Presidência da República
Secretaria-Geral
Subchefia para Assuntos Jurídicos

DESPACHO DO PRESIDENTE DA REPÚBLICA

ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO

Processo nº 00400.000843/2019-11.  Parecer nº AM - 08, de 18 de outubro de 2019, do Advogado-Geral da União, que adotou, nos termos estabelecidos no Despacho do Consultor-Geral da União nº 00955/2019/GAB/CGU/AGU, o Parecer nº 053/2019/CONSUNIAO/CGU/AGU da Consultoria-Geral da União.  Aprovo.  Publique-se para os fins do disposto no art. 40, § 1º, da Lei Complementar nº 73, de 10 de fevereiro de 1993.  Em 18 de outubro de 2019.

 

PROCESSO ADMINISTRATIVO Nº: 00400.000843/2019-11

INTERESSADOS: SECRETARIA-EXECUTIVA DO MINISTÉRIO DA ECONOMIA

ASSUNTO: ACESSO A INFORMAÇÕES PROTEGIDAS POR SIGILO FISCAL, POR ÓRGÃOS DE CONTROLE EXTERNO E INTERNO (TCU E CGU), PARA FINS DE AUDITORIA.

PARECER Nº AM -  08

ADOTO, para fins do art. 41 da Lei Complementar nº 73, de 10 de fevereiro de 1993, nos termos do Despacho do Consultor-Geral da União nº 00955/2019/GAB/CGU/AGU, o anexo Parecer nº 053/2019/CONSUNIAO/CGU/AGU e submeto-o ao EXCELENTÍSSIMO SENHOR PRESIDENTE DA REPÚBLICA, para os efeitos do art. 40, § 1º, da referida Lei Complementar, tendo em vista a relevância da matéria versada.

Em 18 de outubro de 2019.

ANDRÉ LUIZ DE ALMEIDA MENDONÇA

Advogado-Geral da União

DESPACHO DO CONSULTOR-GERAL DA UNIÃO Nº 00955/2019/GAB/CGU/AGU

Processo: 00400.000843/2019-11

Interessados: Secretaria Executiva do Ministério da Economia

Assunto:  Acesso a informações protegidas por sigilo fiscal, por órgãos de controle externo e interno (TCU e CGU), para fins de auditoria, no âmbito da Secretaria Especial da Receita Federal e demais órgãos da Administração Tributária.

Senhor Advogado-Geral da União,

Aprovo o Parecer nº 053/2019/CONSUNIAO/CGU/AGU, submetendo-o à vossa apreciação, para que, em sendo acolhido, seja encaminhado à elevada apreciação do Excelentíssimo Senhor Presidente da República, para os fins dos art. 40, § 1º, e art. 41 da Lei Complementar nº 73, de 10 de fevereiro de 1993.

Brasília, 17 de outubro de 2019.

ARTHUR CERQUEIRA VALÉRIO

Advogado da União

Consultor-Geral da União

PARECER Nº 053/2019/CONSUNIAO/CGU/AGU

Processo:

00400.000843/2019-11

Interessado:

Secretaria-Executiva do Ministério da Economia

Assunto:

Acesso a informações protegidas por sigilo fiscal, por órgãos de controle externo e interno (TCU e CGU), para fins de auditoria, no âmbito da Secretaria Especial da Receita Federal e demais órgãos da Administração Tributária.

Ementa:

 

 

 

 

 

 

 

 

SIGILO FISCAL. DADOS E INFORMAÇÕES ECONÔMICO-FISCAIS. ARTS. 5º, X e XII, e 145, §1º, DA CF/1988.  BASES DE DADOS. COMPARTILHAMENTO COM ÓRGÃOS DE CONTROLE EXTERNO (TCU) E INTERNO (CGU). NECESSIDADE DE ACESSO. FINALIDADE: AUDITORIA DA ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA FEDERAL. INTERCÂMBIO DE INFORMAÇÕES. IDENTIFICAÇÃO. INDISPENSABILIDADE PARA A REALIZAÇÃO DA AUDITORIA OU INSPEÇÃO. USO VINCULADO AO RESPECTIVO ESCOPO. TRANSFERÊNCIA DO SIGILO. POSSIBILIDADE. ART. 198, DO CTN. INTERPRETAÇÃO DA LEGISLAÇÃO TRIBUTÁRIA.  COMPATIBILIDADE COM A PRESERVAÇÃO DO SIGILO. REVISÃO PARCIAL DO PARECER GQ-110, DE 1996.

I - A competência dos órgãos de controle externo (TCU) e interno (CGU), em procedimentos de auditoria ou inspeção, restringe-se à fiscalização dos aspectos contábeis, financeiros, orçamentários, operacionais e patrimoniais da União e de entidades da administração direta e indireta, não tendo por objetivo a fiscalização do cidadão ou de pessoa jurídica não submetidos às suas esferas de atuação.

II - Informações protegidas por sigilo fiscal, sob custódia de órgãos da Administração Tributária Federal, podem ser compartilhadas com os órgãos administrativos federais de controle (TCU e CGU), transferindo-se-lhes o sigilo, na forma do art. 198, do Código Tributário Nacional.

III - A solicitação pode ser feita por autoridade administrativa no interesse da Administração Pública, na forma do art. 198, §1º, II, do CTN, quando (i) comprovada a instauração regular de processo administrativo, no órgão ou na entidade respectiva, (ii) com o objetivo de investigar o sujeito passivo (pessoa física ou jurídica determinada) a que se refere a informação, por prática de infração administrativa.

IV - Mediante decreto e instrumento próprio, no qual se estabeleçam os limites de uso da informação e as condicionantes necessárias ao resguardo do sigilo, pode ser realizado o compartilhamento de dados fiscais com o Tribunal de Contas da União ou com a Controladoria-Geral da União, sem anonimização, quando indispensável à realização de procedimentos de auditoria e inspeção de dados, processos e controles operacionais da administração tributária e aduaneira, da gestão fiscal ou da análise de demonstrações financeiras da União.

V - O intercâmbio de informações sigilosas no âmbito da Administração Pública), nos termos e limites do art. 198, §2º, do Código Tributário Nacional, com transferência do sigilo, para fins de auditoria na administração tributária e aduaneira, na gestão fiscal ou nas demonstrações financeiras da União pressupõe: (i) a existência de processo administrativo regularmente instaurado, contendo clara definição do objetivo e escopo da auditoria; (ii) que a entrega das informações se dê mediante recibo, que formalize a transferência, facultado, pela própria natureza, o uso de tecnologia que lhe faça as vezes e assegure autenticidade, integridade, registro de acessos e rastreabilidade (iii) a existência de manifestação fundamentada, contemporânea ao momento processual, demonstrando a pertinência temática da informação com o objeto da auditoria ou inspeção e a necessidade e indispensabilidade de acesso, vale dizer, com indicação de que o trabalho não pode ser realizado ou que o seu resultado não pode ser alcançado por outro modo, mesmo com a anonimização; (iv) uso restrito ao fim específico de realização da auditoria, vedada a divulgação ou a utilização para finalidade diversa do respectivo escopo.

Senhor Consultor-Geral da União,

I. DA CONSULTA

1.             Por meio do Parecer SEI nº 81/2019/CAT/PGFACTP/PGFN-ME, de 21 de maio de 2019, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional consulta a Advocacia-Geral da União acerca da possibilidade de revisão do Parecer GQ-110, de 9 de setembro de 1996, aprovado pelo Presidente da República em 10 de setembro de 1996 (DOU 12.09.1996, Seção 1, pág.  18050), que conclui, em síntese, que não devem ser franqueadas ao Tribunal de Contas da União (TCU) informações que a legislação vigente tache de sigilosa, considerando conveniente que a questão seja submetida à apreciação do Judiciário.

2.             O pedido de revisão do Parecer GQ-110, de 1996, formulado pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, decorreu do Ofício SEI nº 464/2019/SE-ME, de 17 de maio de 2019, por meio do qual o Secretário Executivo do Ministério da Economia solicita apoio daquela Procuradoria-Geral na condução de providências necessárias, em articulação com a Advocacia-Geral da União, com vistas à elaboração de Parecer que uniformize o entendimento jurídico no âmbito da administração pública federal, acerca da oponibilidade ou não do sigilo fiscal, previsto no art. 198 do Código Tributário Nacional, aos órgãos de controle (CGU e TCU).  Destaca, em sua missiva, que, ainda que do ponto de vista institucional, a Receita Federal do Brasil se coloque à disposição dos órgãos de controle, seus dirigentes e servidores deparam-se diuturnamente com a barreira representada pela interpretação de que o imperativo do sigilo também se aplicaria aos órgãos de controle.  Nessa senda, destaca que o momento presente requer um amadurecimento institucional que possibilite o avanço seguro para um outro patamar de relacionamento entre a Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil e os órgãos de controle, “condição necessária ao constante aprimoramento organizacional que resulta das periódicas auditorias realizadas por tais órgãos”.

3.             Em análise preliminar, por meio do Parecer SEI nº 81/2019/CAT/PGACTP/PGFN-ME, pondera aquela Procuradoria-Geral que o tema constitui antigo objeto de apreciação no seu âmbito de atuação, lembrando, em especial, a existência de Pareceres anteriores daquele órgão que, tratando de situações específicas1, concluem pela possibilidade de acesso, por parte do Tribunal de Contas da União, a informações protegidas por sigilo fiscal, com ressalvas de cautelas, não obstante haver posicionamento sobre os limites de acesso geral a tais informações.  Salienta, contudo, a vigência do entendimento jurídico mais conservador quanto à oposição da regra do sigilo fiscal, em sentido geral, como se extrai do mencionado Parecer nº GQ-110, de 1996, que obriga ao fiel cumprimento os órgãos e entidades da Administração Federal.  Por tal razão, a posição mais recente daquele órgão jurídico, inclusive com base em decisões singulares do Supremo Tribunal Federal, orienta-se no sentido de preservar as informações protegidas por sigilo fiscal que permitam a identificação dos contribuintes do acesso por parte do Tribunal de Contas da União2.  Na ordem, citando importantes precedentes jurisprudenciais do Supremo Tribunal Federal, pondera que o acesso a dados protegidos por sigilo fiscal parece ser útil e necessário para o cumprimento adequado das competências constitucionais atribuídas ao Tribunal de Contas da União, chamando à reflexão quanto à possibilidade de o acesso, pelo TCU, a dados protegidos por sigilo fiscal, poder ser cogitado como transferência de informação no setor público, com as cautelas que a hipótese comporta.

4.             A propósito, a Secretaria Executiva do Ministério da Economia, por meio do citado Ofício SEI nº 464/2019/SE-ME, de 17 de maio de 2019, sobreleva que a forma como atualmente vem-se operacionalizando o acesso a informações pelo TCU não se tem revelado suficiente e adequado para o desempenho das atribuições constitucionais por parte daquele Tribunal.  Com efeito, por meio do Ofício SEI nº 469/2019/SE-ME, de 20 de maio de 2019, dirigido ao Min. RAIMUNDO CARREIRO, do Tribunal de Contas da União, ao tempo em que relata os esforços empreendidos para atender, da melhor forma possível, dentro do atual cenário, as necessidades de auditoria, para aperfeiçoar a interação institucional e  para aprimorar a auditoria, pelos órgãos de controle, dos dados, processos e controles operacionais da administração tributária e aduaneira da RFB, informou àquele Tribunal o encaminhamento da presente demanda a esta Advocacia-Geral da União, no fito de elaborar-se parecer, tendo por objeto a fixação de interpretação do art. 198, do CTN, quanto ao tratamento do sigilo fiscal, em relação aos órgãos de controle, bem como a avaliação da possibilidade de edição de Decreto do Chefe do Poder Executivo, para disciplinar o processo e as condições a serem observadas para a operacionalização do acesso a dados protegidos pelo Tribunal de Contas da União (TCU) e Controladoria-Geral da União (CGU).

5.             Oportuno acrescentar que, em 12 de junho de 2019, o Tribunal de Contas da União (TCU) emitiu parecer prévio sobre as contas do Presidente da República relativas ao exercício de 2018, opinando pela aprovação, “com ressalvas, exclusivamente em relação ao conteúdo analisado, dada a impossibilidade de acesso aos dados administrados pela Receita Federal3.  Na respectiva sessão, foi proferido o Acórdão nº 1.331/2019, por meio do qual se aprovou o referido Parecer Prévio, ressalvando ainda, relativamente ao Balanço Geral da União, que:

 Não foi possível obter evidências apropriadas e suficientes para fundamentar a conclusão de auditoria, e tendo em vista que os possíveis efeitos de distorções sobre os elementos auditados que não são detectados representam ou podem representar parcela substancial das demonstrações financeiras, o Tribunal fica impossibilitado de expressar opinião sobre a confiabilidade e a transparência do conjunto das informações registradas no Balanço Geral da União do exercício de 2018.

6.             No referido Parecer Prévio, foi emitido também um alerta à Casa Civil da Presidência da República, sobre a necessidade de adotar medidas efetivas para viabilizar os trabalhos de auditoria do TCU nas demonstrações financeiras da União, de forma a assegurar a emissão de opinião sobre as futuras prestações de contas do Presidente da República.

7.             Eis a síntese do essencial.

II.  DO MÉRITO

8.             A questão central a ser equacionada consiste em definir se podem os órgãos de controle externo (TCU) e interno (CGU) acessar informações protegidas por sigilo fiscal para o desempenho de suas atribuições institucionais.

9.             Há, nessa controvérsia estabelecida há anos, aparente colisão de preceitos constitucionais: de um lado, a competência constitucional e legal dos órgãos de controle externo (TCU) e interno (CGU), os quais constituem órgãos da Administração Pública (CF, arts. 70, 71 e 74); de outro, a necessidade de preservação da privacidade e da intimidade do contribuinte (CF, art. 5º, X e XII) contra o acesso amplo e irrestrito a dados fiscais (art. 198, CTN) por parte dos órgãos de controle, cuja competência está adstrita à fiscalização da legalidade da atuação da administração pública e, em especial, da legitimidade dos atos de gestão, no que se refere aos aspectos contábil, financeiro, orçamentário, operacional e patrimonial.

10.           Não se trata, portanto, de discutir se os órgãos administrativos federais de controle podem ou não auditar a administração tributária e aduaneira, a gestão fiscal ou as demonstrações financeiras da União, mas sim de saber se, no exercício dessa competência, podem os respectivos servidores ter acesso a informações protegidas por sigilo fiscal, sob custódia de órgãos encarregados da administração tributária federal.

11.           Antes de adentrar no cerne da questão do sigilo, cumpre fazer uma breve consideração sobre as competências dos órgãos auxiliares de controle externo e interno.

II.1.  As Competências dos Órgãos de Controle Externo e Interno

II.1.1.  O Tribunal de Contas da União

12.           Não há dúvidas acerca da relevância do papel e das funções institucionais do Tribunal de Contas da União. Trata-se de Instituição não exercente de função judicial, que possui a singular e valorosa posição de órgão auxiliar do Congresso Nacional (art. 71).

13.           Com efeito, nos termos da Constituição Federal,

Art. 70. A fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da União e das entidades da administração direta e indireta, quanto à legalidade, legitimidade, economicidade, aplicação das subvenções e renúncia de receitas, será exercida pelo Congresso Nacional, mediante controle externo, e pelo sistema de controle interno de cada Poder.

 Parágrafo único. Prestará contas qualquer pessoa física ou jurídica, pública ou privada, que utilize, arrecade, guarde, gerencie ou administre dinheiros, bens e valores públicos ou pelos quais a União responda, ou que, em nome desta, assuma obrigações de natureza pecuniária.  

  Art. 71. O controle externo, a cargo do Congresso Nacional, será exercido com o auxílio do Tribunal de Contas da União, ao qual compete:

 I - apreciar as contas prestadas anualmente pelo Presidente da República, mediante parecer prévio que deverá ser elaborado em sessenta dias a contar de seu recebimento;

 II - julgar as contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos da administração direta e indireta, incluídas as fundações e sociedades instituídas e mantidas pelo Poder Público federal, e as contas daqueles que derem causa a perda, extravio ou outra irregularidade de que resulte prejuízo ao erário público;

III – (...)

IV - realizar, por iniciativa própria, da Câmara dos Deputados, do Senado Federal, de Comissão técnica ou de inquérito, inspeções e auditorias de natureza contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial, nas unidades administrativas dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, e demais entidades referidas no inciso II;

V – (...)

VI - fiscalizar a aplicação de quaisquer recursos repassados pela União mediante convênio, acordo, ajuste ou outros instrumentos congêneres, a Estado, ao Distrito Federal ou a Município;

 VII - prestar as informações solicitadas pelo Congresso Nacional, por qualquer de suas Casas, ou por qualquer das respectivas Comissões, sobre a fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial e sobre resultados de auditorias e inspeções realizadas;

VIII – (...)

IX - assinar prazo para que o órgão ou entidade adote as providências necessárias ao exato cumprimento da lei, se verificada ilegalidade;

X – (...)

 XI - representar ao Poder competente sobre irregularidades ou abusos apurados.

 § 1º (...)

14.           Além desses dispositivos, possui competências especiais previstas nos arts. 33, §2º, e 161, parágrafo único, da CF/19884

15.           Do exame inicial desses principais preceptivos constitucionais, constata-se que o TCU possui várias linhas de atuação, cabendo destacar, no que diz com o objeto aqui examinado, que a Constituição Federal, no art. 71, conferiu ao TCU a competência para “realizar, (...) inspeções e auditorias de natureza contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial, nas unidades administrativas dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, e demais entidades”.

16.           A Lei nº 8.443, de 16 de julho de 1992 (Lei Orgânica do TCU), por sua vez, reforça-lhe o leque de competências (art. 1º), estabelecendo inclusive a incumbência de “acompanhar a arrecadação da receita a cargo da União e das entidades referidas no inciso I deste artigo, mediante inspeções e auditorias, ou por meio de demonstrativos próprios” (art. 1º, IV). 

17.           Também a Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000, a denominada, Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), ao estabelecer normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal, prescreve expressamente, a par de outras recomendações, que:

a)               constituem requisitos essenciais da responsabilidade na gestão fiscal a instituição, previsão e efetiva arrecadação de todos os tributos da competência constitucional do ente da Federação” (art. 11);

b)               a prestação de contas evidenciará o desempenho da arrecadação em relação à previsão, destacando as providências adotadas no âmbito da fiscalização das receitas e combate à sonegação, as ações de recuperação de créditos nas instâncias administrativa e judicial, bem como as demais medidas para incremento das receitas tributárias e de contribuições” (art. 58);

c)                o Poder Legislativo, diretamente ou com o auxílio dos Tribunais de Contas, e o sistema de controle interno de cada Poder e do Ministério Público, fiscalizarão o cumprimento das normas desta Lei Complementar” (art. 59).

18.           Do exame dessas competências, ressurte a dimensão da responsabilidade do Tribunal de Contas, porquanto lhe cabe emitir parecer prévio sobre as contas a serem prestadas, as quais, como se viu, devem evidenciar o desempenho da arrecadação, ações de recuperação de créditos e fiscalização de receitas, compreendendo, enfim, a avaliação da eficiência da administração tributária e aduaneira e da gestão fiscal. E, juntamente com o sistema de controle interno, cabe-lhe velar pelo estrito cumprimento das normas previstas na LRF.

19.           Por isso, em face das competências delineadas na Constituição Federal e na sua Lei Orgânica, o Tribunal de Contas da União entende que: se, para realizar auditorias e inspeções nos órgãos encarregados da arrecadação tributária, forem necessárias informações sigilosas, pode aquele Tribunal, no estrito cumprimento de sua competência institucional, acessá-las independentemente de autorização judicial, para assegurar o resultado útil dos seus processos de controle externo, única forma de cumprir o mandato que lhe foi constitucionalmente outorgado.  Tal possibilidade emanaria, segundo sustenta, da teoria dos poderes implícitos, a dizer-se que, além dos poderes expressamente conferidos pela Constituição Federal, teria o TCU outros, implícitos, sem os quais restaria inviabilizado o exercício de sua competência.  Vale referir, no ponto, o voto do Relator Raimundo Carreiro, proferido no Acórdão nº 1174/2019 – TCU – Plenário:

 Nesta oportunidade não apenas reitero o que disse naquela ocasião como chamo a atenção para o fato de que o Supremo Tribunal Federal, cada vez mais, tem construído o entendimento de que o acesso deste Tribunal a dados protegidos por sigilo fiscal decorre da teoria dos poderes implícitos e não representa quebra do sigilo, mas sim a sua transferência a esta Corte que deve adotar as providências necessárias à proteção dessas informações.

Nesse sentido destaco o leading case formado a partir do julgamento do MS 24.510, da relatoria da Ministra Ellen Gracie, no qual o STF reconheceu o poder geral de cautela do TCU, com fundamento da teoria dos poderes implícitos.

20.           Destacamos que, em acórdão paradigmático, exarado no Mandado de Segurança nº 33.340-DF, a Suprema Corte, por maioria de votos, sob a Relatoria do MIN. LUIZ FUX, reconheceu que o TCU não pode abrir mão daquilo que o constituinte lhe entregou em termos de competência, constituindo “prerrogativa constitucional do Tribunal (TCU) o acesso a informações relacionadas a operações financiadas com recursos públicos”:

DIREITO ADMINISTRATIVO. CONTROLE LEGISLATIVO FINANCEIRO. CONTROLE EXTERNO. REQUISIÇÃO PELO TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO DE INFORMAÇÕES ALUSIVAS A OPERAÇÕES FINANCEIRAS REALIZADAS PELAS IMPETRANTES. RECUSA INJUSTIFICADA. DADOS NÃO ACOBERTADOS PELO SIGILO BANCÁRIO E EMPRESARIAL.

1. O controle financeiro das verbas públicas é essencial e privativo do Parlamento como consectário do Estado de Direito (...).

2. O primado do ordenamento constitucional democrático assentado no Estado de Direito pressupõe uma transparente responsabilidade do Estado e, em especial, do Governo. (...)

3. O sigilo de informações necessárias para a preservação da intimidade é relativizado quando se está diante do interesse da sociedade de se conhecer o destino dos recursos públicos.

4. Operações financeiras que envolvam recursos públicos não estão abrangidas pelo sigilo bancário a que alude a Lei Complementar nº 105/2001, visto que as operações dessa espécie estão submetidas aos princípios da administração pública insculpidos no art. 37 da Constituição Federal. Em tais situações, é prerrogativa constitucional do Tribunal [TCU] o acesso a informações relacionadas a operações financiadas com recursos públicos.

(...)

7. O Tribunal de Contas da União não está autorizado a, manu militari, decretar a quebra de sigilo bancário e empresarial de terceiros, medida cautelar condicionada à prévia anuência do Poder Judiciário, ou, em situações pontuais, do Poder Legislativo. Precedente: MS 22.801, Tribunal Pleno, Rel. Min. Menezes Direito, DJe 14.3.2008.

8. In casu, contudo, o TCU deve ter livre acesso às operações financeiras realizadas pelas impetrantes, entidades de direito privado da Administração Indireta submetidas ao seu controle financeiro, mormente porquanto operacionalizadas mediante o emprego de recursos de origem pública. Inoponibilidade de sigilo bancário e empresarial ao TCU quando se está diante de operações fundadas em recursos de origem pública. Conclusão decorrente do dever de atuação transparente dos administradores públicos em um Estado Democrático de Direito.

9. A preservação, in casu, do sigilo das operações realizadas pelo BNDES e BNDESPAR com terceiros não, apenas, impediria a atuação constitucionalmente prevista para o TCU, como, também, representaria uma acanhada, insuficiente, e, por isso mesmo, desproporcional limitação ao direito fundamental de preservação da intimidade.

(...)

10. O princípio da conformidade funcional a que se refere Canotilho, também, reforça a conclusão de que os órgãos criados pela Constituição da República, tal como o TCU, devem se manter no quadro normativo de suas competências, sem que tenham autonomia para abrir mão daquilo que o constituinte lhe entregou em termos de competências. (CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 5ª edição. Coimbra: Almedina, 2002, p. 541.)

(...)

18. Denegação da segurança por ausência de direito material de recusa da remessa dos documentos.
(MS 33340, Relator(a):  Min. LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 26/05/2015, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-151 DIVULG 31-07-2015 PUBLIC 03-08-2015)

21.           Cabe observar, contudo, que, em relação ao referido caso, o STF entendeu, ao final, estar-se diante de dados não acobertados por sigilo bancário ou empresarial, concluindo que “operações financeiras que envolvam recursos públicos não estão abrangidas pelo sigilo bancário a que alude a Lei Complementar nº 105/2001” e que “o Tribunal de Contas da União não está autorizado a, manu militari, decretar a quebra de sigilo bancário e empresarial de terceiros, medida cautelar condicionada à prévia anuência do Poder Judiciário, ou, em situações pontuais, do Poder Legislativo”.  Oportuno lembrar que, no âmbito do Poder Legislativo, a Constituição Federal outorgou expressamente às comissões parlamentares de inquérito – e somente a elas os “poderes de investigação próprios das autoridades judiciais” (art. 58, §3º), deixando de fora o controle externo a cargo do Congresso Nacional, de quem o Tribunal de Contas da União exerce papel auxiliar.  Embora as atribuições do TCU possam justificar a necessidade de acesso, não houve previsão expressa na Constituição Federal ou em lei específica5.

22.           Não obstante o entendimento esposado no acórdão proferido no MS 33.340/DF – que valoriza a perspectiva constitucional das prerrogativas do Tribunal para acessar os dados necessários ao cumprimento de sua missão – entendemos, como se procurará demonstrar adiante, que as hipóteses de afastamento do sigilo fiscal constituem aquelas contempladas expressamente na lei.  Isto porque, ressalvadas as exceções previstas na própria Constituição Federal6, as hipóteses de afastamento ou de transferência do sigilo, entre órgãos que não constituam Fazenda Pública, de informações sobre a situação econômica ou financeira do sujeito passivo ou de terceiros e sobre a natureza e o estado de seus negócios ou atividades, hão, necessariamente, de encontrar amparo na lei.

23.           Importante esclarecer aqui, por necessário, que os órgãos administrativos de controle externo (TCU) e interno (CGU) ora instauram procedimentos de controle que possuem sujeito(s) determinado(s), para investigação administrativa, ora designam procedimentos que possuem apenas um objeto determinado, assim entendidos aqueles que não possuem indivíduos específicos, pessoas físicas ou jurídicas (sujeitos passivos delimitados), sob observação, avaliação ou investigação.  Tratemos por ora destes últimos.

24.           Para o desempenho do seu mister, o Tribunal realiza, dentre outros procedimentos, auditorias (financeiras, operacionais ou de conformidade) e inspeções.  As auditorias constituem trabalhos com escopo mais amplo e objeto determinado, mas não necessariamente com um sujeito passivo (de auditoria) determinado. Tais procedimentos podem ter por objetivo: (i) a melhoria da prestação de contas das entidades e órgãos públicos ou a verificação da confiabilidade de demonstrações financeiras; (ii) o aperfeiçoamento da gestão pública, por meio do exame da eficiência, eficácia, efetividade e economicidade de organizações, além da aferição do resultado de programas, projetos e atividades governamentais que demandam a aplicação de recursos públicos; ou ainda (iii) a verificação de processos ou macroprocessos de trabalho, em comparação com normas e padrões estabelecidos.

25.           A complexidade de tais atividades, conforme se vê de relatórios do Tribunal de Contas da União, tornaria inviável a sua realização por meio de meros acessos individualizados a sistemas da administração tributária, não sendo suficiente, para garantir a realização das auditorias e demais procedimentos, a mera atribuição de senhas para pesquisas unitárias, fazendo-se necessário ao menos o acesso a – “espelhos” de –  bases de dados primárias.

26.           Em Voto proferido no dia 22 de maio de 2019, na TC 021.258/2018-0 (Acórdão nº 1.174/2019-TCU-Plenário), enfatizou o eminente Ministro RAIMUNDO CARREIRO, Relator do Acórdão nº 1.174/2019-TCU-Plenário, citando observações da Secretaria de Gestão da Informação para Controle Externo (SGI), que:

As atividades de planejamento e ação de controle externo são pautadas pelo processamento de informações relativas à gestão das políticas públicas das distintas funções de governo.

O simples acesso a sistemas gerenciadores de bases de dados não tem o condão de preencher todas as condições necessárias e suficientes para atuação plena e eficaz do TCU. Assim, faz-se necessário prever o compartilhamento de bases de dados completas quando necessário, de modo a viabilizar uma análise in totum e com a profundidade requerida para solucionar o nível de complexidade presente nas diversas questões administrativas que apresentam à Corte, nos moldes atualmente presente em muitos dos julgados do Tribunal.

27.           Segundo relatos do Tribunal de Contas da União, no TC 005.576/2019-9, a Receita Federal do Brasil, por meio da Portaria RFB nº 1.343, de 24 de agosto de 2018, teria regulamentado o procedimento para acesso ao Tribunal em ambiente seguro e controlado, denominado “Sala de Sigilo”, em resposta ao item 9.1 do Acórdão-TCU nº 977/2018-Plenário, no qual se registrou abstenção em expressar conclusão sobre a confiabilidade e a transparência das informações referentes a Créditos Tributários a Receber a cargo da Secretaria da Receita Federal do Brasil (RFB) registrados nas demonstrações contábeis do Ministério da Fazenda do ano de 2017.

28.           Afirma o Tribunal de Contas da União, contudo, que tal solução foi considerada insuficiente pela respectiva equipe de auditoria financeira no então Ministério da Fazenda, relativas às contas do ano de 2018. A simples criação de ambiente seguro e controlado não se mostrou suficiente “para mitigar as limitações ao alcance da auditoria”, não atendendo às necessidades relativas à “obtenção de evidência de auditoria apropriada e suficiente para fundamentar a conclusão de auditoria”.

29.           Assevera que:

 Segundo a equipe de auditoria, embora o estabelecimento da sala de sigilo demonstre uma disposição inicial para o compartilhamento de informações, as dificuldades impostas aos trabalhos de auditoria, na prática, inviabilizam a realização de vários procedimentos obrigatórios previstos nas normas de auditoria, como o controle de qualidade, o peer review, os procedimentos de coordenação e de supervisão da auditoria e de documentação dos papéis de trabalho, por exemplo (TC 021.258/2018-0, peca 30, p. 266).

30.           Nesse e em outros procedimentos, vem aquele Tribunal registrando que as interpretações restritivas conferidas, acerca do alcance do compartilhamento de informações protegidas por sigilo fiscal com o TCU, acabam por provocar prejuízos, também, à “formulação e à avaliação das políticas públicas nacionais previstas nas leis orçamentárias, impactando a eficiência da prestação dos serviços públicos essenciais à população e a estabilidade das finanças públicas nacionais”.

31.           Em linha de princípio, apresentam significativa plausibilidade as justificativas daquele Tribunal quanto às exposições de dificuldades e anotações de prejuízos aos seus trabalhos, sendo oportuno destacar a existência de apontamentos que noticiam a inviabilização de 122 trabalhos de auditoria e fiscalização realizados pelo Tribunal junto à Receita Federal do Brasil (Acórdão nº 1.174/2019-TCU-Plenário - TC 021.258/2018-0).

II.1.2.  A Controladoria-Geral da União

32.           Situação semelhante é a da Controladoria-Geral da União, órgão central do sistema de controle interno, incumbido das atividades de auditoria pública, prevenção à corrupção e melhoria da transparência da gestão, no âmbito do Poder Executivo Federal.

33.           Nos termos da Lei nº 13.844, de 18 de junho de 2019, cabem-lhe, dentre outras, as atividades de controle interno, auditoria pública, correição, prevenção e combate à corrupção, incremento da transparência e execução das atividades de controladoria, no âmbito da Administração Pública Federal.  Da mesma forma que o órgão auxiliar de controle externo, para cumprir sua missão, realiza atividades similares de auditoria, fiscalização, inspeção e correição.

34.           Sua atuação, como órgão de controle interno, destina-se especialmente a subsidiar o exercício da direção superior da Administração Pública Federal, a cargo do Presidente da República, o aperfeiçoamento da gestão, o controle de qualidade das políticas públicas e da qualidade do gasto, o fortalecimento da integridade, a promoção da ética e da transparência, no fito de velar pela adequada e regular aplicação dos recursos públicos.

35.           Sua missão tem, igualmente, assento constitucional nos arts. 70 e 74, que estabelecem:

Art. 70. A fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da União e das entidades da administração direta e indireta, quanto à legalidade, legitimidade, economicidade, aplicação das subvenções e renúncia de receitas, será exercida pelo Congresso Nacional, mediante controle externo, e pelo sistema de controle interno de cada Poder.

 (...)

 Art. 74. Os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário manterão, de forma integrada, sistema de controle interno com a finalidade de:

 I - avaliar o cumprimento das metas previstas no plano plurianual, a execução dos programas de governo e dos orçamentos da União;

 II - comprovar a legalidade e avaliar os resultados, quanto à eficácia e eficiência, da gestão orçamentária, financeira e patrimonial nos órgãos e entidades da administração federal, bem como da aplicação de recursos públicos por entidades de direito privado;

 III - exercer o controle das operações de crédito, avais e garantias, bem como dos direitos e haveres da União;

 IV - apoiar o controle externo no exercício de sua missão institucional.

 § 1º Os responsáveis pelo controle interno, ao tomarem conhecimento de qualquer irregularidade ou ilegalidade, dela darão ciência ao Tribunal de Contas da União, sob pena de responsabilidade solidária.

 § 2º Qualquer cidadão, partido político, associação ou sindicato é parte legítima para, na forma da lei, denunciar irregularidades ou ilegalidades perante o Tribunal de Contas da União.

36.              A Controladoria-Geral da União, Órgão Central do Sistema de Controle Interno do Poder Executivo Federal, possui, em sua nobre missão, dentre outras, a incumbência de avaliar a ação governamental e a gestão dos agentes públicos e demais responsáveis por recursos públicos, além de apoiar o controle externo.  Confira-se, a propósito, o que diz a Lei nº 10.180, de 6 de fevereiro de 2001:

 Art. 19. O Sistema de Controle Interno do Poder Executivo Federal visa à avaliação da ação governamental e da gestão dos administradores públicos federais, por intermédio da fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial, e a apoiar o controle externo no exercício de sua missão institucional.

 Art. 20. O Sistema de Controle Interno do Poder Executivo Federal tem as seguintes finalidades:

 I - avaliar o cumprimento das metas previstas no plano plurianual, a execução dos programas de governo e dos orçamentos da União;

 II - comprovar a legalidade e avaliar os resultados, quanto à eficácia e eficiência, da gestão orçamentária, financeira e patrimonial nos órgãos e nas entidades da Administração Pública Federal, bem como da aplicação de recursos públicos por entidades de direito privado;

 III - exercer o controle das operações de crédito, avais e garantias, bem como dos direitos e haveres da União;

 IV - apoiar o controle externo no exercício de sua missão institucional.

37.              Esta competência, portanto, tem base constitucional e alcança órgãos e entidades da Administração Pública Federal e a fiscalização da execução de recursos públicos descentralizados, provenientes do orçamento da União, destinados a outros entes subnacionais e a organizações privadas.

38.           Há que se registrar, nesta oportunidade, que a Controladoria-Geral da União também atua, ora em processos com sujeitos passivos determinados, ora em processos com objeto de auditoria amplo

39.           Quanto aos primeiros (com sujeito passivo determinado), merece especial ressalte, a título de exemplo, a circunstância de que, forte no art. 13, da Lei nº 8.429, de 2 de junho de 19927, regulamentado, no âmbito do Poder Executivo Federal, pelo Decreto nº 5.483, de 30 de junho de 2005, que instituiu a sindicância patrimonial, a Controladoria-Geral da União pode, “ao tomar conhecimento de fundada notícia ou de indícios de enriquecimento ilícito, inclusive evolução patrimonial incompatível com os recursos e disponibilidades do agente público”, determinar “a instauração de sindicância patrimonial, destinada à apuração dos fatos” (art. 8º).

40.           Também constituem exemplos a responsabilização administrativa de pessoas jurídicas, por atos lesivos à administração pública, na forma da Lei nº 12.846, de 1º de agosto de 2013, e a responsabilização administrativa disciplinar de servidores públicos da União, nos termos da Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990.

41.           Quanto à segunda categoria de processos (com objeto amplo), nos quais ressai a necessidade de informações fiscais para fins de auditoria ou inspeção, a situação é semelhante à do Tribunal de Contas da União, tendo em vista que a Controladoria-Geral da União também tem competência para realizar procedimentos dessa natureza.

42.           Acrescente-se, por oportuno, na categoria de procedimentos com objeto amplo que a legislação já consagra ao controle interno e externo, a possibilidade de realizar auditorias patrimoniais nas declarações de bens e rendas que compõem o patrimônio de agentes públicos, nas quais não se tem, necessariamente, um sujeito determinado. Com efeito, a Lei nº 8.730, de 10 de novembro de 1993, estabelece a obrigatoriedade de apresentação de declaração de bens e rendas por ocasião da entrada em exercício de cargos e funções, durante o desempenho das atribuições e na vacância, para o fim de permitir ao Tribunal de Contas da União e à Controladoria-Geral da União “exercer o controle da legalidade e legitimidade desses bens e rendas” (art. 1º, §2º, II), podendo ainda “representar ao Poder competente sobre irregularidades ou abusos apurados” (inciso III). Nesse caso, inclusive, pode o declarante, a seu critério, entregar cópia da declaração anual de bens apresentada à Receita Federal, conforme prevê o §4º do art. 13 da Lei nº 8.429, de 2 de junho de 1992, ou autorizar o seu acesso8. Para tornar viável a realização dessa auditoria patrimonial, no caso de administradores ou responsáveis por bens e valores público ou sujeitos à prestação de contas, a lei expressamente permite a tais órgãos “utilizar as declarações de rendimentos e de bens” recebidas, “para proceder ao levantamento da evolução patrimonial do seu titular e ao exame de sua compatibilização com os recursos e as disponibilidades declarados” (art. 4º, §2º).  E estabelece ainda que “a Fazenda Pública Federal e o Tribunal de Contas da União poderão realizar, em relação às declarações de que trata esta lei, troca de dados e informações que lhes possam favorecer o desempenho das respectivas atribuições legais” (art. 5º), observados os limites legais estabelecidos.  No mesmo sentido, prevê o Decreto nº 5.483, de 2005, relativamente à Controladoria-Geral da União:

Art. 7º A Controladoria-Geral da União, no âmbito do Poder Executivo Federal, poderá analisar, sempre que julgar necessário, a evolução patrimonial do agente público, a fim de verificar a compatibilidade desta com os recursos e disponibilidades que compõem o seu patrimônio, na forma prevista na Lei nº 8.429, de 1992, observadas as disposições especiais da Lei nº 8.730, de 10 de novembro de 1993.

43.           Se assim é, então a presente compreensão acerca das necessidades de informação dos órgãos federais de controle (TCU e CGU) só pode ser válida se conjugada e sistemática, a dizer que as atividades de auditoria exercidas pela Controladoria-Geral da União, na sua área de competência, não podem ser enxergadas de maneira diferenciada daquelas exercidas pelo Tribunal de Contas da União.

44.           Para fins de auditoria, impende salientar que não se divisa qualquer distinção significativa, entre a atuação de um e de outro órgão de controle, dentro da sua esfera de competência, que possa apontar para um grau de necessidade diferenciado entre ambos.

45.           Feita esta breve digressão acerca das competências e necessidades dos órgãos de controle externo e interno, passemos ao exame das normas relativas ao sigilo fiscal.

II.2.  O Sigilo Fiscal

46.           O tema tratado no Parecer GQ-110, cuja revisão se pretende, foi objeto de inúmeros pareceres exarados pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, ao longo dos últimos anos, tendo, de um modo geral, predominado o entendimento no sentido de se manterem sob o manto do sigilo fiscal as informações pessoais e os dados de contribuintes, pessoas físicas e jurídicas, relativos às suas operações e seus negócios. 

47.           Na convicção de que, para a adequada análise do tema proposto, será necessário examinar os principais dispositivos constitucionais e legais a ele relacionados, pedimos vênia para transcrevê-los a seguir.

48.           A Constituição Federal de 1988 adverte, em cláusulas explícitas, que:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

(...)

X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;

XII - é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal;  

Art. 145. (...)

§ 1º  Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.

49.           Observem, de início, que o sigilo fiscal, tido como desdobramento do direito à vida privada e à intimidade, encontra também disciplina complementar nas limitações decorrentes do próprio sistema constitucional, que só permite à administração tributária atuar – se e quando - “respeitados os direitos individuais e nos termos da lei” (art. 145, §1º).

50.           Os arts. 198 e 199 do Código Tributário Nacional, com a redação que lhe foi dada pela Lei Complementar nº 104, de 10 de janeiro de 2001, por sua vez, reza que:

Art. 198.  Sem prejuízo do disposto na legislação criminal, é vedada a divulgação, por parte da Fazenda Pública ou de seus servidores, de informação obtida em razão do ofício sobre a situação econômica ou financeira do sujeito passivo ou de terceiros e sobre a natureza e o estado de seus negócios ou atividades.

§ 1º  Excetuam-se do disposto neste artigo, além dos casos previstos no art. 199, os seguintes:

I – requisição de autoridade judiciária no interesse da justiça;

II – solicitações de autoridade administrativa no interesse da Administração Pública, desde que seja comprovada a instauração regular de processo administrativo, no órgão ou na entidade respectiva, com o objetivo de investigar o sujeito passivo a que se refere a informação, por prática de infração administrativa.

§ 2º  O intercâmbio de informação sigilosa, no âmbito da Administração Pública, será realizado mediante processo regularmente instaurado, e a entrega será feita pessoalmente à autoridade solicitante, mediante recibo, que formalize a transferência e assegure a preservação do sigilo.

§ 3º  Não é vedada a divulgação de informações relativas a:

I – representações fiscais para fins penais;

II – inscrições na Dívida Ativa da Fazenda Pública;

III – parcelamento ou moratória.

Art. 199. A Fazenda Pública da União e as dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios prestar-se-ão mutuamente assistência para a fiscalização dos tributos respectivos e permuta de informações, na forma estabelecida, em caráter geral ou específico, por lei ou convênio.

Parágrafo único.  A Fazenda Pública da União, na forma estabelecida em tratados, acordos ou convênios, poderá permutar informações com Estados estrangeiros no interesse da arrecadação e da fiscalização de tributos.

51.           Vê-se, pois, que a proteção do sigilo fiscal, de nítido caráter individual, não é um direito absoluto. Está sempre condicionado à presença ou não de valor maior, de interesse público, que pode legitimar à atuação estatal na esfera reservada, observando-se, contudo, os procedimentos, limites e formas que a própria lei estabelecer.  Nesse sentido, as prescrições constantes dos parágrafos do art. 198, do CTN, ao tempo em que buscam precisamente neutralizar a oposição do veto permanente de acesso aos dados fiscais, disciplinam as hipóteses, parâmetros, procedimentos e formas em que poderá ser levantado o resguardo da integridade desses valores maiores protegidos pela Constituição Federal.  Com efeito, tratando-se de garantia constitucional, o respeito aos estritos limites estabelecido pela lei constitui condição necessária e indispensável para legitimar eventual relativização9.

52.           Tendo presente a essencialidade do que se contém no art. 198, do CTN, e abstraindo-se aqui, por se encontrarem fora do escopo deste trabalho, as hipóteses tratadas no art. 199 ou a ele relacionadas10, examinemos as três balizas estabelecidas pela primeira norma para franquear o acesso a dados fiscais:

a) requisição de autoridade judiciária, no interesse da justiça (art. 198, §1º, I);

b) solicitações de autoridade administrativa11 no interesse da Administração Pública, desde que seja comprovada a instauração regular de processo administrativo, com o objetivo de investigar o sujeito, por prática de infração administrativa (art. 198, §1º, II);

c) intercâmbio de informação sigilosa, no âmbito da Administração Pública, mediante processo regularmente instaurado, com formalização da transferência, de modo a assegurar a preservação do sigilo (art. 198, §2º).

53.           Cabe chamar a atenção, para logo, que o art. 198 dignou-se contemplar expressamente, como exceção, no inciso I do §1º, a própria requisição de autoridade judiciária, de modo a reforçar que, à falta de amparo legal expresso, não se concebe a existência de outras hipóteses supralegais de compartilhamento além daquelas ali delineadas.

54.           Antes de tratar da hipótese versada no inciso II do §1º (solicitação de autoridade administrativa), resgatamos aqui a observação inicial, no sentido de que, dentre os procedimentos passíveis de instauração, no âmbito desses órgãos de controle, no exercício de suas competências constitucionais e legais, ora se pode estar diante de processos com sujeitos passivos determinados (pessoa física ou jurídica), cuja conduta constitui alvo de averiguação ou investigação, por possível prática de infração administrativa, ora se está a atuar em processos com escopo amplo, ou seja, com um objeto de auditoria delineado, mas não necessariamente adstrito a um ou mais sujeitos passivos determinados, como costuma ocorrer com os procedimentos de auditoria e inspeção.

55.           A hipótese de que trata o inciso II do §1º do art. 198 do CTN alcança apenas as solicitações feitas no interesse da Administração Pública, uma vez comprovada a instauração regular de processo administrativo, com o objetivo de investigar o sujeito passivo (determinado), ao qual se refere a informação, por prática de infração administrativa.

56.           E tendo presente, portanto, que o Tribunal de Contas da União, assim como a Controladoria-Geral da União, constituem órgãos da Administração Pública, eventual necessidade de acesso a informações acerca da “situação econômica ou financeira do sujeito passivo” ou sobre “a natureza e o estado de seus negócios ou atividades” pode ser atendida com amparo no inciso II do §1º do art. 198, observadas as condicionantes ali estabelecidas: (i) solicitação no interesse da Administração Pública, mediante (ii) comprovação da instauração regular de processo administrativo, que (iii) tenha por objeto investigar o sujeito passivo por prática de infração administrativa.

57.           Constitui situação peculiar, contudo, a necessidade de acesso a informações fiscais para instrumentalizar a realização de auditorias e inspeções, cujos processos, ordinariamente, não possuem propriamente um sujeito passivo – pessoa física ou jurídica – delimitado, sob investigação, em sentido estrito, mas sim um escopo, em geral, amplo, de auditoria.  Esta situação será objeto de análise específica adiante, em título próprio, que tratará do “Compartilhamento de Informações e Transferência do Sigilo” (item “II.2.2”).

58.           Antes, porém, pedimos vênia para um breve adendo, acerca do procedimento denominado “anonimização”.

II.2.1. Anonimização de Dados

59.           Aspecto merecedor de particular consideração é o relativo à ocultação da identidade12 do contribuinte no eventual compartilhamento de informações protegidas por sigilo fiscal, para fins de auditoria.

60.           Em decisão singular proferida pelo Min. ROBERTO BARROSO, no Mandado de Segurança nº 27.091/DF, impetrado em face de Acórdão TCU nº 1.835/2007 (Processo TC nº 025.686/2006-7), que fixara prazo de 15 dias úteis para que o titular da Secretaria da Receita Federal do Brasil apresentasse os documentos e informações requeridas pela equipe de auditoria do Tribunal de Contas da União, sob pena de aplicação de multa, restou assentado que:

MANDADO DE SEGURANÇA. ATO DO TCU DIRIGIDO AO SECRETÁRIO DA RECEITA FEDERAL. REQUISIÇÃO AMPLA DE DADOS DE CONTRIBUINTES IDENTIFICÁVEIS.

1. Requisição à Receita Federal, pelo TCU, de acesso a todos os processos de habilitação no Sistema Integrado de Comércio Exterior (Siscomex) situados em Brasília.

2. A requisição ampla e irrestrita de dados fiscais ínsitos à privacidade de contribuintes, sem ocultação de sua identidade, acarreta violação a direito fundamental (CF, art. 5º, X).

3. Segurança concedida.

(MS 27.091, Relator(a): Min. ROBERTO BARROSO, julgado em 30/03/2017, publicado em DJe-067 DIVULG 03/04/2017 PUBLIC 04/04/2017)

61.           Do teor da decisão, colhemos:

“(...)

7. A questão posta no presente mandado de segurança diz respeito à possibilidade de o TCU, para o exercício de suas atribuições constitucionais, ter acesso direto a informações fiscais dos contribuintes.

8. Entre as competências do TCU se insere a fiscalização das entidades da administração direta quanto à legalidade de sua atuação (CF, art. 70, caput), podendo, para tanto, realizar inspeções e auditorias nas unidades administrativas do Poder Executivo (CF, art. 71, IV).

9. Compete-lhe especificamente “acompanhar a arrecadação da receita a cargo da União …, mediante inspeções e auditorias, ou por meio de demonstrativos próprios, na forma estabelecida no regimento interno” (Lei nº 8.443/1992, art. 1º, IV). Para garantir a efetividade de suas funções, a legislação prevê que “Nenhum processo, documento ou informação poderá ser sonegado ao Tribunal em suas inspeções ou auditorias, sob qualquer pretexto” (Lei nº 8.443/1992, art. 42, caput). O TCU, portanto, possui a prerrogativa legítima de controle dos procedimentos de arrecadação das receitas públicas, dentre as quais a receita tributária.

10. No exercício de suas atribuições, contudo, o TCU está sujeito a limitações constitucionais e legais, notadamente aquelas ligadas aos direitos fundamentais à intimidade e à privacidade (CF, art. 5º, X), que compreendem os dados bancários e fiscais dos contribuintes.

11. De acordo com a jurisprudência do STF, esses direitos não são absolutos, podendo ser relativizados, desde que observado o princípio da proporcionalidade, pelo legislador. Nessa linha de compreensão, o Tribunal admitiu a constitucionalidade do art. 1º da Lei Complementar 104/2001, no ponto em que inseriu o § 1º, inciso II, e o § 2º ao art. 198 do CTN, autorizando a Receita Federal a transferir a outros órgãos públicos informações sigilosas no âmbito da Administração Pública (ADI 2859, Rel. Min. Dias Toffoli, j. 24.02.2016).

12. Os referidos dispositivos, no entanto, em princípio, não se aplicam à hipótese discutida neste mandado de segurança, pois a norma do art. 198, § 1º, II se refere a “solicitações de autoridade administrativa no interesse da Administração Pública, desde que seja comprovada a instauração regular de processo administrativo, no órgão ou na entidade respectiva, com o objetivo de investigar o sujeito passivo a que se refere a informação, por prática de infração administrativa” (sem destaques no original). Aliás, o próprio ato impugnado consigna a inaplicabilidade do dispositivo (fl. 26).

13. O ato impugnado neste mandado de segurança consiste numa determinação genérica do TCU ao Secretário da Receita Federal, por meio da qual pretende ter acesso a todos os processos de habilitação no Sistema Integrado de Comércio Exterior (Siscomex) situados em Brasília.

14. A finalidade de obtenção desses dados é a de verificar a legalidade da atuação da própria Receita Federal do Brasil em sua função de arrecadação tributária e de autoridade aduaneira. Não se trata, por conseguinte, de informação requisitada com o objetivo de investigar uma pessoa específica.

15. Contudo, ao exigir o acesso a todos os processos de habilitação no Siscomex, sem fazer qualquer ressalva pertinente à ocultação da identidade dos sujeitos passivos, o TCU acaba por demandar indiretamente o conhecimento dos dados fiscais de todos os contribuintes que tenham se habilitado no sistema, incluindo informações sobre as mercadorias negociadas, os preços praticados, os agentes envolvidos etc.

16. Nesses moldes o ato impugnado se apresenta como inconstitucional, dada a violação, posto que indireta, ao direito à intimidade e à privacidade dos sujeitos passivos tributários identificados nos processos de habilitação.

17. Por fim, ressalto que, em julgado recente (Acórdão nº 1.391/2016), o TCU alterou sua perspectiva a respeito do tema, requisitando da Secretaria da Receita Federal do Brasil o compartilhamento de dados “anonimizados”, isto é, com ocultação da identidade dos sujeitos passivos. Essa técnica, numa primeira análise, parece viabilizar a concordância prática entre a garantia de sigilo fiscal e a necessidade de controle da administração tributária.

18. Entretanto, como já exposto, no presente mandado de segurança o ato coator consiste em requisição ampla e irrestrita de informações da Receita Federal do Brasil que incluem dados ínsitos à privacidade dos contribuintes. Nesse formato, a requisição é inconstitucional. (Grifamos)

62.           Sobre esta decisão singular, proferida no MS nº 27.091, na qual se entendeu que a requisição de dados fiscais, sem ocultação da identidade do contribuinte, acarreta violação a direito fundamental, cumpre destacar que, em recente decisão (22/05/2019) proferida na TC 021.258/2018-0 (Acórdão nº 1.174/2019-TCU-Plenário), relacionada à Auditoria Operacional realizada na Secretaria Especial da Receita Federal, o Tribunal de Contas da União, refletindo o aludido precedente da Suprema Corte, lembra, não obstante, que ainda “não é possível afirmar que existem parâmetros claros na jurisprudência do STF para estabelecer os limites de atuação do controle externo em questões envolvendo sigilo fiscal”.   Colhemos o ensejo para trazer à consideração os esclarecedores argumentos constantes do relatório desse Acórdão do TCU, acerca do procedimento de anonimização preconizado no MS 27.091:

Entretanto, com a máxima vênia à proposta apresentada pelo ilustre ministro relator, estabelecido aliás, em exame de cognição sumária, como alegado pelo próprio, a proposta de compartilhamento de dados anonimizados não viabiliza a concordância prática entre a garantia de sigilo fiscal e a necessidade de controle da administração tributária, por diversos motivos.

Inicialmente cabe destacar que a RFB sequer dispõe de sistemas capazes de operar com dados anonimizados. Para fornecer dados anonimizados para o TCU, a RFB teria que investir, os já escassos recursos, para remodelar todos os seus sistemas, a fim de permitir que exportem automaticamente os dados de forma anonimizada. Além disso, vários dos sistemas possuem como tela de entrada das consultas os números do CPF ou CNPJ dos contribuintes, o que implica a identificação individual dos mesmos. Assim, a própria estrutura dos sistemas teria que ser alterada para viabilizar a consulta sem identificação individual, demandando ainda mais recursos.

Outra opção, seria a anonimização manual de milhares de registros, por partes dos servidores da administração tributária, antes de entregá-los ao TCU, o que demandaria centenas de horas de esforço para cada processo de fiscalização, o que implica em custos elevados e ineficiência, da mesma forma.

Ainda assim, segundo o art. 12 da LGPDP, se o processo de anonimização ao qual os dados forem submetidos puder ser revertido, utilizando exclusivamente meios próprios, ou quanto, com esforços razoáveis, estes ainda serão considerados dados pessoais, estando, em tese, protegidos pelo sigilo fiscal.

Se porventura o processo de anonimização não puder ser revertido, tais dados seriam inúteis para o controle externo da administração tributária, pois por exemplo, para se avaliar se uma determinada pessoa jurídica usufruiu de benefícios tributários indevidamente, ocasionando prejuízo ao erário, é necessário se conhecer as características inerentes à pessoa para se contrapor aos requisitos previstos na lei para fruição.

Da mesma forma, quando a União declara em seus demonstrativos financeiros que possui crédito tributário ou dívida ativa contra determinado contribuinte, é preciso se verificar se tal contribuinte realmente existe, se está ativo economicamente, se possui capacidade contributiva, se não contestou tal crédito, dentre outros fatores. Caso contrário, estaríamos diante dos chamados “créditos podres”, que não deveriam ser reconhecidos no Balanço Geral da União, por exemplo.

Por fim, de maneira semelhante, para avaliarmos se a receita foi cuidadosa em suas obrigações de arrecadar, ou se porventura permite a prescrição de créditos tributários, causando severos danos ao erário, é preciso identificar os contribuintes sobre os quais pairam as obrigações tributárias a fim de cruzar tais informações com os dados dos processos administrativos fiscais, por exemplo, a fim de identificar se as medidas legais cabíveis foram adequadamente adotadas pela administração tributária.

Assim, o processo de anonimização é ineficaz, ou por não afastar o caráter personalíssimo dos dados, ou por inviabilizar, na prática, a prerrogativa legítima de controle dos procedimentos de arrecadação das receitas públicas. (Grifamos)

(Acórdão nº 1.174/2019-TCU-Plenário – Sessão de 22/05/2019 – Ordinária)

63.           Das considerações acima, exemplificativamente colhidas, é possível perceber que, com o simples acesso a dados de contribuintes com identidade ocultada, o Tribunal de Contas da União vem encontrando, nos seus procedimentos de auditoria e inspeção relacionadas à Administração Tributária, severas dificuldades para a realização de avaliação de riscos de distorções relevantes, seja na análise de demonstrações financeiras, seja no exame de registros de transações, que afetam potencialmente a formação de opinião sobre a confiabilidade das demonstrações, com o nível de segurança razoável, porque estariam a inviabilizar a utilização de técnicas de análise de dados e a comprometer a possibilidade de obtenção de evidências de auditoria suficientes e adequadas que, de outro modo, poderiam, em tese, oportunizar ressalvas de entendimento da auditoria. Tais dificuldades estariam a caracterizar-se, no entender do órgão, como limitações aos trabalhos, resultando em ressalvas às conclusões finais de relatórios.

64.           Desse breve escorço, portanto, denota-se que o procedimento da anonimização, experimentado para tornar viável a realização de auditorias ou inspeções, não vem se mostrando suficiente para garantir a eficiência dos seus resultados.

II.2.2. Compartilhamento de Informações e Transferência do Sigilo

65.           O Parecer nº GQ-110, em análise, exarado sob a vigência da anterior redação do art. 198, do CTN, conclui que:

EMENTA: Regra constitucional não escrita outorga ao TCU, quando em missão também constitucional de inspecionar bens e valores públicos, direito de examinar informações mesmo sigilosas, desde que intimamente vinculadas a inspeções ou auditorias em curso.  Considerando que tal acesso não é indiscriminado, (...), e tendo em vista a gravidade das penas a que se sujeitam autoridades e funcionários, quer atendam às solicitações, quer deixem de a elas atender, aconselha-se a submissão da questão ao Judiciário.

66.           Vê-se, assim, que o entendimento firmado sob a égide da anterior redação do art. 198, do CTN, foi no sentido de que as informações sigilosas de pessoas ou empresas não fiscalizadas pelo TCU somente podem ser levadas ao seu conhecimento se imprescindíveis à fiscalização de dinheiro público, arrematando-se que, no tocante ao sigilo fiscal, restou vedado o acesso às declarações de rendimentos13, mesmo quando em fiscalização às atividades da Receita Federal.

67.           Tem-se agora em alvo saber se a alteração promovida no art. 198, do CTN, pela Lei Complementar nº 104, de 2001, permite evoluir o entendimento, considerando as necessidades de auditoria com foco nas demonstrações financeiras da União, na gestão fiscal e da Administração Tributária e Aduaneira.

68.           Nessa linha, das três exceções à regra do sigilo, apontadas, precedentemente, na atual redação do art. 198, do CTN, o intercâmbio de informação sigilosa (§2º) há de ser considerado como hipótese potencialmente hábil e suficiente para amparar eventual compartilhamento com órgãos administrativos federais de controle, para fins de auditoria, observadas as condições estabelecidas na norma: (i) comprovar a instauração regular de processo administrativo, contendo clara definição do objetivo e escopo da auditoria; e (ii) formalizar a entrega e transferência à autoridade solicitante por meio que assegure a preservação do sigilo.

69.           A mais autorizada interpretação do Supremo Tribunal Federal sobre a constitucionalidade do §2º do art. 198, do CTN, consolidada no julgamento das ADIs nº 2390, 2.859, 2.386 e 2.397, reconheceu estar-se diante de típica hipótese de transferência de sigilo e não de quebra de sigilo:

EMENTA. Ação direta de inconstitucionalidade. Julgamento conjunto das ADI nº 2.390, 2.386, 2.397 e 2.859. (...) Art. 1º da Lei Complementar nº 104/2001. Ausência de quebra de sigilo. (...)

1.  (...)

7. O art. 1º da Lei Complementar 104/2001, no ponto em que insere o § 1º, inciso II, e o § 2º ao art. 198 do CTN, não determina quebra de sigilo, mas transferência de informações sigilosas no âmbito da Administração Pública. Outrossim, a previsão vai ao encontro de outros comandos legais já amplamente consolidados em nosso ordenamento jurídico que permitem o acesso da Administração Pública à relação de bens, renda e patrimônio de determinados indivíduos.

8. (...)

(ADI 2859, Relator(a):  Min. DIAS TOFFOLI, Tribunal Pleno, julgado em 24/02/2016, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-225 DIVULG 20-10-2016 PUBLIC 21-10-2016)

70.           Em face, no entanto, da excepcionalidade da hipótese aqui tratada, cuja possibilidade de conformação jurídica se analisa para atendimento a legítimas necessidades de órgãos administrativos auxiliares de controle, há de se acrescentar outras condicionantes para permitir o acesso, que ressaem, igualmente, do ordenamento jurídico: (i) a existência de manifestação fundamentada, contemporânea ao momento processual, demonstrando a pertinência temática da informação com o objeto da auditoria ou inspeção e a necessidade e indispensabilidade de acesso, vale dizer, com indicação de que o trabalho não pode ser realizado ou que o seu resultado não pode ser alcançado por outro modo, mesmo com a anonimização; e (ii) uso restrito ao fim específico de realização da auditoria ou inspeção, vale dizer, vedada a divulgação ou a utilização para finalidade diversa do respectivo escopo.

71.           É que, embora o § 2º do art. 198 transpareça projetar-se, à primeira vista, como unicamente jungido ao inciso II do §1º do mesmo artigo, a leitura atenta permite depreender que tal dispositivo expressa modalidade peculiar de compartilhamento, a amparar a própria reciprocidade de troca de informações com órgãos da Administração Pública: o intercâmbio

72.           Ao compulsar-se a Exposição de Motivos14 do Projeto de Lei Complementar nº 77, de 1999, que resultou na Lei Complementar nº 104, de 10 de janeiro de 2001, a qual promoveu a alteração no art. 198, do Código Tributário Nacional, essa mesma intenção revela-se evidente, nas reflexões feitas na respectiva fundamentação:

(...)

13.O objetivo das alterações propostas para o art. 198 é a flexibilização do sigilo fiscal, retirando de seu âmbito situações em que tal restrição não se justifica, inclusive nos casos de intercâmbio de informações no âmbito da Administração Pública, bem assim nas situações de representações fiscais para fins penais, inscrição na Dívida da Fazenda Pública e parcelamentos concedidos, onde a transparência da ação do Poder Público se sobrepõe aos interesses individuais.

73.           A possibilidade de intercâmbio de informações sigilosas, no âmbito da Administração Pública,  com órgãos que não se caracterizam como Fazenda Pública, ou que com ela não possuam simetria, apoia-se no permissivo legal de compartilhamento (art. 198, §2º, do CTN) e na avaliação da real necessidade de acesso, para o cumprimento de sua missão, e desde que criados mecanismos institucionais de freios, previstos na legislação, que assegurem o respeito a garantias fundamentais e não provoquem prejuízos ou distorções no exercício de suas competências, ou nas relações de equilíbrio entre os poderes. 

74.           O intercâmbio, assim como a solicitação de autoridade administrativa no interesse da Administração Pública (art. 198, §1º, II) constituem típicas hipóteses em que a própria lei complementar expressamente prescinde a prévia autorização judicial ou supervisão antecipada do Poder Judiciário. 

75.           Sendo assim, e por considerar passíveis de configuração esses pressupostos legitimadores do compartilhamento de informações protegidas por sigilo fiscal com o Tribunal de Contas da União e com a Controladoria-Geral da União, passamos a tratar dos demais parâmetros norteadores desse intercâmbio.

76.           Antes, porém, impõe-se enfatizar que a atividade desempenhada por esses órgãos de controle externo (TCU) e interno (CGU) revela-se, como tantas outras, essencial ao funcionamento do Estado Fiscal. E o aprimoramento legal de suas competências, a par dos avanços tecnológicos, passou a determinar, com maior clareza, a necessidade de compartilhamento de bases de dados contendo informações submetidas a sigilo fiscal.  Nesse sentido, é importante relembrar que a Lei Complementar nº 101, de 2000, a denominada Lei de Responsabilidade Fiscal, adveio exatamente para promover um aperfeiçoamento do regime fiscal dos entes nacionais, buscando primar pela responsabilidade e transparência na gestão fiscal, pela prevenção de riscos e correção de desvios “capazes de afetar o equilíbrio das contas públicas”.  Com o seu advento, portanto, restou expressamente reforçada a legitimidade, indispensabilidade e responsabilidade da atividade de controle externo e interno para fiscalizar a respectiva administração tributária: “O Poder Legislativo, diretamente ou com o auxílio dos Tribunais de Contas, e o sistema de controle interno de cada Poder e do Ministério Público, fiscalizarão o cumprimento das normas desta Lei Complementar (...)” (art. 59). 

77.           Convém reavivar – e reavivar novamente – que as prestações de contas, nos termos da referida Lei Complementar, devem evidenciar, por exemplo, “o desempenho da arrecadação”, com destaque das “providências adotadas no âmbito da fiscalização das receitas e combate à sonegação, as ações de recuperação de créditos nas instâncias administrativa e judicial, bem como as demais medidas para incremento das receitas tributárias e de contribuições” (art. 58), ao tempo em que, como dito, a Lei prescreve ao Tribunal de Contas e ao controle interno a fiscalização da própria Gestão Fiscal.   Tal cenário conduz a uma situação paradoxal: de um lado, os órgãos federais de controle externo e interno têm o impostergável dever de fiscalizar a gestão fiscal, sob as perspectivas adnumeradas no art. 70, da Constituição Federal e na Lei de Responsabilidade Fiscal; de outro, encontram rédeas no acesso a informações que se projetam como indispensáveis ao proficiente exercício de suas competências.  Por isso, entendemos que razões de ordem jurídica recomendam a conformação de alternativa que dê concreção ao que prescrevem as referidas normas.

78.           Reforça o entendimento ora perfilhado, inclusive, o fato de haver previsão, na Lei nº 8.730, de 1993, de troca de dados e informações relacionadas a declarações de rendimentos e bens, entre a Fazenda Pública e o Tribunal de Contas da União, “que lhes possam favorecer o desempenho das respectivas atribuições legais”, observadas as cautelas e condições legais, transferindo expressamente o dever de sigilo aos funcionários do Tribunal de Contas da União, integrantes de carreira específica:

Art. 5º A Fazenda Pública Federal e o Tribunal de Contas da União poderão realizar, em relação às declarações de que trata esta lei, troca de dados e informações que lhes possam favorecer o desempenho das respectivas atribuições legais.

Parágrafo único. O dever do sigilo sobre informações de natureza fiscal e de riqueza de terceiros, imposto aos funcionários da Fazenda Pública, que cheguem ao seu conhecimento em razão do ofício, estende-se aos funcionários do Tribunal de Contas da União que, em cumprimento das disposições desta lei, encontrem-se em idêntica situação.

79.           Acerca das demais condicionantes antevistas como necessárias, para além daquelas constantes do art. 198, do CTN, com o propósito de prevenir disfunções no exercício das competências, estamos em que, no caso, os órgãos federais de controle externo e interno não estão autorizados a avaliar ou utilizar, para o fim de dar início a qualquer procedimento investigativo, dados fiscais sigilosos, porventura obtidos em auditorias ou inspeções, que se refiram à situação econômico-financeira de contribuintes, pessoas físicas ou jurídicas, que não utilizem, arrecadem, guardem, manipulem, gerenciem ou administrem dinheiros, bens e valores públicos, porquanto não se encontram submetidos à fiscalização por parte de tais órgãos. 

80.           Saliente-se que os sujeitos passivos das auditorias e inspeções promovidas pelos órgãos de controle externo (TCU) ou interno (CGU) não podem ser as pessoas que não estejam submetidas aos seus âmbitos de auditoria.  Aliás, o Tribunal de Contas da União vem, há muito, reconhecendo, como se colhe, v.g., do Acórdão nº 977/2018-TCU-Plenário, que “as ações desta Corte não têm por objetivo fiscalizar o cidadão, mas sim fiscalizar atos praticados pela RFB, em obediência aos arts. 70 e 71 da CF/1988.

81.           De fato, a competência dos órgãos de controle externo (TCU) e interno (CGU), em procedimentos de auditoria e inspeção, restringe-se à fiscalização dos aspectos contábeis, financeiros, orçamentários, operacionais e patrimoniais da União e de entidades da administração direta e indireta, não tendo por objetivo a fiscalização do cidadão ou de pessoa jurídica não submetidos às suas esferas de atuação.

82.           Da mesma vertente, surge também, como destacado, a necessidade de vedação de divulgação ou de uso para finalidade diversa do escopo de auditoria.  É que, repise-se, no âmbito do Poder Legislativo, a Constituição Federal outorgou apenas às comissões parlamentares de inquérito os “poderes de investigação próprios das autoridades judiciais” (art. 58, §3º), ao mesmo tempo em que estabelece ao Tribunal de Contas da União o dever de “prestar as informações solicitadas pelo Congresso Nacional, por qualquer de suas Casas, ou por qualquer das respectivas Comissões, sobre a fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial e sobre resultados de auditorias e inspeções realizadas” (art. 71, VII).  Nesse sentido, relatórios de auditorias e inspeções, cuja elaboração tenha-se baseado em informações fiscais não anonimizadas, indispensavelmente acessadas para tornar viável a execução dos respectivos trabalhos, não podem identificar contribuintes, e as informações destes não podem ser repassadas nem mesmo ao Congresso Nacional para atender solicitações estranhas ao objeto e ao resultado da auditoria.

83.           De fato, não podem os órgãos de controle, nos seus relatórios - produzidos em procedimentos de auditoria, inspeção ou qualquer procedimento de fiscalização - porventura não submetidos à restrição de acesso, publicizar informações protegidas por sigilo fiscal ou sigilo profissional15 ou ainda repassá-las a terceiros.

84.           Estas observações, não custa enfatizar, embora possam parecer desnecessárias ou destituídas de razão, têm o propósito de fazer prevalecer, consideradas todas essas razões de interesse público, o respeito ao princípio da legalidade e da razoabilidade, em ordem a evitar a caracterização de situações que possam malferir direitos fundamentais, sem supervisão do Poder Judiciário, sendo de todo recomendável que os órgãos estatais de controle atuem com cautela.

85.           É que o exercício de atribuições estatais, em decorrência da eventual expansão de poderes necessários ao exercício de competências constitucionais, demanda observância dos condicionamentos que emerjam do texto constitucional e da legislação, para que não se caracterizem como extravasamentos desordenados dos limites de atuação.

86.           Assentadas tais premissas, pode-se asserir que a evolução legislativa promovida no art. 198, do Código Tributário Nacional, e o paulatino fortalecimento dos mecanismos de controle social e das competências institucionais e legais induzem à convicção de que não parece, de fato, atender aos reclamos sociais contemporâneos refutar-se peremptória e completamente toda e qualquer possibilidade de os órgãos de controle externo e interno terem acesso a informações protegidas por sigilo fiscal, para a realização de auditorias e inspeções, porquanto valores e princípios superiores - como o aperfeiçoamento da gestão pública e a melhoria das políticas e dos serviços públicos - podem estar-se preterindo em prejuízo da sociedade.

87.           Vivemos em novos tempos. O tema sigilo fiscal e acesso por órgãos de controle teve um entendimento, válido para a Administração Federal, firmado há mais de 20 anos.  Não obstante, tem ensejado novas controvérsias, especialmente em razão dos avanços tecnológicos, dos anseios sociais pela melhoria da gestão pública, do aperfeiçoamento da legislação e do papel das Instituições, sempre orientados pelo magistério jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal. Cremos, por isso, que o momento, de mudança cultural em relação à função pública, convoca a uma revisão, ao menos parcial, do entendimento consagrado no Parecer GQ-110, de 1996, que constituiu, durante o período, importante orientador dos atos da Administração.

88.           Nessa perspectiva, há de se revisar o entendimento que, em generalização hoje incompatível com a evolução que se espera das organizações públicas, impede o acesso a todo e qualquer dado protegido por sigilo fiscal por parte dos órgãos administrativos federais de controle, especialmente quando se considera que tais acessos dar-se-ão unicamente – e para estes fins - em processos de auditoria cuja metodologia de análise depende de tais informações, e que as pessoas, titulares dos dados fiscais, não constituem os investigados no processo, podendo-se, de qualquer modo, transferir-se o sigilo aos agentes públicos do controle externo (TCU) e interno (CGU) do Poder Executivo Federal.

89.           Se cabe aos órgãos de controle a fiscalização da gestão e da utilização de recursos públicos, parece evidente que as informações necessárias ao pleno exercício de tal missão constitucional devam ser satisfatoriamente prestadas, à vista das dificuldades encontradas e devidamente justificadas pelo gestor do órgão de controle.

90.           Revela-se expressivo, sob tal aspecto, o que hoje dispõe o Decreto-lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942, denominado Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro, com as alterações promovidas pela Lei nº 13.655, de 25 de abril de 2018:

Art. 22.  Na interpretação de normas sobre gestão pública, serão considerados os obstáculos e as dificuldades reais do gestor e as exigências das políticas públicas a seu cargo, sem prejuízo dos direitos dos administrados.    

91.           Com efeito, se é certo que o pagamento de tributos constitui dever inarredável de todos, pessoas físicas e jurídicas; se é certo que a lei impõe, como requisito essencial da responsabilidade na gestão fiscal, a efetiva arrecadação de todos os tributos, prevendo inclusive a necessidade de prestação de contas que evidencie o respectivo desempenho e as ações de fiscalização e recuperação de créditos tributários; não é menos certo também que devem ser aperfeiçoados os mecanismos de controle estatal que visam assegurar a boa e regular gestão e aplicação dos recursos públicos, mormente quando se considera que tais mecanismos podem ser operados sem ofensa ao núcleo essencial de direitos fundamentais, como é o caso do sigilo fiscal.

92.           A par desse aspecto, entendemos que, mediante decreto e instrumento próprio, no qual se estabeleçam e se observem as respectivas balizas, pode ser realizado o compartilhamento de dados fiscais com o Tribunal de Contas da União ou com a Controladoria-Geral da União16, quando indispensável à realização de procedimentos de auditoria ou inspeção de dados, processos e controles operacionais da administração tributária e aduaneira, da gestão fiscal ou na análise de demonstrações financeiras da União.

93.           É que o compartilhamento de informações submetidas a sigilo fiscal, com controle de acesso e rastreabilidade, tido como necessário para o desempenho de competências constitucionais e legais por órgãos federais de controle (TCU e CGU), que serão acessadas a partir de atos legitimados em processos regularmente formalizados, para a realização de procedimentos de auditoria ou inspeção relacionados à fiscalização, nos estritos limites de suas atribuições, não implica desnaturamento do referido sigilo ou violação da privacidade. 

94.           Entendemos, portanto, à luz das considerações postas, que os órgãos federais de controle externo e interno (TCU e CGU) podem ter acesso a informações protegidas pelo sigilo fiscal, se e quando tais informações tiverem pertinência temática com o objeto da auditoria ou inspeção e se revelarem necessárias e indispensáveis ao desempenho de suas competências, de forma justificada, em procedimentos que tenham sido regularmente instaurados, com escopos delineados, e com uso de tecnologia que garanta controles de segurança, registro de acessos e rastreabilidade. 

95.           Diz-se necessárias porque, quando se está diante de aparente conflito entre dois bens constitucionais contrapostos, faz-se necessário estabelecer a ponderação de valores, mediante a verificação da necessidade, da adequação e da proporcionalidade.

96.           Impende rememorar, bem por isso, na linha do que se vem expondo, a precisa regra igualmente constante da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro:

Art. 20.  Nas esferas administrativa, controladora e judicial, não se decidirá com base em valores jurídicos abstratos sem que sejam consideradas as consequências práticas da decisão.

Parágrafo único.  A motivação demonstrará a necessidade e a adequação da medida imposta ou da invalidação de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa, inclusive em face das possíveis alternativas

97.           Cumpre ter presente, a título de exemplo, ante a sua extrema pertinência, a lúcida advertência feita pela Lei Complementar nº 105, de 10 de janeiro de 2001, ao estabelecer a possibilidade de acesso, pelos agentes fiscais tributários, às informações de instituições financeiras, prevendo a necessidade de processo administrativo e a demonstração de que os “exames sejam considerados indispensáveis pela autoridade administrativa competente”:

Art. 6o As autoridades e os agentes fiscais tributários da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios somente poderão examinar documentos, livros e registros de instituições financeiras, inclusive os referentes a contas de depósitos e aplicações financeiras, quando houver processo administrativo instaurado ou procedimento fiscal em curso e tais exames sejam considerados indispensáveis pela autoridade administrativa competente.

Parágrafo único.  O resultado dos exames, as informações e os documentos a que se refere este artigo serão conservados em sigilo, observada a legislação tributária.

98.           Diz-se ainda que o acesso deve ser indispensável, porque, sempre que for possível a realização do procedimento de auditoria ou inspeção mediante anonimização não reversível, deve ser esta opção escolhida.

99.           Cabe referir, neste ponto, que, ainda que se tenha como certo que constitui fonte presuntiva legítima uma solicitação de acesso a dados fiscais17 identificados, proveniente de um órgão de controle com estatura constitucional, como o TCU, v.g., é necessário que o órgão estatal o faça mediante manifestação adequadamente fundamentada18, contemporânea ao momento processual, escorada concretamente em suporte fático idôneo, e na qual indique a necessidade objetiva de realização desse acesso excepcional.

100.         Note-se que a ressalva de fundamentação19 para situações de acesso excepcionais a dados fiscais de contribuintes restou perfilhada pelo Supremo Tribunal Federal até mesmo para Comissões Parlamentares de Inquérito:

CPI - ATO DE CONSTRANGIMENTO - FUNDAMENTAÇÃO. A fundamentação exigida das Comissões Parlamentares de Inquérito quanto à quebra de sigilo bancário, fiscal, telefônico e telemático não ganha contornos exaustivos equiparáveis à dos atos dos órgãos investidos do ofício judicante. Requer-se que constem da deliberação as razões pelas quais veio a ser determinada a medida.

(MS 24749, Relator(a):  Min. MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 29/09/2004, DJ 05-11-2004 PP-00006 EMENT VOL-02171-01 PP-00142 RTJ VOL-00196-01 PP-00186 LEXSTF v. 26, n. 312, 2005, p. 166-170)

101.         Embora não se esteja aqui a tratar de hipótese de quebra de sigilo, mas de transferência de sigilo, cabe ter presente que há, de um lado, regra de lei complementar, com fundamento de validade em norma constitucional, que, ao vedar o acesso a dados fiscais, objetiva preservar a vida privada e prevenir qualquer uso compulsivo da informação.  E existem, de outro, competências e prerrogativas institucionais de órgãos administrativos de controle, igualmente consagradas pelo texto da Constituição, vocacionadas a conferir justa efetividade à missão de aprimorar a Administração Pública, por meio da avaliação e controle da gestão e das políticas públicas, em benefício da sociedade.  E não se pode perder a perspectiva, por mais relevantes que sejam os fundamentos de pretensa prevalência de um ou de outro entendimento, que se faz necessário observar o princípio da concordância prática, o qual: 

"Consiste, essencialmente, numa recomendação para que o aplicador das normas constitucionais, em se deparando com situações de concorrência entre bens constitucionalmente protegidos, adote a solução que otimize a realização de todos eles, mas ao mesmo tempo não acarrete a negação de nenhum."

(MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 107)

102.         Por isso propõe-se aqui a evolução do entendimento, a partir do permissivo constante do §2º do art. 198 do CTN, para otimizar o exercício das atribuições dos órgãos de controle, resguardando direitos e garantias individuais.

103.         Vale recordar, v.g., que a possibilidade de intercâmbio e compartilhamento de informações sobre a situação econômico-financeira de agentes públicos com o Tribunal de Contas da União, quando observadas as condicionantes legais, já é inclusive objeto de previsão legal expressa na mencionada Lei nº 8.730, de 1993, relativamente às declarações de bens de autoridades, servidores públicos e de todos que exerçam cargos eletivos e cargos, empregos e funções de confiança na administração direta, indireta e fundacional20, hipótese em que o sigilo é transferido:

Art. 1º  É obrigatória a apresentação de declaração de bens, com indicação das fontes de renda, no momento da posse ou, inexistindo esta, na entrada em exercício de cargo, emprego ou função, bem como no final de cada exercício financeiro, no término da gestão ou mandato e nas hipóteses de exoneração, renúncia ou afastamento definitivo, por parte das autoridades e servidores públicos adiante indicados:

I - Presidente da República;

II - Vice-Presidente da República;

III - Ministros de Estado;

IV - membros do Congresso Nacional;

V - membros da Magistratura Federal;

VI - membros do Ministério Público da União;

VII - todos quantos exerçam cargos eletivos e cargos, empregos ou funções de confiança, na administração direta, indireta e fundacional, de qualquer dos Poderes da União.

 (...)

Art. 4º  Os administradores ou responsáveis por bens e valores públicos da administração direta, indireta e fundacional de qualquer dos Poderes da União, assim como toda a pessoa que por força da lei, estiver sujeita à prestação de contas do Tribunal de Contas da União, são obrigados a juntar, à documentação correspondente, cópia da declaração de rendimentos e de bens, relativa ao período-base da gestão, entregue à repartição competente, de conformidade com a legislação do Imposto sobre a Renda.

 § 1º  O Tribunal de Contas da União considerará como não recebida a documentação que lhe for entregue em desacordo com o previsto neste artigo.

 § 2º  Será lícito ao Tribunal de Contas da União utilizar as declarações de rendimentos e de bens, recebidas nos termos deste artigo, para proceder ao levantamento da evolução patrimonial do seu titular e ao exame de sua compatibilização com os recursos e as disponibilidades declarados.

 Art. 5º  A Fazenda Pública Federal e o Tribunal de Contas da União poderão realizar, em relação às declarações de que trata esta lei, troca de dados e informações que lhes possam favorecer o desempenho das respectivas atribuições legais.

 Parágrafo único.  O dever do sigilo sobre informações de natureza fiscal e de riqueza de terceiros, imposto aos funcionários da Fazenda Pública, que cheguem ao seu conhecimento em razão do ofício, estende-se aos funcionários do Tribunal de Contas da União que, em cumprimento das disposições desta lei, encontrem-se em idêntica situação.

104.         De notar-se que, nos termos da Lei Orgânica do Tribunal de Contas da União, os servidores que exercem funções específicas de controle externo, no Tribunal de Contas da União, são obrigados a “guardar sigilo sobre dados e informações obtidos em decorrência do exercício de suas funções e pertinentes aos assuntos sob sua fiscalização, utilizando-os, exclusivamente, para a elaboração de pareceres e relatórios” (art. 86, IV).  A inobservância de tal advertência legal, caracteriza, inclusive, situação revestida de tipicidade disciplinar e penal, além de potencialmente caracterizadora de improbidade administrativa.

105.         Aspira-se, como isso, que o compartilhamento de dados, a partir de processos de auditoria e inspeção regularmente instaurados e com objeto claramente delineado, possa permitir, tanto quanto possível, o acesso a dados e informações em formato eletrônico, de forma estruturada, processáveis por máquina, com adequado grau de granularidade, que facilite o acesso automatizado, cruzamento e análise das informações para os fins a que os processos se destinam, não sendo admissíveis, por evidente: (i) acessos genéricos, desproporcionais, imotivados ou desvinculados dos procedimentos de auditoria ou inspeção; e  (ii) solicitações de acesso ao Órgão de Administração Tributária que exijam trabalhos de consolidação de dados e informações cujos esforços operacionais, prazos de extração e consolidação ou custos financeiros de realização se afigurem desarrazoados.  Isto porque é fato que os órgãos da Administração Pública funcionam por meio de inúmeros sistemas informatizados, havendo multiplicidade de bases de dados, muitas vezes não integradas ou operadas por sistemas obsoletos.

III. CONCLUSÃO

106.         Ante o exposto, pensamos que se deve reconhecer, com espeque no §2º do art. 198, do Código Tributário Nacional, a possibilidade de compartilhamento de bases de dados e de transferência do sigilo fiscal aos órgãos de controle externo (TCU) e interno (CGU), para a realização de procedimentos de auditoria e inspeção, quando indispensável aos respectivos trabalhos, e firmar o seguinte entendimento, válido para toda a Administração Pública Federal:

a)               informações protegidas por sigilo fiscal, sob custódia de órgãos da Administração Tributária Federal, podem ser compartilhadas com os órgãos administrativos federais de controle (TCU e CGU), transferindo-se-lhes o sigilo, na forma do art. 198, do Código Tributário Nacional;

b)               a solicitação pode ser feita por autoridade administrativa no interesse da Administração Pública, na forma do art. 198, §1º, II, do CTN, quando (i) comprovada a instauração regular de processo administrativo, no órgão ou na entidade respectiva, e (ii) com o objetivo de investigar o sujeito passivo a que se refere a informação, por prática de infração administrativa;

c)                mediante decreto21 e instrumento próprio, no qual se estabeleçam os limites de uso da informação e as condicionantes necessárias ao resguardo do sigilo, pode ser realizado o compartilhamento de dados fiscais com o Tribunal de Contas da União ou com a Controladoria-Geral da União, sem anonimização, quando indispensável à realização de procedimentos de auditoria ou inspeção de dados, processos e controles operacionais da administração tributária e aduaneira, da gestão fiscal ou da análise de demonstrações financeiras da União; e

d)               o intercâmbio de informações sigilosas no âmbito da Administração Pública), nos termos e limites do art. 198, §2º, do Código Tributário Nacional, com transferência do sigilo, para fins de auditoria na administração tributária e aduaneira, na gestão fiscal ou nas demonstrações financeiras da União, pressupõe: (i) a existência de processo administrativo regularmente instaurado, contendo clara definição do objetivo e do escopo da auditoria; (ii) que a entrega das informações se dê mediante recibo, que formalize a transferência, facultado, pela própria natureza, o uso de tecnologia que lhe faça as vezes e assegure autenticidade, integridade, registro de acessos e rastreabilidade (iii) a existência de manifestação fundamentada, contemporânea ao momento processual, demonstrando a pertinência temática da informação com o objeto da auditoria ou inspeção e a necessidade e indispensabilidade de acesso, vale dizer, com indicação de que o trabalho não pode ser realizado ou que o seu resultado não pode ser alcançado por outro modo, mesmo com a anonimização; (iv) uso restrito ao fim específico de realização da auditoria, vedada a divulgação ou a utilização para finalidade diversa do respectivo escopo.

107.         A evolução de entendimento ora proposto, quanto à possibilidade de compartilhamento de dados fiscais, sob gestão de órgãos da Administração Tributária, para fins de auditoria ou inspeção, está adstrita ao Tribunal de Contas da União e à Controladoria-Geral da União, em razão da especificidade de suas atribuições, não compreendendo outras instâncias de controle interno ou externo.

108.         São estas, Sr. Consultor-Geral, as conclusões que nos parecem cabíveis, para sugerir a revisão parcial do Parecer nº GQ-110, aprovado em 09 de setembro de 1996, ressalvando que, evidentemente, o entendimento ora firmado pode vir a sofrer nova reflexão ou mudança em decorrência de soluções de controvérsias no âmbito do Supremo Tribunal Federal.

Sub censura.

Brasília/DF, 17 de outubro de 2019.

(Assinado digitalmente – Sistema Sapiens)

Edimar Fernandes de Oliveira

Consultor da União

1 Pareceres PGFN/CGA nº 1.251/1999, 712/2005 e 951/2005.

2 Pareceres PGFN/CAT nº 880/2015, Parecer PGFN/CAT nº 18/2018 e Parecer SEI nº 114/2018/CAT/PGACTP/PGFN-MF

3 Confira-se, a propósito, a Ata nº 20, de 12 de junho de 2019, publicada no Diário Oficial da União de 03 de julho de 2019, Seção 1, pág. 60, relativa à Sessão Extraordinária do Plenário do TCU, na qual foi proferido o Acórdão nº 1.331/2019-TCU/Plenário.

4  Art. 33. A lei disporá sobre a organização administrativa e judiciária dos Territórios.

§ 1º (...)

§ 2º As contas do Governo do Território serão submetidas ao Congresso Nacional, com parecer prévio do Tribunal de Contas da União.

(...)

Art. 161. Cabe à lei complementar:

I - (...)

II - estabelecer normas sobre a entrega dos recursos de que trata o art. 159, especialmente sobre os critérios de rateio dos fundos previstos em seu inciso I, objetivando promover o equilíbrio sócio-econômico entre Estados e entre Municípios;

III - (...)

Parágrafo único. O Tribunal de Contas da União efetuará o cálculo das quotas referentes aos fundos de participação a que alude o inciso II.

5 MS 22801, Relator(a):  Min. MENEZES DIREITO, Tribunal Pleno, julgado em 17/12/2007, DJe-047 DIVULG 13-03-2008 PUBLIC 14-03-2008 EMENT VOL-02311-01 PP-00167 RTJ VOL-00205-01 PP-00161 LEXSTF v. 30, n. 356, 2008, p. 488-517; no mesmo sentido, MS nº 22.934/DF.

6 Como a legítima competência do Poder Judiciário, a atribuição de poderes de investigação às comissões parlamentares de inquérito (art. 58, § 3º), o compartilhamento de informações fiscais entre administrações tributárias (art. 37, XII) ou entre entes federados (art. 146, parágrafo único, IV).

7   Lei nº 8.429, de 2 de junho de 1992:

Art. 13. A posse e o exercício de agente público ficam condicionados à apresentação de declaração dos bens e valores que compõem o seu patrimônio privado, a fim de ser arquivada no serviço de pessoal competente.

§ 1° A declaração compreenderá imóveis, móveis, semoventes, dinheiro, títulos, ações, e qualquer outra espécie de bens e valores patrimoniais, localizado no País ou no exterior, e, quando for o caso, abrangerá os bens e valores patrimoniais do cônjuge ou companheiro, dos filhos e de outras pessoas que vivam sob a dependência econômica do declarante, excluídos apenas os objetos e utensílios de uso doméstico.

§ 2º A declaração de bens será anualmente atualizada e na data em que o agente público deixar o exercício do mandato, cargo, emprego ou função.

§ 3º Será punido com a pena de demissão, a bem do serviço público, sem prejuízo de outras sanções cabíveis, o agente público que se recusar a prestar declaração dos bens, dentro do prazo determinado, ou que a prestar falsa.

§ 4º O declarante, a seu critério, poderá entregar cópia da declaração anual de bens apresentada à Delegacia da Receita Federal na conformidade da legislação do Imposto sobre a Renda e proventos de qualquer natureza, com as necessárias atualizações, para suprir a exigência contida no caput e no § 2° deste artigo.

8 Portaria Interministerial nº 298, de 6 de setembro de 2007 (DOU 11.09.2007 – Seção 1 – pág. 51).

9  Nesse sentido, confira-se, v.g., o disposto no Decreto nº 10.047, de 9 de outubro de 2019, que dispõe sobre a governança do Cadastro Nacional de Informações Sociais:

Art. 6º  O compartilhamento ou uso das bases de dados e informações a que se refere este Decreto observará o disposto no art. 198 da Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966, na Lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018, e a legislação pertinente ao sigilo médico.

10 Constituição Federal:

Art. 37. (...)

XXII - as administrações tributárias da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, atividades essenciais ao funcionamento do Estado, exercidas por servidores de carreiras específicas, terão recursos prioritários para a realização de suas atividades e atuarão de forma integrada, inclusive com o compartilhamento de cadastros e de informações fiscais, na forma da lei ou convênio.

Art. 146. Cabe à lei complementar:

I - (...)

III - estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre:

(...)

d) definição de tratamento diferenciado e favorecido para as microempresas e para as empresas de pequeno porte, inclusive regimes especiais ou simplificados no caso do imposto previsto no art. 155, II, das contribuições previstas no art. 195, I e §§ 12 e 13, e da contribuição a que se refere o art. 239. 

Parágrafo único. A lei complementar de que trata o inciso III, d, também poderá instituir um regime único de arrecadação dos impostos e contribuições da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, observado que: 

I - (...)

IV - a arrecadação, a fiscalização e a cobrança poderão ser compartilhadas pelos entes federados, adotado cadastro nacional único de contribuintes.

11 Nos termos do art. 157, do Regimento Interno do Tribunal de Contas da União, aprovado pela Resolução TCU nº 246, de 30 de novembro de 2011, “o relator presidirá a instrução do processo”, podendo, “mediante portaria, delegar competência a titular de unidade técnica, para realização de (...) diligência e outras providências necessárias ao saneamento do processo” (§ 1º).

12   A Lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018, considera:

- anonimização: “utilização de meios técnicos razoáveis e disponíveis no momento do tratamento, por meio dos quais um dado perde a possibilidade de associação, direta ou indireta, a um indivíduo” (art. 5º, XI);

- dado anonimizado: “dado relativo a titular que não possa ser identificado, considerando a utilização de meios técnicos razoáveis e disponíveis na ocasião de seu tratamento” (art. 5º, III);

- pseudonimização: “tratamento por meio do qual um dado perde a possibilidade de associação, direta ou indireta, a um indivíduo, senão pelo uso de informação adicional mantida separadamente pelo controlador em ambiente controlado e seguro” (art. 13, § 4º).

[1]3 Parecer GQ-110:

 49. (...) O TCU - entendo - em certos casos, pode ter conhecimento de informações sigilosas, desde que sejam meio de alcançar aquele fim.  Em outras palavras, as informações sujeitas a sigilo, de pessoas ou empresas não fiscalizados, só podem ser levados ao conhecimento do TCU, se imprescindíveis à fiscalização do dinheiro público. (...)

 50. Parece-me, portanto, que regra constitucional não escrita, nos limites acima expostos, autoriza o acesso a dados sigilosos.

 51. Portanto, o exame isento da questão, leva ao entendimento de que ao Tribunal de Contas pode ter acesso, mesmo a dados sigilosos, quando estiver em missão, que hoje lhe está assegurada, de fiscalizar as instituições financeiras.  Isto não lhe confere, entretanto, a pretensão a qualquer informação sobre quem não esteja, ira actu, submetido a sua fiscalização. Igualmente, no tocante ao sigilo fiscal, a fiscalização que exerça sobre atividades, por exemplo, da Receita Federal, não lhe permite acesso, exempli gratia, às declarações de rendimentos das pessoas.”

14   Exposição de Motivos nº 820/MF, de 6 de outubro de 1999, encaminhada por meio da Mensagem nº 1.459, de 7 de outubro de 1999, conforme publicação no Diário da Câmara dos Deputados em 16 de outubro de 1999, pág. 48.927 a 48.932.

15 De que são exemplos as que podem expor estratégias de cobrança administrativa ou judicial ou estratégias de recuperação.

16 A possibilidade de compartilhamento de dados fiscais, para fins de auditoria, sob gestão da Secretaria Especial da Receita Federal, ora reconhecida, está adstrita ao Tribunal de Contas da União e à Controladoria-Geral da União, em razão da especificidade de suas atribuições, não compreendendo outras instâncias de controle interno ou externo.

17 Tidos como indispensáveis para a execução de procedimentos de inspeção e auditoria, sem sujeito passivo determinado.

18  A fundamentação deve ser apta a demonstrar a pertinência e a necessidade de acesso aos dados para a realização do trabalho de auditoria ou inspeção, não alcançando, por evidente, os seus aspectos intrínsecos ou a necessidade de revelação da própria matriz de planejamento da auditoria.

[1]9 A necessidade de fundamentação de decisões subsiste inclusive para o Poder Judiciário (art. 93, IX e X, CF/88).

20 No caso de servidores públicos civis da União, das autarquias e das fundações públicas federais, a Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990, igualmente estabelece que, “no ato da posse, o servidor apresentará declaração de bens e valores que constituem seu patrimônio e declaração quanto ao exercício ou não de outro cargo, emprego ou função pública” (art. 13, § 5º), podendo, a seu critério, entregar cópia da declaração anual de bens apresentada à Delegacia da Receita Federal, para suprir a exigência (art. 13, § 4º, Lei nº 8.429, de 1992), ou autorizar o acesso.  Pode-se, portanto, concluir, a par do que dispõe a Lei nº 8.730, de 1993, que se corporificou no ordenamento jurídico a possibilidade de os órgãos federais de controle externo e interno (TCU e CGU) exercerem o controle da legalidade e legitimidade da evolução patrimonial dos referidos servidores, respeitadas as normas legais que estabelecem a competência para eventual apuração disciplinar, se for o caso.

21 O Decreto nº 10.046, de 9 de outubro de 2019, que dispõe sobre a governança no compartilhamento de dados no âmbito da Administração Pública Federal exclui da referida regulamentação os dados protegidos por sigilo fiscal:

Art. 1º Este Decreto estabelece as normas e as diretrizes para o compartilhamento de dados entre os órgãos e as entidades da administração pública federal direta, autárquica e fundacional e os demais Poderes da União, com a finalidade de:

I - (...)

§ 1º (...)

§ 2º Ficam excluídos do disposto no caput os dados protegidos por sigilo fiscal sob gestão da Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil do Ministério da Economia.

Art. 28. A Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil do Ministério da Economia disponibilizará aos órgãos interessados os seguintes dados não protegidos por sigilo fiscal:

I - (...)”

Este texto não substitui o publicado no DOU de 18.10.2019 Edição extra