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Presidência da República
Casa Civil
Subchefia para Assuntos Jurídicos

EM Nº 00095/MME

Brasília, 11 de dezembro de 2003

        Excelentíssimo Senhor Presidente da República,

        Submeto à elevada consideração de Vossa Excelência proposta de edição de Medida Provisória que altera os marcos institucional e regulatório do Setor Elétrico Brasileiro, modificando dispositivos das Leis no 5.655, de 20 de maio de 1971, no 8.631, de 4 de março de 1993, no 9.074, de 7 de julho de 1995, no 9.427, de 26 de dezembro de 1996, no 9.478, de 6 de agosto de 1977, no 9.648, de 27 de maio de 1998, no 9.991, de 24 de julho de 2002 e no 10.438, de 26 de abril de 2002.

        2. Os objetivos primordiais das mudanças propostas são a correção das deficiências diagnosticadas no Sistema Elétrico brasileiro e a adequação de rumos tomados no passado que comprometeram a eficácia do planejamento e inibiram os investimentos na expansão desse Setor, necessários para dar suporte ao crescimento econômico e ao desenvolvimento social do País.

        3. Os princípios básicos para um arranjo institucional adequado ao Setor Elétrico devem permitir atender às seguintes finalidades: modicidade tarifária para os consumidores; continuidade e qualidade na prestação do serviço; justa remuneração aos investidores, de modo a incentivá-los a expandir o serviço; universalização do acesso aos serviços de energia elétrica e do seu uso.

        4. Além disso, em sua implantação, devem ser observados os seguintes pressupostos: respeitar os contratos existentes; minimizar os custos de transação durante o período de implantação; evitar pressões tarifárias adicionais para o consumidor e criar ambiente propício à retomada de investimentos. Com isso, assegura-se a normalidade do processo e garante-se a desejada segurança jurídica.

        5. Saliento que a característica fundamental do sistema de geração elétrica do Brasil, que lhe dá vantagem comparativa relevante ao diferenciá-lo de outros países, é o forte predomínio da geração hidráulica, que alcança quase noventa por cento da capacidade de produção instalada e, em média, noventa e cinco da produção efetiva. Essa característica inerente ao Sistema brasileiro foi respeitada no novo modelo do Setor.

        6. No âmbito da construção do novo marco institucional do Setor, propõe-se a criação de novos agentes - a Câmara de Comercialização de Energia Elétrica - CCEE, sucessora do Mercado Atacadista de Energia Elétrica - MAE, e a Empresa de Pesquisa Energética - EPE, esta objeto de instrumento normativo próprio, separado desta Medida Provisória.

        7. Pretende-se, com a criação dessas Entidades, dotar o Poder Executivo e o Setor Elétrico de instrumentos que confiram adequada proteção ao consumidor cativo das concessionárias do serviço público de distribuição de energia elétrica, bem como capacidade de avaliar e propor, com a antecedência necessária, soluções que garantam maior segurança no abastecimento de energia, ao menor custo e com os mínimos impactos ambientais.

        8. Altera-se, assim, as competências de alguns dos agentes já existentes: o próprio Ministério de Minas e Energia - MME, ao qual se restitui a condição de agente direto do Poder Concedente; o Conselho Nacional de Política Energética - CNPE, ao qual se atribui nova e relevante competência relativa à segurança do Sistema; a Agência Nacional de Energia Elétrica - ANEEL, que sofre ajuste em suas funções de regulação, e o Operador Nacional do Sistema Elétrico - ONS, no qual se corrigem deficiências na governança, de modo a conferir-lhe a reclamada independência, princípio que suportou sua criação. Tomadas em conjunto, essas modificações visam harmonizar a atuação desses vários agentes com vistas à implementação das políticas públicas para o crescimento do Setor, ao aumento da segurança do abastecimento e à modicidade tarifária.

        9. No que tange à reestruturação do marco regulatório, busca-se modificações nas regras de comercialização da energia elétrica, de licitação para outorga de concessões, de obrigatoriedade da desverticalização das empresas concessionárias de distribuição de energia elétrica, de relação dos entes com os chamados consumidores livres e regulados, dentre outras. Essas modificações objetivam proporcionar maior eficiência ao funcionamento do Sistema Elétrico brasileiro e ampliar o princípio da isonomia no tratamento dos consumidores e no acesso às fontes de energia.

        10. Deve-se realizar de forma gradual e sem sobressaltos as alterações aqui propostas, estando sempre presente a preocupação em preservar o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada e considerando, também, a complexidade, a transição do atual para o novo modelo, que recebeu especial atenção, como expressa o texto desta Medida Provisória.

        11. O primeiro dos quatro princípios enunciados - o da modicidade tarifária - é atendido com a estruturação do planejamento e a maior transparência nas regras de atuação das empresas concessionárias de distribuição, inclusive com a obrigatoriedade de licitação pelo critério de menor tarifa em toda contratação regulada da energia, visando ao atendimento dos consumidores cativos. No ambiente de livre contratação, é permitido o acesso dos grandes consumidores e dos autoprodutores às fontes hidrelétricas, reconhecidamente de menor custo, contribuindo para a maior competitividade da indústria nacional e, por conseguinte, para o desenvolvimento econômico e o social do País. Ademais, a coexistência dos dois ambientes de contratação constitui permanente referência de preços para os consumidores regulados.

        12. O segundo princípio - o de continuidade e qualidade na prestação do serviço - é objeto de várias disposições específicas nesta Medida Provisória, destacando-se a obrigatoriedade de contratação, por parte dos agentes de consumo, de cem por cento de suas necessidades de energia; a realização de licitações simultâneas para a outorga de concessões e para a contratação de energia, permitindo que contratos de longo prazo viabilizem a construção de novas usinas e criem melhores condições para atração dos investimentos, e a institucionalização dos critérios de garantia de suprimento de energia elétrica.

        13. O terceiro princípio - o da justa remuneração aos investidores de modo a incentivá-los a expandir o serviço - está consagrado não só na obrigatoriedade da licitação, bem como na contratação de longo prazo e na possibilidade de os agentes de geração atuarem tanto em ambiente de contratação regulada como em de livre contratação.

        14. O quarto princípio - o da universalização do acesso e o do uso dos serviços de energia elétrica - foi recentemente objeto de importante iniciativa deste Governo, por meio do programa "Luz Para Todos", sendo meta fundamental de nossa política energética.

        15. Para operacionalizar as mudanças na comercialização de energia elétrica, tratou-se da criação da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica - CCEE. Este Ente jurídico sucederá integralmente ao Mercado Atacadista de Energia - MAE com a absorção de suas funções de contabilização e liquidação de contratos, sendo fundamental para viabilizar a contratação de compra de energia dos concessionários do serviço público de distribuição, sob a forma de rateio de contratos de longo prazo.

        16. A natureza jurídica da CCEE será semelhante à do MAE, ou seja, pessoa jurídica de direito privado, sem fins lucrativos, objeto de autorização do Poder Executivo e de regulação e fiscalização pela Agência Nacional de Energia Elétrica - ANEEL. Tendo em vista seu papel na contratação de energia para as concessionárias de distribuição, a governança da CCEE adota dispositivos que garantem a necessária participação do Poder Concedente, quais sejam a indicação do Presidente de seu Conselho de Administração e também a de seu Diretor-Presidente.

        17. As atribuições da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica - CCEE serão administrar os contratos de compra e venda entre geradores e distribuidores, incluindo o cálculo das quantidades e dos preços da energia comercializada a cada ano; providenciar a execução das garantias contratuais; calcular e publicar os preços para a liquidação de diferenças contratuais; registrar os contratos de exportação de energia gerada por produtores independentes; dar publicidade a todos das informações referentes à contratação regulada realizada pelas empresas concessionárias, permissionárias e autorizadas de distribuição para atendimento a seus consumidores cativos, dentre as quais as quantidades contratadas, as tarifas praticadas, os prazos dos contratos, as inadimplências e os desvios de mercado. Entretanto, em favor da boa técnica legislativa, nem todas essas atribuições são objeto desta Medida Provisória, sendo a respectiva regulamentação remetida para o instrumento competente do Poder Executivo.

        18. A contratação de energia operacionalizada pela CCEE será realizada em dois ambientes:

       - Ambiente de Contratação Regulada - ACR: compreende a contratação de energia elétrica pelos distribuidores para atendimento aos consumidores regulados (consumo cativo dos distribuidores) por meio de contratos regulados com o objetivo de assegurar a modicidade tarifária e

        - Ambiente de Contratação Livre - ACL: compreende a contratação de energia para atendimento aos consumidores livres por intermédio de contratos livremente negociados. Os contratos bilaterais em vigência, que envolvam distribuidores, ficarão no âmbito do ACL até sua expiração.

        19. Todos os concessionários de serviço público de geração e produtores independentes de energia, incluídos os autoprodutores com excedentes, poderão comercializar nos dois ambientes, promovendo ampla competição no mercado de geração de energia elétrica.

        20. As licitações para exploração de potencial hidráulico serão realizadas pela ANEEL, sob determinação do Poder Concedente, observando sempre o tipo "menor tarifa", sendo as outorgas a título oneroso. Essas concessões poderão ser outorgadas no regime de serviço público ou na forma de concessão de uso de bem público.

        21. O vencedor de uma licitação poderá destinar parte da energia assegurada da usina hidrelétrica para uso próprio, comercializando a parte excedente no ambiente de contratação regulada. O detalhamento dessas regras se dará em regulamentação específica, sendo que o mecanismo visa aumentar a competitividade da expansão do Setor Elétrico, com conseqüentes benefícios para o consumidor final.

        22. As licitações de projetos especiais, reconhecidamente essenciais para o Setor Elétrico, recomendados pelo MME, serão aprovadas pelo Conselho Nacional de Política Energética - CNPE e conduzidas pela ANEEL, dentro de prazos e critérios indicados em regulamentação específica.

        23. Estão previstos dois tipos básicos de contratação a se realizarem no Ambiente de Contratação Regulada - ACR: contratação da energia de novos empreendimentos e contratação de geração de empreendimentos já existentes.

        24. A contratação da energia de novos empreendimentos ocorrerá em dois momentos - três e cinco anos antes da efetiva realização do mercado - e a duração dos contratos será de quinze a vinte anos, sendo esses prazos compatíveis com os tempos de construção e amortização de novos empreendimentos. Essa contratação será realizada separadamente das licitações da energia existente para atendimento ao mercado.

        25. A contratação da geração existente visa atender à carga das concessionárias de distribuição a partir do ano seguinte ao ano em curso. Essa contratação será feita por meio de leilões, e os contratos terão duração de cinco a dez anos.

        26. Outro tipo de contratação prevista são os contratos de ajustes destinados ao atendimento às necessidades de crescimento da demanda que não tenham sido contempladas na contratação de expansão. Esses contratos serão originários de licitação e terão duração de até dois anos.

        27. A contratação no ACR será formalizada em contratos bilaterais entre gerador e distribuidor, por meio de instrumentos jurídicos padronizados, de conhecimento público que farão parte dos editais de licitação, efetuando-se diretamente entre as partes os pagamentos deles decorrentes. As exceções à regra serão: a energia proveniente de fontes alternativas, a geração distribuída e a Usina de Itaipu, cuja energia permanecerá sendo comercializada pela ELETROBRÁS exclusivamente aos distribuidores das regiões Sudeste, Centro-Oeste e Sul.

        28. A função desempenhada pelo ONS é parte integrante e necessária à prestação do serviço público de energia elétrica. Nesse sentido, caberá ao Poder Executivo a definição das regras de organização e dos procedimentos necessários a seu funcionamento, com indicação de três de seus cinco diretores, os dois outros diretores serão indicados pelos próprios agentes. Além disso, diretoria deverá ter mandato fixo de 4 anos, com nomeações não coincidentes e com permissão para apenas uma recondução.

        29. O artigo 11 da Medida Provisória altera os artigos 13 e 14 da Lei no 9.648, de 27 de maio de 1998, para adequar o ONS ao exercício de sua relevante atribuição legal como prestador de serviço público de energia elétrica, como ente jurídico autorizado pelo Poder Concedente.

        30. Para a consecução dos objetivos do Novo Modelo do Setor Elétrico propomos, no art. 8º, que dá nova redação ao art. 4º da Lei 9.074, de 7 de julho de 1995, a desverticalização das empresas concessionárias de serviço público de distribuição de energia elétrica.

        31. Na desverticalização proposta, as concessionárias não poderão mais exercer atividades de geração, transmissão, nem comercialização para os chamados consumidores livres, de forma concomitante a sua atividade primordial de distribuição de energia aos seus consumidores cativos. Excepcionamos, por motivos de política energética, as operações realizadas nos sistemas isolados, os casos das pequenas distribuidoras que tenham geração própria destinada ao suprimento de seu próprio mercado, bem como a geração distribuída, que deverão ser objeto de regulamentação específica.

        32. Além da desverticalização, as empresas concessionárias de distribuição também não poderão participar de outras sociedades, bem como exercer atividades estranhas ao objeto de sua concessão, exceto quando operarem nos sistemas isolados. Todas essas medidas almejam preservar a identidade de cada concessão, evitando a contaminação na formação dos custos e da base de remuneração da atividade de serviço público, permitindo a aferição do equilíbrio econômico-financeiro de cada concessão, ensejando a transparência da gestão e permitindo ao mercado e à sociedade o pleno conhecimento dos resultados da concessão.

        33. Para evitar subsídios cruzados entre os participantes do pool e os produtores independentes e os consumidores livres no ambiente de livre comercialização, os consumidores com carga igual ou superior a 3.000 kW, atendidos em qualquer nível de tensão, devem optar entre continuar sob o atendimento do distribuidor local, comprar energia diretamente de um produtor independente ou comprar energia por meio de um comercializador. O exercício das duas últimas opções caracterizará a condição de "consumidor livre".

        34. A opção pela condição de consumidor livre não desobrigará o consumidor dos encargos referentes à CCC do sistema isolado e de outros encargos de caráter sistêmico, tais quais a RGR, a CDE, a taxa de fiscalização da ANEEL, a contratação da reserva de energia, devendo ele contratar cem por cento de sua carga.

        35. O período de transição caracterizar-se-á pela implantação dos novos agentes - Empresa de Pesquisa Energética - EPE e Câmara de Comercialização de Energia Elétrica -CCEE - e pela adaptação gradativa dos demais. Esse período se faz imperativo para garantir a segurança jurídica e a normalidade do processo, levando-se em conta os princípios básicos norteadores do novo arranjo institucional que criam mecanismos específicos e reduzem consideravelmente os riscos sistêmicos.

        36. São essas as modificações introduzidas no Setor Elétrico pelo novo Modelo. Sua formatação jurídica buscou o aproveitamento da legislação existente, fazendo as alterações estritamente necessárias, limitando-as aos novos comandos legais absolutamente indispensáveis ao ordenamento do novo ambiente de comercialização, à criação da CCEE e à da EPE, bem como às modificações legais imprescindíveis para a implantação das novas regras de funcionamento do Setor Elétrico.

        37. Entendo, Senhor Presidente, que tais alterações são imprescindíveis à adequação jurídica do novo modelo para o Setor de Energia Elétrica, que objetiva, principalmente, assegurar proteção ao consumidor cativo, parte hipossuficiente na relação de consumo estabelecida pela prestação desse serviço público. Além disso, essas medidas virão ao encontro da necessidade de estimular o aumento do investimento no Setor Elétrico, estratégico à sua expansão e à sua modernização, tornando-o mais competitivo e de mais qualidade, alcançando regiões até hoje não atendidas.

Respeitosamente,

Dilma Vana Rousseff