Presidência da República
Casa Civil
Secretaria Especial para Assuntos Jurídicos

EMI n° 00006/2023 MTE MM MRE

Brasília, 6 de Março de 2023.

Excelentíssimo Senhor Presidente da República,

  1. Submetemos à elevada consideração do Senhor, para posterior encaminhamento ao Congresso Nacional, o texto da Convenção Nº 190 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) sobre a Eliminação da Violência e do Assédio no Mundo do Trabalho, aprovado durante a 108ª Conferência Internacional do Trabalho, realizada de 10 a 21 de junho de 2019.

  2. Os instrumentos defendem um futuro do trabalho decente que, segundo a OIT, consiste no “trabalho adequadamente remunerado, exercido em condições de liberdade, equidade e segurança, capaz de garantir uma vida digna”. Esse conceito sintetiza a missão histórica da OIT de promover oportunidades para que homens e mulheres obtenham um trabalho produtivo e de qualidade, em condições de liberdade, equidade, segurança e dignidade humanas, sendo considerado condição fundamental para a superação da pobreza, a redução das desigualdades sociais, a garantia da governabilidade democrática e o desenvolvimento sustentável.

  3. A Convenção nº 190 parte do princípio de que a violência e o assédio no mundo do trabalho afetam a saúde psicológica, física e sexual das pessoas, bem como a dignidade e o ambiente familiar e social e, ainda, a qualidade dos serviços públicos e privados e podem impedir as pessoas, em particular as mulheres, de terem acesso, permanecerem e progredirem no mercado de trabalho. O documento também indica, com clareza, o conceito de violência e assédio no mundo do trabalho e quais medidas devem ser tomadas para preveni-los e combatê-los.

  4. O preâmbulo do instrumento afirma que a violência e o assédio podem constituir uma violação ou abuso dos direitos humanos e são uma ameaça à igualdade de oportunidades, inaceitáveis e incompatíveis com o trabalho decente. Reconhece, ainda, que a violência por razão de gênero afeta desproporcionalmente mulheres, meninas e, também, outros grupos de trabalhadores que enfrentam formas cruzadas de discriminação e estigma. Cabe destacar que, no Brasil, o assédio tem íntima relação com a discriminação e afeta sobremaneira trabalhadores pertencentes a um ou mais grupos em situação de vulnerabilidade, como pessoas pretas e LGBTQIA+.

  5. Assim, a referida Convenção define, em seu art. 1º, a, "violência e assédio, no mundo do trabalho” como:

“Um conjunto de comportamentos e práticas inaceitáveis, ou ameaças de tais comportamentos e práticas, quer se manifestem uma vez ou repetidamente, que tenham por objeto, causem ou sejam suscetíveis de causar danos físicos, psicológicos, sexuais ou econômicos, incluindo violência e assédio de gênero”.

  1. Em seguida, esclarece que o termo “violência e assédio de gênero” se refere a práticas dirigidas a pessoas em virtude do seu sexo ou gênero, ou afetam de forma desproporcional as pessoas de um determinado sexo ou gênero, e inclui o assédio sexual. Dessa forma, ao se oferecer um conceito único para os dois fenômenos, a OIT preconiza uma proteção ampla, abrangendo assédio (sexual e moral), bem como a violência e o assédio com base no gênero, que abrange as práticas que são dirigidas a pessoas em razão do sexo ou gênero ou que afetam de maneira desproporcional as pessoas de um sexo ou gênero determinado.

  2. O art. 6º do instrumento prevê que os Estados Membros devem adotar legislação e políticas públicas que garantam o direito à igualdade e à não discriminação no emprego e ocupação. Devem garantir as devidas tratativas para todas as pessoas envolvidas no mundo laboral, como, por exemplo, empregados, trabalhadores autônomos, estagiários, aprendizes, voluntários, trabalhadores despedidos, candidatos a emprego, bem como trabalhadores que exercem cargos de chefia e gestão, com aplicação aos setores público e privado, à economia formal e informal, assim como às zonas urbanas e rurais.

  3. Além de ser o primeiro tratado internacional sobre violência e assédio no mundo do trabalho, as questões trazidas pela Convenção nº 190 são de suma importância social ao se constatar os graves casos de violência laboral dessa natureza. No Brasil, assim como no resto do mundo, as questões relacionadas ao assédio e à violência no trabalho chamam cada vez mais a atenção, sendo de fundamental importância o seu enfrentamento.

  4. Em relação às várias formas de violência nos locais de trabalho, já em 2004 a Política Nacional de Segurança e Saúde do Trabalhador (PNST) chama atenção para o tema no tópico “Perfil de Morte e Adoecimento Relacionado ao Trabalho”:

“Entre os problemas de saúde relacionados ao trabalho deve ser ressaltado o aumento das agressões e episódios de violência contra o trabalhador no seu local de trabalho, traduzida pelos acidentes e doenças do trabalho; violência decorrente de relações de trabalho deterioradas, como no trabalho escravo e envolvendo crianças; a violência ligada às relações de gênero e o assédio moral, caracterizada pelas agressões entre pares, chefias e subordinados.”

  1. A Secretaria de Inspeção do Trabalho (SIT) do Ministério do trabalho e Emprego - MTE, nos estudos acerca da ratificação da C 190 aponta que, de 2014 a 2021, o número de demandas contendo o atributo “práticas discriminatórias”, registradas nas unidades descentralizadas do Ministério do Trabalho distribuídas pelo país, foi de 5.933. Dados do Tribunal Superior do Trabalho apontam que, entre janeiro de 2015 e janeiro de 2021, aproximadamente 26 mil pessoas ingressaram com ações na Justiça por conta do assédio sexual no ambiente de trabalho. A média foi de 204 processos abertos por mês em 2020, o que representou quase sete ações por dia, média que parece ter mantido em 2021 (entre os meses de janeiro e março de 2021 ocorreram 707 casos de assédio sexual nas varas do trabalho do país).

  2. Pesquisa global sobre assédio no trabalho, organizada pela OIT e parceiros com aproximadamente 75 mil pessoas empregadas com 15 anos ou mais em 121 países e territórios, em 2021, mostrou que cerca de 17,9% dos homens e mulheres empregados afirmaram terem sido vítimas de violência e assédio psicológicos em sua vida profissional e, dentre esses, 8,5% disseram ter enfrentado algum tipo de violência física. A mulheres estão representadas em maior percentual.

  3. Outro fator constatado pela pesquisa foi a baixa notificação dos casos pelas vítimas. Somente 50% haviam revelado para outra pessoa o ocorrido e as mulheres eram mais propensas a compartilhar a experiência. Dentre os motivos elencados para a falta de notificação, considerar “perda de tempo” ou ter “medo por sua reputação” são os mais frequentes. Esses dois motivos podem apontar para a falta de ações concretas na solução dos casos e a vergonha das vítimas em serem expostas e ter de lidar com a situação sem o devido apoio.

  4. Embora a violência e o assédio moral e sexual no trabalho aconteçam com homens e mulheres, quando se considera o recorte de gênero, idade e situação migratória, pode-se observar na pesquisa da OIT que “as mulheres jovens tinham o dobro da probabilidade dos homens jovens de ter enfrentado violência e assédio sexuais, e as mulheres migrantes tinham quase o dobro da probabilidade das mulheres não migrantes de denunciar a violência e o assédio sexuais, segundo a pesquisa”. Ressalta-se, ainda, que três em cada cinco das pessoas afirmaram que viveram a experiência da violência e do assédio múltiplas vezes.

  5. Mesmo com o aumento da denúncia, o desemprego entre as mulheres é fator preponderante para a baixa notificação. No Brasil, as mulheres têm menor índice de ocupação que os homens. Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua Trimestral (PNAD Contínua) do quarto trimestre de 2018 mostraram que, embora representem 52,4% da população em idade de trabalhar, as mulheres correspondiam a 45,6% da população empregada, enquanto os homens, a 64,3%. A situação agravou-se com a pandemia de COVID-19, período no qual a participação das mulheres no mercado de trabalho foi a menor em 30 anos. A necessidade de manter o emprego leva à baixa notificação e é maior entre as mulheres que têm menor renda.

  6. A violência e o assédio no trabalho refletem-se nas condições atuais da força de trabalho feminina, agravam o adoecimento físico e mental, diminuem a autoconfiança e autoestima e geram ansiedade e/ou depressão, podendo levar ao suicídio nos casos mais extremos. Muitas mulheres optam por pedir demissão do emprego, agravando sua autonomia econômica e o bem-estar familiar.

  7. Além disso, a violência e o assédio têm forte impacto no ambiente do trabalho, sendo responsável pela redução do desempenho laboral e por afastamentos do trabalho por longos períodos, implicando o aumento do custo social e econômico decorrente desses afastamentos, não somente para a vida das trabalhadoras e trabalhadores e suas famílias, mas também para as empresas e para toda a sociedade.

  8. Desnaturalizar a violência e o assédio moral e sexual no trabalho e caracterizá-lo como uma violência majoritariamente de gênero é fundamental para garantir o acesso e a permanência das mulheres no mundo do trabalho sem gerar constrangimentos, adoecimento e prejuízos sociais e financeiros para as trabalhadoras.

  9. Ressalta-se, ainda, que no Brasil não existe legislação específica e geral para coibir a violência e o assédio no ambiente de trabalho. Considerando-se que a Declaração da OIT sobre os princípios e direitos fundamentais no trabalho, aprovada em 1998, relaciona a eliminação da discriminação em matéria de emprego e ocupação como um dos seus pilares e, que essa mesma declaração estabelece que todos os membros que ingressarem naquela organização se comprometem com tais princípios e direitos, e levando em conta, ainda, a forte relação entre assédio e discriminação, a ratificação da Convenção n° 190 da OIT é uma forma de dar efetividade a esse comando da organização.

  10. Nesse sentido, o tratado internacional sobre violência e assédio no mundo do trabalho - Convenção nº 190 aponta soluções de suma importância social para a prevenção, a constatação e tratativas dos graves casos de violência laboral dessa natureza. Tem grande relevância para a construção de um ambiente de trabalho decenteconfiável, cooperativo e produtivo e sem violência a todos e todas, mas em especial para mulheres.

  11. Trata-se de instrumento que apresenta avanços em relação ao tema, reconhecendo que a violência e o assédio no mundo do trabalho prejudicam o meio ambiente do trabalho como um todo. Necessário observar que a garantia da preservação de direitos humanos é imprescindível, devendo ser garantida sua eficácia vertical e horizontal e que o instrumento estimula a adoção de medidas que representam um novo marco à normativa nacional sobre a matéria.

 Respeitosamente,

Luiz Marinho
Ministro de Estado do Trabalho e Emprego

Aparecida Gonçalves
Ministra de Estado das Mulheres

Mauro Luiz Iecker Vieira
Ministro de Estado das Relações Exteriores