFC. Ademais, tanto o critério jurisdicional, quanto o critério da renda passiva, já são utilizados na regra de tributação em bases universais aplicável às pessoas jurídicas domiciliadas no Brasil, ainda que de maneira diversa, na Lei nº 12.973, de 2014, e sua eficácia já foi colocada à prova à luz da realidade brasileira.

20.              São previstas salvaguardas específicas para não aplicar as regras de tributação periódica dos lucros para as empresas com atividades operacionais no exterior, para instituições financeiras (§ 7º), holdings (§ 8º) e imobiliárias (§ 9º). Adiante, são criadas regras específicas de como declarar os lucros e para evitar a dupla tributação (§§ 10 e 11). Por segurança jurídica, o texto prevê expressamente que a variação cambial do valor em moeda estrangeira do lucro já tributado não implicará ganho tributável ou perda dedutível no momento da distribuição do dividendo (§ 12). É permitida a compensação de prejuízos apurados a partir de 2024 com lucros posteriores (§ 14). Fica prevista, ainda, a possibilidade de a entidade offshore investir no Brasil, direta ou indiretamente, sem dupla tributação sobre o lucro de fonte brasileira (§§ 13 e 16). O § 15, por fim, prevê o direito de compensação do imposto de renda pago no exterior sobre o lucro e rendimentos da entidade controlada.

21.              A nova regra aplica-se aos resultados apurados pelas entidades controladas a partir de 1º de janeiro de 2024. Os resultados acumulados pelas entidades no exterior até 31 de dezembro de 2023, antes da entrada da nova regra de tributação, serão tributados somente no momento da efetiva disponibilização para a pessoa física (inciso I do art. 6º). A mesma regra de tributação na efetiva disponibilização aplica-se para os lucros das entidades controladas no exterior, apurados a partir de 1º de janeiro de 2024, que não estiverem sujeitas à regra de tributação periódica do art. 5º (inciso II do art. 6º).

22.              O art. 7º esclarece que a variação cambial do principal aplicado na entidade no exterior comporá o ganho de capital tributável no momento da alienação, baixa ou liquidação do investimento, inclusive por meio de devolução de capital (como nas hipóteses de redução de capital, resgate de ações e dissolução). Os §§ 1º e 2º preveem claramente as regras de apuração, com mais segurança jurídica, em comparação à situação atual.

23.              Vale destacar que as regras de tributação dos lucros das offshores pressupõem que o lucro por elas gerado seja compatível com as suas atividades, em boa parte dos casos decorrentes da aplicação do seu capital para geração de renda passiva de natureza financeira.

24.              O art. 8º acrescenta a opção de a pessoa física tratar a entidade controlada como transparente para fins fiscais. Essa opção poderá ser exercida, separadamente, para cada controlada, direta ou indireta, e valerá para a totalidade do patrimônio da respectiva controlada. Caso esta opção seja exercida pelo contribuinte, ele passará a declarar os bens e direitos detidos pela entidade offshore como se fossem detidos diretamente pela pessoa física, submetendo-os ao regime de tributação das pessoas físicas. A opção por esse regime, juntamente com a permissão de compensação de perdas, possibilita que ativos alternativos na carteira das entidades (como cotas de fundos de private equity e venture capital no exterior e participações societárias minoritárias em start-up’s) sejam tributados quando a renda produzida por esses ativos for efetivamente percebida, pelo regime de caixa.

Capítulo IV – Da compensação de perdas

25.              O Capítulo IV prevê regras amplas de compensação de perdas apuradas em aplicações financeiras com rendimentos de operações da mesma natureza.

26.              O art. 9º permite a compensação de perdas apuradas em aplicações financeiras no exterior com ganhos em operações da mesma natureza, dentro do período de apuração. Caso as perdas superem os ganhos no ano, as perdas poderão ser compensadas com lucros e dividendos de entidades controladas no exterior que tenham sido computados na DAA no mesmo período de apuração. Finalmente, caso ainda assim haja acúmulo de perdas, estas poderão ser compensadas em períodos de apuração posteriores.

Capítulo V – Dos trusts no exterior

27.              O Capítulo V trata dos trusts no exterior, que consistem em uma ferramenta contratual muito utilizada no exterior para organização do patrimônio e da sucessão por famílias de alta renda. Trata-se de contrato oriundo do direito anglo-saxão que estabelece as regras de distribuição do patrimônio pelo patriarca ou matriarca aos seus herdeiros. O trust é sofisticado, podendo estipular datas de distribuição, encargos, termos, condições e diversas orientações sobre a gestão do patrimônio, mesmo após o falecimento do instituidor.

28.              O patriarca ou matriarca cria o trust (figurando como “instituidor”), indicando, na escritura do trust (“trust deed” ou “declaration of trust”), os bens e direitos vertidos ao trust, para serem mantidos sob administração fiduciária de uma pessoa ou empresa especializada (“trustee”). Futuramente, os bens e direitos vertidos ao trust, acrescidos dos seus frutos, deverão ser disponibilizados aos herdeiros (“beneficiários”), segundo as regras previstas nos documentos do trust.

29.              O trust não é, até o momento, regulado sob a égide do Direito brasileiro, o que causa dúvidas interpretativas relevantes acerca da sua tributação e é fonte de insegurança jurídica (tanto da perspectiva do contribuinte, quanto do Estado).

30.              O Projeto regula, pela primeira vez no Brasil, de forma específica, o tratamento tributário dos trusts.

31.              No art. 10, é criada uma espécie de regime de “transparência fiscal”, muito utilizada no exterior para tratar desse instituto. Os bens e direitos objeto do trust permanecerão como integrantes do patrimônio pessoal do instituidor em um primeiro momento, após a instituição do trust, e passarão ao patrimônio pessoal dos beneficiários somente quando houver a distribuição pelo trust aos beneficiários, ou o falecimento do instituidor, o que ocorrer primeiro. A distribuição terá natureza jurídica de herança ou doação, a depender do evento que a desencadeou.

32.              O Projeto traça uma distinção entre os trusts revogáveis e irrevogáveis. A regra geral, acima mencionada, aplica-se ao trust revogável. Em comparação, no trust irrevogável, pode haver a transmissão da titularidade pelo instituidor ao beneficiário em momento anterior àquele previsto na regra geral.

33.              Durante o prazo de vigência do trust, os rendimentos e ganhos de capital relativos aos bens e direitos objeto do trust deverão ser tributados pela pessoa que for considerada como titular na data do fato gerador – i.e., o instituidor ou o beneficiário, conforme o caso. Essa regra inclui as entidades controladas detidas pelo trust, que serão consideradas como sendo detidas pela pessoa física definida como titular do patrimônio do trust. Também há regras específicas para cumprimento das obrigações tributárias do instituidor e beneficiário, bem como o acesso de informações e recursos sob administração fiduciária do trustee.

34.              O art. 11 estabelece regras seguras para a declaração dos bens e direitos do trust pelo seu titular, na Declaração de Ajuste Anual, mantendo-se o custo de aquisição total daquele patrimônio. A regra só é aplicável ao trust já declarado. O contribuinte deverá preservar o custo de aquisição e alocação para os bens e direitos do trust. Foi definido como critério de alocação do custo uma simples proporcionalização entre o valor de cada bem ou direito frente ao patrimônio total do trust.

35.              O art. 12 traz importantes definições relativas ao trust, para melhor compreensão deste instituto à luz do Direito brasileiro.

36.              O art. 13 prevê que as mesmas regras do trust aplicam-se para contratos com características semelhantes.

Capítulo VI – Da atualização do valor dos bens e direitos no exterior

37.              O art. 14 traz a opção para o contribuinte atualizar o valor dos seus bens e direitos no exterior para o valor de mercado em 31 de dezembro de 2023, tributando a diferença para o custo de aquisição (ganho de capital) pela alíquota definitiva de 10% (dez por cento), desde que haja o pagamento do imposto até 31 de maio de 2024.

38.              Essa opção tem o objetivo de incentivar o contribuinte a tributar estes valores, os quais, caso contrário, somente seriam gravados quando fossem disponibilizados para o sócio pessoa física. Há, portanto, uma antecipação do aspecto temporal do IRPF para o ano-calendário da atualização do valor dos bens e direitos.

Capítulo VII – Das disposições finais

39.              O art. 15 estabelece uma regra para conversão da renda de moeda estrangeira para reais na apuração do imposto de renda, na ausência de outra disposição específica no Projeto.

40.              O art. 16 revoga a isenção relacionada à venda de bem adquirido na condição de não-residente. Essa isenção permite que a pessoa retome a condição de residente, mantenha o ativo se valorizando no exterior e venda, posteriormente, sem recolhimento de tributos no Brasil. Também ficam revogados os dispositivos que tratam da isenção de depósito não remunerado e do ganho na alienação de moeda estrangeira em espécie, consolidados no Projeto. As revogações produzirão efeitos a partir de 1º de janeiro de 2024.

41.              A relevância e a urgência da medida são justificadas em função das perdas de arrecadação tributária que o Brasil experimenta ano após ano devido à deficiência existente na legislação do imposto de renda que permite a utilização desse tipo de estrutura por contribuintes dotados de elevada capacidade contributiva como forma de evitar ou postergar a tributação no Brasil, deficiências estas que, se corrigidas, tornarão o sistema tributário mais justo e permitirão a arrecadação de receitas necessárias para fazer frente aos gastos que o Estado brasileiro deve realizar, razão pela qual se submete também à deliberação o pedido de que haja a solicitação de urgência para tramitação do projeto de lei, nos termos do art. 64, § 1º, da Constituição Federal.

DO IMPACTO ORÇAMENTÁRIO

42.              Em cumprimento ao disposto no art. 14 da Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000 - Lei de Responsabilidade Fiscal, cumpre informar que a medida proporcionará impacto orçamentário-financeiro positivo potencial para a União, cuja estimativa é da ordem de R$ 7,05 bilhões para o ano de 2024, próximo à R$ 6,75 bilhões para o ano de 2025 e de R$ 7,13 bilhões para o ano de 2026.

43.              Essas, Senhor Presidente, são as razões que justificam a elaboração do Projeto de Lei que ora submeto à elevada apreciação de Vossa Excelência.

Respeitosamente,

Dario Carnevalli Durigan
Ministro de Estado da Fazenda, substituto