Presidência da República

Casa Civil

Subchefia para Assuntos Jurídicos

DECRETO Nº 21.434, DE 23 DE MAIO DE 1932

Aprova o Regulamento do Serviço de Profilaxia da Febre Amarela no Brasil

O Chefe do Governo Provisório da República dos Estados Unidos do Brasil, usando das atribuições que lhe confete o art. 1º, parágrafo único, do decreto nº 19.398, de 11 de novembro de 1930,

DECRETA:

Art. 1º Fica aprovado o Regulamento do Serviço de Profilaxia da Febre Amarela no Brasil, que entrará em vigor a partir da presente data.

Art. 2º Revogam-se as disposições em contrário.

Rio de Janeiro, 24 de maio de 1932, 111º da Independência e 44º da República.

Getulio Vargas.

Francisco Campos

Este texto não substitui o publicado no DOU de 26.5.1932, e retificado em 28.5.1932

REGULAMENTO DO SERVIÇO DE PROFILAXIA DA FEBRE AMARELA NO BRASIL

Art. 1º Serão visitados pelo pessoal do Serviço de Febre Amarela, semanalmente, a não ser que haja razões que, a critério, do mesmo Serviço, justifiquem visitas mais frequentes ou mais espaçadas, todos os prédios, ocupados ou não; habitações privadas ou coletivas, incluindo quintais, páteos, telhados ou coberturas; fábricas; oficinas; estabelecimentos comerciais ou industriais; colégios; recolhimentos; conventos; igrejas, cemitérios; hospitais; casas de saude; maternidades; mercados; hotéis; restaurantes; casas de pasto; cocheiras; estábulos; quartéis; presídios; fortalezas; ilhas; diques; estaleiros; depósitos de qualquer espécie, inclusive os de explosivos ou inflamaveis; Campos de aviação militares e civís; transportes terrestres, marítimos, fluviais e aéreos; terrenos, lugares e logradouros públicos; jardins e quaisquer outros locais.

Parágrafo único. Esses locais serão inspecionados minuciosamente em todas as suas dependências externas e internas, incluindo salas e dormitórios.

Art. 2º Os médicos do Serviço e seus representantes terão sempre livre e imediato ingresso, em qualquer dia, em todos os locais previstos no artigo anterior deste regulamento para neles proceder às referidas inspeções.

Art. 3º Tais inspeções terão por objetivo:

a) evitar a criação e desenvolvimento de mosquitos;

b) procurar e tratar, de acordo com as medidas determinadas por este regulamento, os focos de mosquitos atuais e potenciais;

c) indicar medidas para correção das irregularidades encontradas que interessern à profilaxia da febre amarela;

d) pesquisar e capturar mosquitos adultos;

e) colher quaisquer dados que interessem ao Serviço.

Parágrafo único. Os médicos do Serviço e seus representantes aconselherão, intimarão e autuarão a quem competir para corrigirem as falhas encontradas.

Art. 4º Quem se opuser, embaraçar ou dificultar, de qualquer forma, a ação sanitária definida neste regulamento, incorrerá na multa de 100$0 a 1:000$0, dobrada nas reincidências, ou na pena de prisão de 3 a 30 dias.

§ 1º A multa a que se refere o presente artigo poderá, a juizo exclusivo do médico do Serviço, ser precedida de um auto de infração, que dará à parte oportunidade de justificar-se, dentro de 48 horas, perante o referido médico, justificativa essa que, não apresentada ou não aceita, determinará a expedição do auto de multa.

§ 2º Esgotados os meios suasórios e coercitivos regulamentares, recorrer-seá à autoridade policial para o cumprimento das determinações do Serviço.

§ 3º Nos casos de desacato, alem da penalidade cominada no presente artigo, instaurar-se-á processo criminal.

Art. 5º Os prédios que, estando deshabitados, não puderem ser visitados por se desconhecer o endereço do depositário das respectivas chaves, por demora ou recusa da mesma em cedê-las ou por dificuldades por ele criadas, serão interditados, até que seja facilitada a visita.

Art. 6º Nenhum "Habite-se" poderá ser concedido sem que previamente tenham sido cumpridas todas as determinações do presente regulamento.

Art. 7º O morador do prédio em cujo interior ou dependências for encontrado foco de mosquito será passivel de multa de 5$0 a 50$0, dobrada nas reincidências.

Parágrafo único. A determinação do presente artigo é extensiva a todos os demais locais referidos no art. 1º deste regulamento.

Art. 8º Sempre que um empregado do Serviço encontrar foco de mosquito, deverá destruir o respectivo receptáculo, ou nele derramar a substância larvicida usada pelo Serviço.

Parágrafo único. Aos depósitos (focos potenciais) que não estiverem convenientemente protegidos, serão aplicadas as determinações do presente artigo, desde que as indicações previstas no art. 3º deste regulamento não tenham sido atendidas.

Art. 9º Os processos de intimação e autuação serão organizados de conformidade com as normas em vigor no Departamento Nacional de Saude Pública.

§ 1º A intimação deverá ser assinada por um dos médicos do serviço.

§ 2º O auto de infração deverá ser lavrado pelo empregado que a verificar.

§ 3º A multa só poderá ser imposta por um dos médicos do serviço.

Art. 10. E’ obrigatório o fechamento, à prova de mosquitos, de todos os reservatórios de água de qualquer espécie que sejam.

§ 1º Essa providência compete aos responsaveis pelos referidos depósitos.

§ 2º Os “ladrões” da qualquer depósito de água serão sempre protegidos contra a passagem de mosquitos.

§ 3º Será exercida pelos moradores rigorosa vigilância, sobre as torneiras, canalizações, bicas, etc., com o fim de evitar perda e empoçamento de água.

§ 4º As infrações deste artigo serão punidas com a multa de 5$0 a 50$0, dobrada nas reincidências.

Art. 11. Quando for aberta uma caixa de água o respectivo responsavel deverá imediatamente providenciar para o fechamento da mesma, à prova de mosquito, sob pena de multa de 10$0 a 100$0, dobrada nas reincidências.

Art. 12. Os depósitos de água serão colocados sempre em lugares acessiveis à inspeções, devendo as caixas de água ficar afastadas pelo menos 15 cms. das paredes e 60 cms. do forro ou teto.

§ 1º E’ proibido acumular objetos sobre as tampas das caixas de água.

§ 2º A toda caixa de água considerada pelo Serviço de dificil acesso, o proprietário é obrigado a adaptar um dispositivo, escada ou equivalente, de modo a facilitar sua inspeção.

Art. 13. As caixas automáticas serão colocadas de modo a que o seu interior possa ser examinado.

Parágrafo único. Essas caixas deverão ser mantidas em perfeito funcionamento.

Art. 14. Onde houver regime contínuo de abastecimento de água não serão permitidas as caixas de água domiciliares.

Art. 15. E’ proibido o depósito de água em barrís, tinas, latas e semelhantes, sob pena de imediata destruição destes recipientes, nas zonas suficientemente dotadas de abastecimento de água.

§ 1º Nos demais casos, a juizo do Serviço, Serão tolerados os barrís, os grandes depósitos de barro e congêneres, quando fechados à prova de mosquitos, de conformidade com os modelos aprovados pelo serviço, ou mantidos povoados de peixes larvófagos de espécies indicadas pelo serviço.

§ 2º Os lagos artificiais, assim como os tanques que habitualmente contiverem água, serão povoados de peixes larvófagos de espécie indicadas pelo serviço.

§ 3º O provimento e manutenção de peixes, previstos neste artigo, serão feitos pela morador.

Art. 16. Só serão permitidos porões que sejam facilmente inspecionaveis e que em absoluto não coletem água.

§ 1º Na impossibilidade de satisfazer o disposto neste artigo no que se refere à facilidade de inspeção, será o proprietério compelido, a juizo do médico do serviço, a praticar no assoalho, onde for determinado pelo mesmo médico, tantos alçapões quantos necessários ao mesmo exame.

§ 2º Os porões não poderão ser utilizados como galinheiros ou depósitos de quaisquer animais.

Art. 17. Não são tolerados os ralos e escoadouros semelhantes em locais de dificil acesso á inspeção.

Art. 18. O piso das áreas e dos passeios será unido, sem depressões e possuirá a declividade necessária para não reter água.

Art. 19. As sarjetas serão dispostas a não reterem água em seu percurso.

Art. 20. Os ornatos, fachadas, platibandas, monumentos, coberturas de edifícios, marquises serão feitos e dispostos de modo a não coletarem água.

Art. 21. E’ proibido guarnecer os muros com cacos de vidro.

Art. 22. Os prédios existentes e os que se venham a construir terão unicamente as calhas indispensaveis.

§ 1º Estas calhas possuirão capacidade suficiente e oferecerão declive indispensavel para que não haja em absoluto retenção de água: serão providas de condutores de desaguamento na distância de 6 em 6 metros pelo menos e deverão ser construidas de material não facilmente amolgavel.

§ 2º E' proibido fazer desaguar nas calhas e condutores de águas pluviais quaisquer águas servidas, assim como "ladrões” de caixas dágua.

Art. 23. Quando houver calhas, os telhados serão providos pelos proprietários de dispositivos que facilitem o acesso e inspeção das mesmas.

Art. 24. Os telhados metálicos não poderão ser construidos de folhas facilmente amolgaveis, que possibilitem retenção dágua.

Art. 25. De conformidade com os resultados das inspeções feitas nas calhas, o médico do serviço intimará e autuará o responsavel, de modo a obter a pronta correção das falhas observadas.

Parágrafo único. No caso de não cumprimento da intimação serão as respectivas calhas, a critério do médico do serviço, removidas ou perfuradas pelo pessoal do mesmo serviço.

Art. 26. As galerias de águas pluviais serão conservadas limpas pelos responsaveis, de tal modo que lhes seja assegurada a manutenção da respectiva secção de vasão.

Art. 27. As galerias, assim como as câmaras de inspeção das redes elétricas, telefônicas e semelhantes, e tambem os registos da Inspetoria de Águas e do Corpo de Bombeiros serão dispostos de modo a não coletarem água e fechados à prova de mosquitos.

Art. 28. Os bebedouros para animais nas cavalariças, estábulos, estabelecimentos de criação, depósitos de aves e semelhantes serão providos de dispositivos capazes de possibilitar o esgotamento rápido e completo.

§ 1º Para atingir mais seguramente esse fim deverão esses receptaculos ter a forma de cone truncado.

§ 2º As infrações deste artigo serão punidas com a multa de 50$0 a 500$0, dobrada nas reincidências.

Art. 29. Nos cemitérios, os vasos, jarras, jardineiras e ornatos não poderão conter água.

§ 1º Todos esses receptáculos serão permanentemente atulhados de areia.

§ 2º Os mausoléus, catacumbas e urnas serão conservados em condições de não coletarem água.

§ 3º Competirá às administrações dos cemitérios não permitirem coleção de águas nas escavações e sepulturas.

Art. 30. Nas construções de prédios e nos serviços em que haja movimento de terra, não será permitida qualquer estagnação dágua.

§ 1º Nas fundações e alicerces em que se acumulam águas de infiltração ou pluviais será obrigatória a petrolagem semanal, pelo responsavel e à sua custa.

§ 2º As infrações deste artgo serão punidas com a multa de 100$0 a 1:000$0, dobrada nas reincidências.

Art. 31. Os poços, nas zonas em que forem tolerados, deverão ser fechados á prova de mosquitos e providos de bomba ou, quando abertos, permanentemente povoados de peixes larvófagos de espécies indicadas pelo Serviço.

§ 1º Os poços, sempre que possivel, serão completa e definitivamente aterrados pelo responsavel.

§ 2º Ficará a critério do médico do Serviço a adoção de um dos expedientes supra-mencionados.

§ 3º As infrações deste artigo serão punidas com a multa de 50$0 a 500$0, dobrada nas reincidências.

Art. 32. As nascentes serão captadas e canalizadas, pelos proprietários ou arrendatários, de modo a não propiciar a criação de culicídeos.

Parágrafo único. As infrações deste artigo serão punidas com multa de 100$0 a 1:000$0, dobrada nas reincidências.

Art. 33. Nos jardins públicos e particulares, os registos destinados à rega serão dispostos de modo a não reterem água.

Art. 34. Os ralos não deverão desaguar nos lagos artificiais, de modo a que possam ser tratados por substâncias larvicidas sem inconveniente.

Art. 35. Serão destruidas, a juizo do Serviço, as plantas que, pela disposição de suas folhas, provadamente coletem água e assim possam servir à procriação de mosquitos.

Art. 36. E’ proibida a utilização de bambús inteiros para cercas ou estacas.

Art. 37. Só serão permitidas touceiras de bambús estiverem convenientemente tratadas, de modo suas hastes não coletem água.

Art. 38. As cavidades existentes nas árvores devem ser obturadas a argamassa de cimento.

Parágrafo único. Este serviço compete ao proprietário do terreno ou ao seu arrendatário.

Art. 39. Não serão permitidos, e assim deverão ser destruidos os protetores contra formigas (para plantas, colmeias e quaisquer outros fins) de tipos que possam coletar água.

Art. 40. Todos quintais chácaras, sítios, terrenos incultos e baldios, dentro dos limites determinados pelo Serviço, serão e mantidos roçados e limpos de latas, cacos, quaisquer outros receptáculos equivalentes que possam coletar água.

Art. 41. O responsavel pelo abandono ao tempo de latas, cacos, louças, vidros, garrafas, ferragens, cascas de coco, cuias e outros objetos capazes de coletarem água será punido com a multa da 5$0 a 50$0 dobrada nas reincidências.

Art. 42. Proprietários de terrenos ou quintais em que existam pântanos ou alagadiços serão obrigados a drená-los ou aterrá-los sob-pena de multa de 100$0 a 1:000$0, dobrada, nas reincidências.

Art. 43. As valas, riachos e córregos serão, pelos responsaveis, conservados limpos e desobstruidos, de forma a que as águas sejam mantidas em correnteza suficiente para impossibilitar procriação de mosquitos.

§ 1º Suas margens e leitos serão retificados, desprovidos de vegetação rasteira, e, sempre que necessário, a critério do médico do Serviço, providos de obras de proteção e sustentação.

§ 2º As infrações deste artigo, serão punidas com a multa de 50$0 a 500$0, dobrada nas reincidências.

Art. 44. Os animais soltos na via pública ou em terrenos abertos em que existam valas, serão apreendidos, solicitando-se para esse fim o concurso das repartições competentes.

§ 1º Verifìcadas avarias, os proprietários dos animais delas causadores serão passiveis das penalidades previstas neste artigo.

§ 2º Aos infratores será aplicada a multa de 20$0 a 100$0, dobrada nas reincidências.

Art. 45. As ferragens existentes nos campos industriais, depósitos de materiais, estaleiros ou outros locais, serão conservadas em condições de não coletarem água.

Parágrafo único. As infrações deste artigo serão punidas com a multa de 200$0 a 2:000$0, dobrada nas reincidências.

Art. 46. Nas zonas onde não houver rede de esgoto, as fossas serão mantidas à prova de mosquito.

Art. 47. E' obrigatória a limpeza de sarjetas e caixas coletoras, afim de evitar a estagnação de água ou seu transbordamento.

Art. 48. Onde o Serviço achar necessário, afixará um “Visto” indicativo das datas das visitas, devendo e responsavel zelar pela conservação desse documento,

Art. 49. Nas embarcações os depósitos dágua serão mantidos à prova de mosquito, de conformidade com os processos adotados pelo Serviço.

Parágrafo único. O responsavel pelo uso de depósito não mantidos nessas condições, será punido com a multa de 50$0 a 500$0 dobrada nas reincidências.

Art. 50. Só é permitido o emprego de pneumáticos, como defensas de embarcações, quando os mesmos estiverem perfurados em distâncias máximas de 20 cms., devendo os furos ter pelo menos polegada e meia de diâmetro, de modo que não coletem água.

Art. 51. É obrigatória a notificação imediata ao Serviço, de todos os casos de febre amarela, positivos ou suspeitos.

Art. 52. Fica estabelecida a prática de “Viscerotomia” e autópsias sistemáticas, sempre interessar ao Serviço.

§ 1º O Serviço delegará poderes a representantes locais, devidamente instruidos para a prática de viscerotomia, aos quais serão imediata e obrigatoriamente notificados os óbitos que ocorram com menos de 11 dias de moléstia.

§ 2º Nas localidades em que e Serviço tiver representante para a prática da "viscerotomia”, as guias passadas pelo oficial de registo civil, para enterramento em cemitério, capela, igreja ou terrenos particulares, somente serão extraidas mediante a apresentação da declaração de óbito, tendo o “visto” daquele representante.

Art. 53. O oposição a essas medidas importa na aplicação da multa de 50$0 a 1:000$0 e na atuação imediata da autoridade pocilial, a qual determinará a realização compulsória e imediata da autópsia ou "viscerotomia”.

Art. 54. Incumbe fazer as notificações:

a) ao médico assistente ou conferente e em sua falta, ao chefe de família ou perante mais próximo que residir com o doente ou suspeito, ao enfermeiro ou pessoa que o acompanhe;

b) nas casas de habitação coletiva aos que a dirigirem ou por elas responderem, ainda que a notificação ja tenha sido feita pelo médico ou outra pessoa.

c) ao que tiver ao seu cargo a direção comercial ou agrícola, colégio, escola, asilo, casa de saude, hospital, "crèche", maternidade, dispensário, policlínica ou estabelecimentos congêneres onde estiver o doente ou suspeito.

Art. 55. Por "Serviço”, para os fins do presente regulamento, compreende-se o Serviço de Febre Amarela do Departamento Nacional de Saude Pública do Brasil.

Art. 56. Considera-se “Responsavel” para os efeitos do presente regulamento a pessoa de quem depender a execução das medidas impostas, e que será averiguado pelo Serviço.

Art. 57. Entende-se por “Viscerotomia” a punção para colheita de um fragmento de qualquer orgão para fins de esclarecimentos de diagnósticos.

Art. 58. O Serviço poderá lançar mão de qualquer dispositivo do regulamento do Departamento Nacional de Saude Pública que estiver em vigor, aplicavel à profilaxia da febre amarela.

Art. 59. As infrações do dispositivo deste regulamento que não tiverem penalidades especificadas serão punidas com a multa de 20$0 a 200$0 dobrada nas reincidências.

Art. 60. Todas as disposições do presente regulamento, bem como as penalidades nele determinadas serão aplicaveis onde se fizer necessária a ação do Serviço em todo o território nacional.

Rio de Janeiro, 23 de maio de 1932. – Francisco Campos.