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Presidência da República
Casa Civil
Subchefia para Assuntos Jurídicos

EMI N.º 00009

 

Brasília, 07 de junho de 2010. 

Excelentíssimo Senhor Presidente da República,

1.    Submetemos à consideração de Vossa Excelência projeto de Medida Provisória que institui o Programa Cinema Perto de Você, ação governamental dirigida à expansão do parque exibidor de cinema. A proposta define os objetivos do Programa, estabelece suas ações mais importantes, aponta critérios para suas linhas financeiras, cria regime tributário especial para investimentos na implantação e modernização de salas, estabelece alíquota zero de PIS/COFINS sobre a operação dos complexos participantes do Programa, cria o Projeto Cinema da Cidade para a abertura de salas municipais e estaduais e atribui à Agência Nacional do Cinema tarefas regulatórias que visam assegurar a distribuição de obras audiovisuais em todo o território nacional. 

A atividade de exibição de cinema no Brasil

2.    O Brasil já teve um parque exibidor bastante descentralizado e enraizado na vida dos grandes estratos da população. As estatísticas disponíveis falam de 3.276 salas em 1975, cerca de 80% delas instaladas nas cidades do interior. Para a população da época, isso significava pouco mais de 30.000 habitantes por sala. Dadas as características do circuito (número de poltronas, proximidade e preço), a média anual de público atingiu naquele ano 84.000 espectadores por sala. Apenas para comparação: mantida a proporção, em números atuais, o Brasil teria cerca de 6.300 salas de cinema e entre 240 a 300 milhões de espectadores por ano (considerada as médias de 38.000 e 48.000 frequentadores por sala, de 2008 e 2009, respectivamente), com 1,25 a 1,55 bilhetes anuais por habitante, quase três vezes a média atual.

3.    Não há um fator único a explicar a baixa densidade de salas no país, mas alguns dados permitem arriscar hipóteses. A população urbana brasileira saltou de 55,9% em 1970, para 81,2% em 2000: dos 52,1 milhões de habitantes de 1970 aos 137,8 milhões de 2000, 85,7 milhões de pessoas foram incorporadas às cidades brasileiras em apenas 30 anos, número superior à população atual da Alemanha. A organização das periferias das cidades, lugar de destino desse êxodo, sofreu com as carências em saneamento básico, educação, saúde, transporte e renda. Nesse contexto, investimentos em salas de cinema teriam de ser considerados inviáveis. Ao lado disso, os centros de muitas capitais e grandes cidades sofreram modificação em suas funções, com a expulsão das residências de classe média e um processo acelerado de deterioração dos serviços e das condições de habitabilidade. Nos bairros vizinhos e nos locais tradicionais de exibição de cinema, ocorreu a saturação do mercado imobiliário com o estreitamento de oportunidades e a valorização dos terrenos.  

A reorganização do mercado de exibição

4.    Nesse movimento, o segmento encolheu das mais de três mil salas de 1975 para pouco mais de 1.000 em 1997. Desde então, o segmento redesenha suas operações com a abertura de cerca de 100 salas por ano em média. As novas salas em geral obedecem a um novo formato: a oferta de filmes se multiplica pela formação de complexos de várias salas, enquanto ocorre uma redução significativa no número de assentos. Além disso, há uma ampliação de serviços complementares, como de bonbonnière e publicidade.

5.    Nessa reformulação do segmento de exibição, o dado mais significativo para a caracterização do segmento hoje é a vinculação dos investimentos nas salas à expansão dos shopping centers. As empresas exibidoras perderam sua autonomia estratégica e passaram a atuar de forma subsidiária aos shopping centers. Esse setor viveu uma expansão vigorosa nas últimas décadas com empreendimentos espalhados pelas grandes e médias cidades brasileiras, sediados, em geral, em pontos de convergência urbana e zonas de renda média e alta. As grandes periferias, inchadas pelo êxodo e desassistidas de muitos serviços públicos básicos, ficaram à margem desse movimento. Por sua vez, a dinâmica das médias e pequenas cidades também apresentou dificuldades na assimilação integral do novo modelo. Nesse momento, os agentes econômicos se movimentam para um novo período de expansão do setor de shopping centers.

6.    Pode-se perceber um movimento ainda tímido do segmento de exibição em direção às grandes periferias urbanas e à chamada nova classe C. Salas de cinema ligadas a grandes supermercados e shopping centers para a classe C começam a ser projetados. A despeito disso, o modelo de negócios e o público-alvo predominantes nas novas operações ainda privilegiam as características tradicionais. 

A distribuição dos filmes

7.    A distribuição dos filmes é outro fator que interfere no modelo de negócios do segmento. A estratégia dos distribuidores passou a trabalhar um modelo de lançamento simultâneo dos filmes em todas as salas previstas, concentrando os investimentos de publicidade e cópias, comprimindo a cronologia da exploração da obra nos diversos segmentos e buscando auferir receitas mais rápidas. Com isso, muitas salas do interior em posição vulnerável na negociação com os distribuidores tendem a perder receita ao não receber os filmes mais rentáveis no fim-de-semana de lançamento. Com a exibição tardia, diminuem os efeitos da publicidade sobre o lançamento do filme, que sofre a concorrência do DVD, lançado na sequência. O resultado é a ampliação das dificuldades de capitalização do segmento e de sustentabilidade das salas naqueles mercados.

8.    A digitalização da projeção cinematográfica representa uma possibilidade de alteração significativa da lógica de distribuição. Nesse modelo, parte das despesas de distribuição cai substancialmente, permitindo estratégias de comercialização mais ousadas, a ocupação simultânea de maior número de salas com o mesmo filme e a integração de salas ao circuito de lançamentos. Por outro lado, a importação de projetores digitais envolve valores elevados, mais ainda se considerado o peso dos tributos incidentes.

9.    Para os filmes brasileiros, a estrutura empresarial da atividade de distribuição envolve obstáculos importantes. Esses filmes, com temas e idioma mais próximos da maioria da população, têm espaço reduzido pelas poucas alternativas e recursos para investimento. Distante do mais forte e organizado segmento audiovisual, a televisão, o cinema brasileiro passou a depender diretamente das estratégias do sistema internacional de distribuição por meio dos investimentos mobilizados por incentivo fiscal. Apenas nos últimos anos passaram a ser constituídas políticas específicas efetivamente voltadas para o fortalecimento dos agentes e projetos nacionais de distribuição. 

A ação governamental

10.    Subjaz do exame da história e das características dessa atividade a falta de ação governamental no seu período mais crítico de transformações. Assim como em outras áreas das políticas urbanas, faltou suporte ao cinema para manter-se próximo da maioria da população. A política governamental concentrou-se no apoio à produção de cinema, que viu suas janelas de exibição (e, por consequência, sua sustentabilidade) serem reduzidas.

11.    Neste momento, os governos e a sociedade têm trabalhado para reverter esta lógica. Não apenas na política audiovisual, também em programas habitacionais, de urbanização e infraestrutura, a reversão da situação de precariedade nos serviços urbanos e nas condições de vida e consumo dos brasileiros, especialmente da nova e emergente classe C, está na ordem do dia dos brasileiros.

12.    Esta Medida Provisória propõe uma ação de mesmo sentido para a área de exibição cinematográfica. É possível e viável a consecução de metas como a inclusão de todos os municípios com mais de 100 mil habitantes no circuito de exibição de cinema, a abertura de algumas centenas de salas, inclusive nas periferias das grandes cidades hoje desassistidas, e o aumento significativo do número de espectadores, especialmente de filmes brasileiros. Para isso, o programa proposto procura integrar instrumentos e ações de várias áreas do governo e induzir a participação dos Estados e Municípios e novos investimentos dos agentes privados.  

As medidas propostas na Medida Provisória

13.    O Programa compreende, em primeiro lugar, linhas de crédito e investimento do Fundo Setorial do Audiovisual. A MP traça as condições gerais para a aplicação desses recursos (artigo 3º), com foco nas cidades e zonas urbanas pouco atendidas, as grandes concentrações populacionais de classe C e cidades médias do interior, procurando acelerar um movimento já iniciado, sem substituir os investimentos programados. Essas linhas, a serem operadas pelo BNDES, trarão condições mais favoráveis em termos de custo financeiro, valorizando especialmente as externalidades positivas decorrentes da ampliação da rede exibidora junto às populações-foco do Programa.

14.    As propostas anotadas nos artigos 4º a 7º tratam da redução dos encargos tributários sobre investimentos em complexos de exibição, sejam eles destinados à abertura de novas salas, ou dirigidos à modernização de suas condições de operação. Propõe-se para isso a criação de um regime tributário específico, o Regime Especial de Tributação para Desenvolvimento da Atividade de Exibição Cinematográfica (RECINE). As empresas habilitadas ao RECINE terão desoneradas de todos os tributos federais incidentes sobre a aquisição de máquinas, aparelhos, instrumentos, equipamentos e materiais de construção necessários para construção ou modernização das salas (Contribuição para o PIS/PASEP, COFINS, PIS/PASEP-importação e COFINS-importação, IPI, IPI incidente na importação e Imposto de Importação). O benefício é condicionado à aprovação do projeto pela ANCINE e se completa com sua execução.

15.    Outra medida tributária (artigo 8º) incluída no RECINE focaliza apenas os projetos de implantação de novas salas que se inscrevam nos critérios do Programa Cinema Perto de Você. Essa medida procura incidir sobre a sustentabilidade dos empreendimentos, hoje dependente de uma equação pouco favorável ao exibidor quando sua operação foge ao padrão de preço e público de classes de maior renda. O projeto estabelece alíquota zero para PIS e COFINS sobre as receitas oriundas de venda de bilhetes de ingresso e veiculação de publicidade, responsáveis por cerca de 70% do faturamento dos complexos de exibição.

16.    O Projeto Cinema da Cidade (artigo 11) é outra proposta da Medida Provisória. Trata-se de uma ação dirigida, especialmente, aos locais em que a tomada de financiamento e o investimento público ou privado encontram mais dificuldades e a viabilização de uma sala de cinema implica uma equação econômica e financeira mais difícil. Nesses casos, o Programa propõe a aplicação de recursos do Orçamento da União para a abertura de salas em imóveis do poder público, preferencialmente operados por agente privado. Essas iniciativas precisam envolver um conjunto de fatores: a disponibilidade de imóveis para a construção ou implantação das salas, a elaboração do projeto arquitetônico, a isenção ou redução de tributos incidentes na operação dos cinemas, a atração de micro e pequenas empresas para o negócio e sua seleção por certame público. De parte da União, as Prefeituras interessadas terão as orientações necessárias, as especificações técnicas exigidas para a elaboração do projeto, além do repasse das verbas para sua execução.

17.    Além dessas medidas direcionadas ao investimento em salas de cinema, a MP preocupa-se também com a distribuição das obras audiovisuais e sua circulação livre e equilibrada nos cinemas. Do modo como hoje se estrutura esse mercado, a participação da sala no circuito de lançamentos é fator decisivo para sua rentabilidade. Por este motivo, é importante uma ação regulatória que enfrente a exclusão das salas mais distantes, combata as práticas comerciais abusivas e promova a oferta e o acesso do público à diversidade de filmes produzidos, com ênfase para a produção brasileira. A Agência Nacional do Cinema é o agente público com essa atribuição. O artigo 13, ademais, estabelece o termo de ajustamento de conduta como instrumento à disposição da ANCINE para o exercício de suas funções regulatórias junto ao setor.

18.    Para o setor audiovisual, a ampliação do parque exibidor é uma diretiva consensual, que abre perspectivas para os agentes econômicos de todos os elos da cadeia. Mais do que isso, a qualificação dos espaços, serviços e condições de habitabilidade urbana é um vetor de desenvolvimento sustentável do país. O Programa Cinema Perto de Você se inscreve nesse movimento pela ampliação significativa do acesso ao cinema dos maiores e mais dinâmicos estratos da população.

19.    Com base nestas razões e fundamentos, submetemos esta proposta de edição de Medida Provisória à apreciação de Vossa Excelência. 

Respeitosamente,  

João Luiz Silva Ferreira
Guido Mantega